ACESSO À JUSTIÇA
E DIREITOS FUNDAMENTAIS

(Segunda Parte)

 

por João Carlos da Silveira

 

 

 

 

CAP III – O ACESSO À JUSTIÇA E AS PEQUENAS CAUSAS   

 

3.1. Considerações iniciais

        

         Com a economia globalizada aprofundou-se a exclusão social e ampliou-se a desigualdade passando o Estado a buscar integrar ao sistema jurídico aqueles deserdados da riqueza, de suas políticas públicas e mesmo de seu convívio.

         Estas pessoas, conhecidas como "excluídos" ou "subintegrados"  vão perdendo/afastando-se da área de atuação do Estado onde este possa alcançá-los pela justiça  "corretiva" ou "retributiva". Buscando  manter sua jurisdição,  que já estava sendo tomada nos espaços infra-estatais, o Poder Judiciário passou a se transformar buscando informalizar-se por meio dos Juizados de negociação e conciliação de natureza civil, especialmente aqueles litígios de pequeno valor material que alcançavam considerável massa de pessoas.

         Assinale-se que a maior parte da clientela visada condiz hoje  com uma população de indigentes ou pobres vez que segundo o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, o Brasil tem hoje 53 milhões de pessoas ou  parcela equivalente a 30% da população,  com renda mensal inferior a metade do salário mínimo (valor necessário para ingestão mínima de alimentos segundo a Organização Mundial da Saúde),  cuja metodologia os define como indigentes.[65]

        Esta investida do Estado buscando solidificar o Poder Judiciário como via necessária para a manutenção do manto de disciplina e poder sobre estes estratos da população, como garantia de sua jurisdição, repercutiram com a criação de uma justiça de segunda classe para cidadãos de segunda classe.

          Parece-nos, no entanto, que estes Juizados possam ter  viabilizado  o acesso de expressivas parcelas da população ao Judiciário, especialmente aquelas que de outra maneira não poderiam, por meios próprios, obter via para a interrogação de seus direitos.

         Os Juizados trouxeram ao mundo dos procedimentos a decisão com base na eqüidade e o papel do juiz como criador das regras procedimentais aplicáveis; os atos processuais passaram a ser considerados válidos desde que atinjam o fim visado e, em especial, lograram concentrar as causas em uma única audiência em todo o processo sendo que, ao fim, a execução passou a ser de resultado. Isto transformou radicalmente  o procedimento normativista, com regras rituais e linguagem ininteligível, propiciando às partes uma verdadeira intervenção/ação no seu desenvolvimento. Por igual a contemplação dos direitos coletivos, ainda um débito à população.

         Ainda ressentem-se os Juizados cíveis de possuírem uma competência absoluta e de comportarem apenas causas de pequeno valor assim como da necessidade de advogado para as causas acima de vinte salários mínimos.

         Outro entrave considerável reside na exclusão de causas de natureza alimentar, acidentes do trabalho e aqueles de interesse do cidadão perante a Fazenda Pública.

         Os Juizados especiais no âmbito da Justiça Federal contemplam maior valor das causas mas anulam as demandas sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Os Juizados estaduais, por sua vez, correspondem à anulação.

         Tantas limitações indicam um procedimento já criado com sérias restrições e ensejador, por si apenas, de não contemplar a todos os direitos que o cidadão possa ter  para haver do Estado a prestação plena.

         Em verdade ocorre uma  exclusão primária destes cidadãos incluídos nos Juizados pois, apesar de os textos não assinalarem o sentido real de tantas vedações, limitações, exclusão de causas,  dizem elas diretamente a direitos contemplados mas não incluídos.

         Assim, o ordenamento normativo demonstra que não pretende estender um a plena eficácia de defesa de direitos para todos - fazendo-o de modo parcial.

         Este proceder contempla que "à medida que a Constituição não é 'querida' enquanto vinculante em extensão tão ampla, i.e., não é praticada ela mesma se submete com a sua pretensão de vigência à reserva de 'vigência' do metacódigo, da superestrutura de inclusão/exclusão".[66]

         A inclusão do cidadão requer a abrangência, em toda plenitude, de todos os direitos e garantias que o ordenamento jurídico e constitucional contemplam.

         Consoante as reservas apontadas podemos crer que inexiste a universalidade de abrangência nos Juizados especiais, indicando que aqui os subintegrados ou excluídos, os destinatários potencialmente em maior número não são  os contemplados com todas as prestações devidas pelo Estado.

         Cumpre então aos intérpretes e, em especial ao juiz, dentre as ferramentas postas à sua disposição pelos Juizados, servir de elo para a corrente que busca a inclusão daqueles mais necessitados do acesso à Justiça.

         Os frutos conhecidos resultam, no Estado do Rio Grande do Sul, da interposição de 300.000 causas nos anos de 1999/2000 com a obtenção de conciliação das partes no que concerne a 1/3 dos feitos.[67]

 

 

3.2. O Juizado Informal do Rio Grande do Sul - O resgate pretendido do acesso à justiça pela via da conciliação e do arbitramento.

 

Aquilo que nos parece novo, em nosso sistema jurídico, chega-nos com indisfarçável  e constrangedor atraso de até um século, comparativamente aos países mais adiantados, como Estados Unidos e Inglaterra.[68]

A Constituição Federal de 1967, com a alteração da EC nº 1/69, já manifestava preocupação com a celeridade de solução dos litígios. Os critérios apontados aqueles da descentralização, da economia e da comodidade das partes.

Esta pretensão foi adotada pelo Código de Processo Civil de 1973, onde se produziu o “procedimento sumaríssimo”.

A exposição de motivos para implantação da nova lei processual, em seu item 37, pretendeu que “a característica fosse a simplificação de atos, de modo que as demandas sejam processadas em curto espaço de tempo”.

Entretanto, o procedimento padeceu das mesmas mazelas daquele comum, inserido que estava no sistema processual vigente. Em alguns casos, os feitos com tempo certo para finalização passaram a permanecer nos Cartórios, à espera de diligências, audiências, exames, inspeções, contas as mais variadas, etc. Na realidade, o sumaríssimo tornou-se um processo longo e ineficaz em sua característica de economicidade.

Com a finalidade de proporcionar o fim último “Justiça” para um segmento da sociedade até então sem atendimento – a camada mais pobre da população – a Associação dos Juizes do Rio Grande do Sul – AJURIS iniciou estudos para implantação de um Conselho de Conciliação e Arbitramento.

No editorial da revista AJURIS, nº 25, correspondente a julho/1982, a Associação dos Juízes do RGS clama sua preocupação com a prestação de justiça devida ao povo (especialmente quanto ao acesso) e declara-se ciente de que as pequenas causas sequer ingressavam no Judiciário. O propósito era o debate do assunto assegurando-se a valorização do judiciário assumindo esses novos encargos. Para as pequenas questões serem julgadas com prestação efetiva de justiça o documento aponta a necessidade de controle pelo Poder Judiciário e a imposição do profissional de longa formação, tirocínio e experiência – o Juiz.

No editorial da revista subseqüente (nº 26 – novembro/1982), a mesma Associação filtrava os impedientes de acesso frente às custas, honorários de advogados, o tempo perdido quanto o problema das pequenas causas. Afirmava-se, então que “fica a sensação de injustiça a envenenar as relações sociais”.

Propugna-se, então, a necessidade de criação de Juizados especiais para a solução de questões de menor valor com rito orientado pelos princípios de gratuidade, informalidade e rapidez. Direcionava-se no sentido de promover acesso aos menos favorecido, para defesa de seus direitos, entendendo-se que somente pessoas físicas pudessem optar por serem autores perante tais Juizados. Por fim assentava que somente um rito simplificado permitiria o breve julgamento do imenso número de pequenos litígios sem congestionar as pautas de audiências das varas cíveis.

Nesta mesma revista encontramos o regulamento do Conselho de Conciliação e Arbitramento noticiando-se que a instalação contava com o apoio da Corregedoria-Geral da Justiça e aval da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado.

Segundo o projeto, os Conselhos funcionariam à noite, nas dependências do Foro, destinando-se a apreciar pequenas causas. No procedimento, por primeiro buscava-se a (re)conciliação das partes e, não sendo isso possível, propunha-se o arbitramento assim ensejando celeridade e informalidade. Do noticiário

“...com isso, questões de menor vulto, não levadas ao Poder Judiciário em razão de seu pequeno valor pecuniário, poderão ser resolvidas por árbitros, escolhidos criteriosamente pela AJURIS, entre pessoas de notória idoneidade e senso de eqüidade”.[69]

 

Relevando as iniciativas de entidades de classe, particulares, que promoviam estudos e ameaçavam instalar instituições de arbitramento, a AJURIS entendeu da imediata urgência na criação de um Conselho para dirimir aqueles pleitos que não aportavam ao Judiciário.

Foi escolhida a Comarca de Rio Grande por suas particularidades. Cidade em ritmo de desenvolvimento: zona portuária por excelência do Estado; município de acelerada expansão industrial com zona urbana em crescimento desordenado; áreas rurais contíguas de desenvolvida agropecuária; cidade tão antiga quanto a capital; afluência de migração urbana – condições de onde sobressaíam importantes camadas sociais a serem atendidas pelo Juizado Informal de Pequenas Causas.[70]

Os árbitros foram escolhidos dentre renomados advogados, incluso o Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Rio Grande – e, convidados, de imediato acederam ao convite em que pese não remunerados pelo exercício do cargo.

No próprio Foro instalados, os árbitros atendiam nas salas de audiência secretariados pelo pessoal de apoio – que trabalhavam voluntariamente e de forma gratuita.

A instalação ocorreu no dia 23.7.82, às 18h, no salão do Júri e, na ocasião, compromissados, solenemente, os árbitros.

 

O regulamento, elaborado pela AJURIS, foi adaptado às condições da Comarca com o limite do valor das questões e modo de obter o título executivo.

As normas do regulamento são reduzidas; a redação simplificada contendo e estabelecendo princípios básicos e deixando, ao árbitro área de ação para obter resultados.

O projeto, dito experimental, tinha como base legal as regras do Código do Processo Civil que autorizavam o Juízo Arbitral e, no dizer de Galeno de Lacerda: “A instituição é muito antiga, anterior à própria criação do Poder Judiciário, assentada e oriunda nas fontes milenares do juízo arbitral e nos ‘conselhos dos homens bons’”. [71]

A atividade jurisdicional do Juiz ficava impedida pois faltava-lhe lei autorizadora.

 

“Tais órgãos não tinham existência legal, não tinham função judicante, com juízes improvisados, atuando fora do horário de expediente. Mas a experiência foi tão bem sucedida, obtendo índices altíssimos de conciliação, que logo demandaram regulamentação através de lei própria.” [72] 

 

As principais peculiaridades do novo sistema eram: limite de valor, dispensa de homologação judicial do laudo arbitral e solenidade da sessão.

Diante os possíveis interesses dos litigantes foi fixado o valor máximo para a causa em 40 ORTNs, moeda que a época representava Cr$ 80.000,00.

Tal valor, limitadíssimo, foi acertado para que a classe dos advogados, dispensável na formação, não viesse a reagir de forma violenta e, inclusive, obstaculizar a experiência pioneira. “Alguns advogados, por exemplo, não defendem os MARC – (mecanismos alternativos de solução de conflitos) tendo em vista ao temor de perder a clientela e seus honorários.”[73]

À ocasião entendia-se que a limitação poderia ser alterada a qualquer momento em face da necessidade e da conveniência.

Com a assinatura, pelas partes, do termo de compromisso de arbitramento, com duas testemunhas, e com a assinatura do termo de transação, via dos procuradores das partes, entendia-se formalmente perfeita uma confissão de dívida com a possibilidade de futura execução, caso ocorresse inadimplemento.

Tal forma de proceder visava evitar que o laudo arbitral fosse à homologação judicial, através do procedimento do Código de Processo Civil e, neste caso, com a necessária interveniência de advogado.

As audiências de conciliação e arbitramento não se revestiam de formalidades especiais, antes pretendia-se o máximo de simplificação de procedimentos. Entretanto, para garantir a presença do Judiciário, todas as sessões eram abertas, a cada semana, por um dos Juizes de Direito da Comarca.

 

Os resultados não tardaram e constatou-se que a adoção de regras simples e reduzidas poderiam estabelecer a forma de funcionamento, com mais proveitosa possibilidade de o árbitro buscar a conciliação das partes ou obter convicção para sua decisão.

Apody dos Reis, historiando a experiência já antevia que o sistema então utilizado  deveria ser aplicado também ao Juiz quando, por força da lei, pudesse jurisdicionar e onde os princípios consagrados do processo devem ceder a uma mais ágil busca do justo. Também o resultado desta experiência já demonstrava  que, não subsistiriam as velhas formas e praxes. Da mesma forma as rígidas formas processuais deveriam amoldar-se aos novos tempos “em nome de uma confiabilidade que se deve creditar aos integrantes da relação processual”.[74]

O crescimento da demanda necessariamente deslocou a localização, descentralizando-o e levando-os a funcionar nos bairros e periferias da cidade de Rio Grande. Tal deslocamento multiplicou a atuação dos Conselhos ou Juizados.

As análises críticas e objetivas lograram firmar o conceito da experiência perante os demais magistrados gaúchos.

Ainda segundo Apody dos Reis:

 

“... Da apreciação dos resultados até agora obtidos, pode-se concluir com alguma segurança que:

O desenvolvimento do Juizado de Pequenas Causas não irá acarretar grande desafogo no serviço forense, de vez que a maioria das questões propostas perante o Juizado jamais seria levada ao conhecimento do Juízo Cível, dada a sua natureza e dimensão pecuniária, eis que o titular do direito ofendido não sente vantagem em arriscar demanda judicial, arcando com despesas preambulares de custas e honorários.

Todavia, com a implantação do Juizado, o Poder Judiciário estará oferecendo ao povo um mecanismo adequado para a solução de tais litígios, abrindo-lhe uma nova porta que, com certeza, fará o Judiciário aproximar-se da população da qual está hoje muito distante, aumentando a confiança e, via de conseqüência, melhorando sua imagem junto àquelas que, em última análise, são os destinatários primeiros da prestação jurisdicional”.[75]

 

A iniciativa de Rio Grande, com seu Conselho de Conciliação e Arbitramento forneceu experiência que gerou frutos ao longo do tempo.

Com tal êxito o Tribunal de Justiça do Estado concedeu autorização para o estabelecimento, em 07.10.82, de idêntico Conselho junto ao Foro Regional de Sarandi e, em l6.06.83, junto ao Foro Central, ambos em Porto Alegre.

Os Conselhos lograram permitir  o acesso à justiça àqueles que, antes, não poderiam tal pretender. Por outra, sua eficiência – pela informalidade, oralidade e gratuidade – restou demonstrada já nos primeiros resultados como dá conta o relatório apresentado de sua produção.[76]

Por outro lado, constatou-se a existência de uma litigiosidade contida, com litígios caracterizados e que, não fora pelos Conselhos, não chegariam, por outra via, ao Judiciário (problemas simples de vizinhos, consumidores, etc.).

Denota-se que, organizado e coordenado por juízes e sua Associação, o projeto previa apenas respostas extrajudiciais às demandas. No sistema processual formal então vigente não havia lugar para acolher este sistema alternativo de solução, vez que sequer contemplado em lei e por isto mesmo, o juiz,  sem exercício de Jurisdição (como acima já manifesto).

A experiência dos Conselhos constituiu-se em forma de “abertura do Poder Judiciário ao povo”, mesmo partindo de um sistema sem força coercitiva. Aponta o pioneirismo para a democratização do acesso à Justiça vez que, formalizada uma via ainda que alternativa, constituía-se uma  solução por livre vontade das partes ou por via arbitral e onde o direito de cada um já reconhecido. Mas a esta solução de consenso avança o Conselho outorgando-lhe força de pré-executividade. A força coercitiva, ausente por via do modelo, vai amparar na execução posterior, perante o juízo formal, desde que pelo Conselho formalizado o título hábil para tanto.

Pelas características que  nortearam os Conselhos pode-se afirmar que a experiência traduziu uma reforma de modernização.

Foram eles decisivos, pelos seus princípios, celeridade, resultados e imediatidade de acesso, para o aparecimento dos Juizados de Pequenas Causas. Tal Juizado já não mais traduzia a ânsia de renovação demonstrada com os Conselhos vez que enquanto estes foram gerados pelos operadores do direito e avançavam como sistema de solução de litígios pela própria comunidade, aquele vinha plasmado pelo Poder Judiciário, traduzindo uma mudança dentro do sistema processual  e do próprio Poder, com tênue participação da comunidade via dos  conciliadores e dos juízes leigos.

 

          Estas atividades pioneiras logram alavancar os estudos que se faziam, no âmbito Legislativo Nacional, com ênfase na implantação dos Juizados de Pequenas Causas e desembocam na  Lei nº 7.244, de  07.11.1984.

                  

 

3.3. Os Juizados Especiais Cíveis

 

         Quanto aos Juizados de Pequenas Causas, ao reverso da arbitragem, vêm tendo ampla aceitação em todo o mundo, havendo, desde 1973, Tribunais de Pequenas Causas na Austrália (Nova Gales do Sul, Queensland, Victoria e Austrália Ocidental); Tribunais de Condados para o Arbitramento de Pequenas Causas na Inglaterra; Processo de Pequenas Causas na Suécia; Tribunais de Pequenas Causas de Nova Iorque, Estados Unidos; o Projeto Piloto de Pequenas Causas de Vancouver, Colúmbia Britânica, e o Tribunal de Pequenas Causas de Quebec, Canadá; além do Besirksgerich da Áustria, o Amtsgerich da Alemanha, o Kantogerecht da Holanda, o Tribunal d’Instance da França, o ‘Pretor’ da Itália e a ‘Corte Sumária’ do Japão.[77]  

 

 

3.3.1. Os princípios e as linhas trazidas com os Juizados

 

Das idéias básicas ensejadoras da lei dos Juizados Especiais de Pequenas Causas podemos assinalar:

 

a) a facilitação do acesso à justiça pela gratuidade em primeiro grau e pela possibilidade de ingresso  direto (sem advogado) no juizado;

b)    suma importância da conciliação o que ensejou descomplicar, simplificar e acelerar o processo;

c)  completitude do juizado em dois graus de jurisdição – e ambos no primeiro grau de jurisdição (Tribunal Recursal composto de Juizes);

d) irrecorribilidade da decisão do árbitro homologado pelo juiz togado;

e) o papel do advogado: preferentemente como conciliador (art. 6º), exclusivamente como árbitro (art. 7º) – quando participa como elemento pertencente à própria administração da Justiça.

Ainda, pode participar como defensor técnico das partes e, para a interposição de recursos, necessário seu patrocínio.

a comunidade passa a participar da administração da justiça através dos conciliadores e dos árbitros.

 

Dentre seus princípios sobressaem:

 

Oralidade e concentração – todos os atos processuais desenvolvem-se numa única audiência, com registro escrito apenas dos atos essenciais;

Facultatividade  de acesso: pode o autor (não o réu) optar pelo Juízo comum;

Gratuidade – em primeiro grau de jurisdição

 

Acesso apenas às pessoas físicas capazes, comparecendo as pessoas jurídicas apenas na qualidade de rés;

Assistência por advogados, em caráter facultativo, no primeiro grau de jurisdição; em caráter obrigatório, no caso de recurso;

Conciliação – verdadeiro fim último;

Não admissão de intervenção de terceiros e substituição de provas periciais pela inquisição de técnico no assunto;

Alargamento dos poderes do Juiz, que dirige o processo, com ampla liberdade para determinar as provas a serem produzidas, para apreciá-las e para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica, adotando, em cada caso, a decisão que reputar mais justa e equânime;

Possibilidade de funcionamento em horários noturno;

Colaboração de advogados como conciliadores e árbitros;

Limitação do pedido de direitos patrimoniais disponíveis, de valor não excedente a vinte vezes o valor do salário mínimo; não se aplica à Lei nº 7.244 às causas de natureza falimentar, alimentar, fiscal e de interesse da Fazenda, nem às relativas a acidentes do trabalho e ao estado e capacidade das pessoas;

Recurso a um Colegiado composto por três Juizes de Direito, em exercício na primeira instância, e julgamento na própria sede do juizado.

 

A audiência, perante os Juizados de Pequenas Causas, desenvolvem-se em duas etapas: a sessão de conciliação e a audiência de instrução e julgamento propriamente dita.

Digno de nota, a antecipação da capacidade aos dezoito anos (art. 8º, § 2º): para o processo de pequenas causas o menor de idade deixa de sê-lo quando completa esta idade, passando a usufruir de plena capacidade processual para estar em juízo na qualidade de autor.  Ademais, adquire capacidade para os atos da vida civil, no que concerne a conciliação a ser feita no processo (transigindo, renunciando a direito, etc).

Sem amplitude geral mas soluções próprias trazidas ao procedimento:

 

a) gravação das audiências;

b) audiências sem interrupção;

c) redução do agravos com irrecorribilidade das decisões interlocutórias;

d) citação postal;

e) preparo do recurso antes da resposta;

f) colegiado de primeira instância como órgão recursal.

 

Estas, em linhas gerais, as modificações impostas no processo civil pela Lei nº 7.233/84 instituidora dos Juizados Especiais de Pequenas  Causas.

 

 

 3.3.2. Os Juizados Especiais

        

Os Estados passaram a instituir Juizados Cíveis de Pequenas Causas, nos delineamentos da Lei nº 7.244/84, desde que o valor da causa não excedesse a vinte vezes o salário mínimo.

A Constituição Federal de 1988, em seu art.98, inc.I, impôs a obrigação de instituírem-se os Juizados Especiais de causas cíveis e criminais.

No Rio Grande do Sul, as Leis nº 9442 de 03.12.91 e 9.446 de 06.12.91 estenderam a competência até o valor de quarenta salários mínimos e delinearam matéria de menor complexidade.

Com o advento da Lei nº 9.099/95 de 26.09.95, os Juizados Especiais de Pequenas Causas existentes nos Estados, Distrito Federal e Territórios passaram a moldarem-se na nova forma preconizada, no concernente à Lei Federal enquanto aos Estados e União cabia a reformulação na esfera de suas competências.

Por  outro lado,  foi estabelecida a competência da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar concorrentemente sobre a criação, o funcionamento e o processo do Juizado Especial Cível e Criminal.

Não tem sentido a distinção que alguns estudiosos timidamente estabelecem, a partir de uma interpretação meramente literal, entre dois preceitos constitucionais, sustentando tratar-se de Juizados diversos, porquanto o Juizado Especial – mencionado no art. 98, I – e o juizado de pequenas causas – mencionado no art. 24, X -, são  na verdade o Juizado Especial de Pequenas Causas, batizado anteriormente no art. 1º, da Lei nº 7.244/84.

A Carta de 1988 inovou sobremaneira, primeiro conferindo foro constitucional a esse tipo de jurisdição – dantes prevista somente em lei ordinária federal, dando margem a inúmeras discussões sobre sua legitimidade e legalidade; em segundo plano, ampliando o conceito de pequenas causas – até então adstrito a um meramente valorativo, de conteúdo econômico -, incluindo, desta feita, as causas cíveis de menor complexidade, agora incorporando na definição da competência um critério qualitativo material; e, por último, tornando obrigatória a criação desses Juizados pelos Estados conferindo-lhes competência concorrente para legislar sobre sua criação, funcionamento e processo.

Rêmolo Letteriello, interpretando os conceitos dos artigos 98, I e 24, X, da Constituição Federal, sustenta a unicidade dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, recusando a tese da duplicidade de órgão. Diz que não pode prevalecer o argumento de que eles são distintos, porque distintas suas competências, ou seja, a do primeiro, estabelecida em face do pequeno valor das causas (até 20 salários mínimos, a que alude a Lei nº 7.244 que teria sido recepcionada pelo art. 24, X, da Constituição) e a do segundo, em razão da menor complexidade das questões cíveis (art. 98, I).

E justifica: “Evidentemente, a expressão menor complexidade alcança não só as causas de reduzido valor econômico, como também as questões que, pela sua natureza são consideradas simples”. Aduz, que se fosse intenção do constituinte instituir dois organismos autônomos, o Juizados de Pequenas Causas certamente constaria do capítulo referente ao Poder Judiciário, como ocorre com os Juizados Especiais de Pequenas Causas.[78]

Sobre a competência concorrente e o procedimento de a União e Distrito Federal legislarem sobre a criação, o funcionamento e o processo do Juizado Especial de Pequenas Causas, devem ser obedecidas as regras jurídicas constitucionais, ou seja, “a competência primeira é da União, que se limitará, ao estabelecimento de normas gerais” (art. 24, § 1º), não excluída a competência suplementar dos Estados, que, no exercício da competência plena, poderão promulgar normas especiais, que atendam às suas peculiaridades regionais e locais (art. 24, § 2º), mas se e enquanto não houver lei federal, fixando  o padrão ou norma geral, poderão os Estados exercer a competência legislativa plena (art. 24, § 3º), até que a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspenderá a eficiência da lei estadual, no que lhe for contrário (art. 24, § 4º) .

 Acerca deste tema específico reporta-se Antônio Raphael Silva Salvador:

 

“O juizado Especial de Pequenas Causas não é facultativo quanto a sua criação. A Lei nº 7.244/84 , que permitia essa faculdade, atenta, agora, contra a Constituição Federal que diz claramente, em seu art. 98, que a União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão os Juizados Especiais, uma ordem, uma determinação e não mais uma faculdade”.

 

“...Não pode o Juizado Especial de Pequenas Causas ficar entregue à opção do autor,  pois trata-se de competência de Juízo, que não é relativa, mas absoluta. Indiscutível que  aqui se trata de competência de Juízo: a lei diz qual o juízo que é competente para aquelas causas que especifica, adotando o critério econômico e ainda um critério material, para estabelecer quais os objetos visados na ação que autorizam essa competência.” [79]

 

Neste sentido, entendemos que o que consta no art. 3º, marca que a competência de Juízo do órgão especial está condicionada a requisitos cumulados, ou seja: precisa que o valor seja baixo, matéria patrimonial, que se trate de uma das causas enumeradas nos incisos e não incida nenhum dos vetos contidos no § 1º. Todos esses requisitos  enquadram-se no conceito de competência objetiva, segundo exposição de Moacyr Amaral Santos, que o Código de Processo Civil assimilou por inteiro. A competência objetiva, em nosso Direito, abrange a material (natureza do litígio), pelo valor da causa e pela condição das pessoas.[80]

Pode-se dizer que a jurisdição comum, por ser plena, pode o mais, enquanto a jurisdição especial, por ser restrita, pode o menos. E, como quem pode o mais pode o menos, por princípios de hermenêutica pode-se concluir que as Varas Cíveis e o Tribunal de Justiça têm competência residual para apreciar qualquer causa ou recurso ainda que definido na competência dos Juizados ou das Turmas de Recursos, sem que se possa falar em incompetência absoluta. No que tange às turmas, não se pode jamais ignorar que o art. 98, I, da Constituição Federal não torna obrigatória sua criação. E, quanto aos Juizados, a Lei Complementar 77/93, em seu art. 4º, define a competência do próprio Juiz da Vara, em caráter cumulativo, para jurisdicionar as causas definidas na jurisdição especial autônoma.

Como já decidiu o S.T.J., relativamente aos Tribunais de Justiça e Tribunais de Alçada, não poderá haver conflitos de competência entre o Tribunal e as Turmas, mesmo porque tratam-se de órgão jurisdicionais de hierarquia diversa, porquanto as Turmas são órgãos de primeiro grau, por definição constitucional, não tendo, por outro lado, o “status” de Tribunais. Daí, inclusive, o entendimento de que  descabe recurso especial das decisões das Turmas, conforme tem entendido o S.T.J., em diversos julgados (C.F., art. 105, III).

 

O espírito dos Juizados e a especificidade e especialidade do processo que eles trazem não apenas são regras procedimentais simplificadoras mas auguram a verdadeira implantação  de um novo sistema processual com princípios próprios.

Com a fórmula trazida buscam a desformalização que indica e implanta a facilitação do efetivo acesso à justiça.

Iniciados com o movimento desburocratizador trouxeram elementos vivificadores à nova Justiça.

Com a inserção dos conciliadores e juizes leigos tornam-se os Juizados mais participativos e pluralistas.

Maior proximidade entre os Juizes e as partes acarreta mais profundo conhecer, menor probabilidade de dúvida ou erro, Justiça com maior precisão.

Enquanto a Lei das Pequenas Causas de 1984 dispunha da dupla faculdade, quando a parte poderia dispor de intentar ação nos Juizados ou promover ação própria ordinária, a nova Lei também assim admite com a ressalva de que, ao promover o feito perante os Juizados Especiais o autor abre mão do excesso do valor (porque competência adstrita ao valor).

 

O procedimento estabelecido na Lei nº 9.099/95 não é sumário mas sumaríssimo – como ressaltado na Constituição/88 – cujos princípios orientadores sobrelevam com a informalidade, o contraditório prévio, a oralidade, a economia processual, a celeridade e, no âmbito penal a proteção ao interesse da vítima e a evitabilidade da aplicação de pena privativa de liberdade.

No que concerne ao diploma criminal o que se antevê é que afastada qualquer providência descriminalizadora adotaram-se medidas despenalizadoras – tendo por fim último a evitabilidade da aplicação da pena privativa de liberdade.

O princípio da oralidade traz em seu bojo norteadores complementares ou desdobramentos com o princípio do imediatismo, da concentração, da imutabilidade do Juiz e da irrecorribilidade das decisões.

O princípio do imediatismo ou imediatidade salienta que o Juiz deve proceder diretamente à colheita de todas as provas; a concentração avoca a realização em única etapa ou em audiência aproximadas os atos processuais; a imutabilidade do Juiz pretende a presença de  o magistrado, pessoalmente, acompanhar o trâmite processual desde o início e o princípio da irrecorribilidade das decisões condiz com aquelas interlocutórias: frente a instrução oral a regra sustenta-se na razão de ser da própria concentração.

A desformalização do processo deve garantir, à toda prova, os princípios fundamentais garantidores dos direitos do cidadão e assentes na Constituição Federal.

 

A primeira idéia dá conta ser o Juizados Especial – um contraposto ao Juizado Comum. Sua especificidade é a abrangência de causas de menor complexidade, sendo  procedimento oral e sumaríssimo.

Sistema de Justiça penal calcado na conciliação, transação e a suspensão do processo por prazo determinado que trazem a idéia e a instauração de uma Justiça Penal Consensual, fundamentalmente visando tutelar, proteger, amparar a vítima do crime.

Ao fim o julgamento está sujeito a recursos conhecidos em instância única e final por turmas recursais ou primeiro grau.

Os Juizados Especiais pretendendo  exercitar a justiça do cotidiano das pessoas elege a composição que é veementemente buscada, tanto no cível quanto criminal.

O processo, sendo a Justiça do dia-a-dia das pessoas, não tem condão metafísico, conceitual, não é uma arena de debates pois pretende, apenas, a solução do conflito e não a solução do processo. Este é transformado em ente sociológico, dinâmico, palpável, físico, atual e pontuado.

Com este “sentir” o povo, seus pequenos fatos controversos face a necessidade de solução, mesmo de bagatelas, o Juiz vê-se frente ao ente sociológico e busca solução ao litígio, ao conflito.

Geralmente impunes tais fatos e atos – agora tenta-se modificar a cultura da impunidade por uma ação política desenvolvendo-se, via dos Juizados.

Os princípios contidos no art. 2º da Lei 9099/95 são regras de    sobredireitos que orientam a interpretação de outras regras.

Por sua concentração extrema já comungamos a celeridade: acrescentamos a oralidade para sabermos de sua rapidez. Nada de complexo é assimilado ou admitido – a demonstrar sua simplicidade.

Nenhum ato processual tem forma. Inexiste o formalismo exacerbado que ostenta o princípio da legalidade das formas. Tal situação é contida pelo princípio da informalidade. Todos os atos do processo devem ser aproveitados sempre. Aqui a economia processual.

Tal forma, frisamos, é o oposto da Justiça Comum.

Já no Juizado Especial Criminal, há objetivos explícitos a orientar o julgamento: sempre que possível, busca-se a reparação  dos danos sofridos pela vítima e, como “ratio” maior, a aplicação de pena não privativa de liberdade (art. 62, Lei 9099/95).

Constituindo um subsistema ao sistema maior de Direito os Juizados Especiais traduzem-se em um novo processo e não apenas em mero procedimento.

Ao assim conceituá-los veremos que, em tal situação, impõem-se regras fundamentais de organização judiciária.

E a principal regra constitui-se no próprio ente sociológico que vem solucionar.

Ainda ocupa-se a doutrina e a jurisprudência em firmar a presença  das regras dos Juizados Especiais com métodos adequados às suas próprias finalidades – o que por certo demandará ainda algum tempo.

 

 

 3.3.3. Os obstáculos para o pleno acesso à Justiça nos Juizados Especiais

 

         Desde os idos dos Juizados de pequenas causas, perpassando pelo novo Juizado Especial a idéia principal e desiderato constitucional continua a ser a  facilitação do acesso à Justiça pelo cidadão comum, em especial a camada mais humilde  da população.

         À  ampliação da competência promovida  pela Lei n.º 9.099/95 (valores não excedentes a 40 vezes o salário mínimo, despejo para uso próprio, possessórias, execuções de títulos executivos extrajudiciais até o valor supra) somam-se várias propostas legislativas que procuram ampliar mais e mais a competência.

         Não bastasse, aos políticos interessa remeterem-se ampliações pois da própria essência a solução mais rápida.

         No entanto, à ampliação não correspondeu um estudo sério de adequação e infra-estrutura a suportarem o fardo.

         Assim, aos Juizados Especiais, com ampliação de competências mas, apenas trocando-se os nomes de uns pelos outros...

         Ao sucederem-se sem devida preparação – quer  do quadro físico, quer do necessário aporte funcional – os Juizados passaram a sofrer de um mal ainda não mensurável mas crônico: a burocracia.

         A burocratização solapou o ideal de Justiça rápida e a morosidade no andamento dos feitos tornou-se corriqueira nos Juizados.

         Já quanto ao valor da causa a interpretação literal do art. 3º, inc. II da Lei n.º 9.099/95 induz aceitarem-se demandas, qualquer que seja o valor, como de competência do Juizado.

         Os operadores do Direito insistem no uso de dispositivos da lei processual alterada:

 

a) publica-se no Diário Oficial edital de leilão de bens quando o Código de Processo Civil (art. 686, §3º) dispensa a formalidade até 20 vezes o SM;

 

b) mesma forma, publicam-se homologação de acordos  e intimação, em causas de até 20 vezes o SM, quando devem estas serem intimadas via correio ou pessoalmente e aquelas de interesse das partes a obtenção  de cópia de seus teores;

 

c) em que pese todos os atos devam ser  gratuitos, exigem-se o pagamento de honorários do perito;

 

d) a sentença, via de regra, não é prolatada em audiência e, após prazo do juiz leigo, outro se lhe atribui -  sem ordenamento – ao Juiz togado – o que demanda longo tempo de espera das partes;

 

e) a designação de audiência passou a ultrapassar o prazo máximo da Lei n.º 9.099/95 alcançando até mais  de três meses da conciliação e avançando longo e desmensurado tempo para a sentença;

 

f) o recurso em que pese a simplicidade, alcança outros seis meses, no máximo, para desiderato.[81]

 

         Este regime burocrático não é apanágio dos Juizados mas perspassa o sistema, tanto no que diz respeito aos mecanismos processuais quanto na administração do próprio Poder Judiciário.

         Um dos fundamentos do estado democrático de direito (art. 1º, inciso II, da Constituição Federal) e garantia máxime da cidadania é o acesso ao Judiciário. E este é um dos mais importantes direitos fundamentais contidos na Constituição (art. 5º, incisos XXXV e LXXIV).

         Entretanto, mesmo que direito reconhecido, à maioria da população não alcança tal acesso.

         Primeiro porque “algo em torno de 80% da nossa população é considerada carente, na acepção social e jurídica do termo, já que não pode pagar as custas, honorários de advogado e despesas de um processo sem prejuízo do sustento próprio ou da família”[82]

         Em segundo porque a assistência jurídica, meio pelo qual se garante a todos os indivíduos da sociedade, de forma igual, a possibilidade do exercício de seus direitos e o acesso à Justiça, ainda não passa de um sonho – em especial no Rio Grande do Sul.

         Aqui possuímos uma assistência judiciária limitada às questões processuais.

         A partir da Constituição Federal de 1988 a assistência jurídica passou a qualificar-se como direito fundamenta (art. 5º, inciso LXXIV) desde que cometido ao Estado a prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.

         Esta assistência jurídica compreende a orientação jurídica em todos os sentidos: econômicos, sociais, culturais e jurídicos.

         À falta de tal abrangência, a população continua à margem de, sequer, ter conhecimento de seus direitos.

         Os comentadores são unânimes de que os Juizados Especiais possuem um sistema apto À solução dos problemas mais simples da população. Sobremodo, são a porta de acesso à Justiça ainda mais que gratuito no 1º grau, ingresso direito, processo informal e simplificado, composição pela valorizada conciliação.

         Os Juizados Especiais devem oferecer “um serviço paralelo, que é o de informação e orientação”.[83]

         A informação e a orientação, aliados ao serviço de assistência judiciária são as garantidoras de completude dos Juizados Especiais.

         Tais serviços ainda são precariamente atendidos pelo Estado, vez que os Juizados Especiais existem como apêndice da jurisdição, geralmente confiados a um só funcionário e confinado em sala afastada aos Cartórios: Comete-se ao funcionário tais serviços e a recepção do pedido verbal, adequando-o para, em uma máquina de escrever antiga (refugo dos Cartórios), elaborar os termos.

         Tal ocorre nas Comarcas do interior pois às disponibilidades materiais e humanas (funcionários) são relegadas a plano secundário.

         Merece transcrição que “o respeito, a sensibilidade, a fraternidade e a humanidade dos Conciliadores, Juizes togados ou Juizes não-togados no trato das causas a si alcançadas, os colocam na condição de impulsionadores da materialização da função social dos Juizados Especiais”.[84]

         O Estado tem faltado ao compromisso de plenitude aos Juizados Especiais.

         No VII Encontro Nacional de Coordenadores de Juizados Especiais, a par da necessidade urgente de os Tribunais de Justiça dos Estados projetarem sobre a autonomia financeira dos Juizados Especiais, foram sugeridas medidas garantindo criação de fundo de aparelhamento e manutenção dos mesmos, outras como:

a)     criação de um órgão superior para administrar os Juizados Especiais;

b)    oferecimento de cursos, freqüentes, aos Juízes de Direito, Juízes Leigos e conciliadores para tratar temas pertinentes;

c)     Cursos preparatórios aos mesmos, Juízes de Direito, Juízes Leigos e conciliadores, antes de iniciarem funções junto aos Juizados.

Dentre as várias diretivas processuais e administrativas, reiteram a necessidade da realização de convênio entre os Tribunais de Justiça dos Estados e os órgãos que cuidam de interesses de micro-empresas (associação comercial, Clube de diretores lojistas, Sebrae) para formulação de parcerias a fim de os Juizados Especiais absorverem as ações propostas por micro-empresas, como efeito da Lei 9.841/99, regulamentada pelo Decreto 3474, de 19.05.2000.

         Ainda como mudança de atitude, projeta-se lei para a criação e instalação de Juizados Especiais de Família, com rito único, para as causas de menor complexidade e, mesma forma, a supressão da restrição de pessoas jurídicas de Direito Público e Empresas Públicas da União para figurarem no pólo passivo das ações propostas ante os Juizados Especiais. Esta democratização dos Juizados também sacode o ranço da Magistratura Brasileira acostumada a olhar “o mundo” como se fosse apenas aquele mundo dos autos, do papel, do processo. Ainda e mais, dizendo-se eqüidistante das partes, como se não fosse um ente social e político, pretende-se independente. Com isto, sacraliza as formalidades e insere-se como se fosse sua caverna, sua morda.

         Por tais razões apresenta-se estático e excessivamente conservador tomando-se avesso a qualquer via de mudança que possa extrapolar suas prerrogativas na pretendida “solução de conflitos” da sociedade.

         Por outro lado, necessário se torna melhorar a administração da Justiça através do aperfeiçoamento de técnicas de gestão, pesquisa e treinamento – essencialmente dos próprios servidores.

         Por último, com as novas técnicas de gestão chegaremos à formação de serviço auxiliar qualificado (com psicólogos, assistentes sociais e profissionais de áreas afins) o que propiciará maior probabilidade de resolução dos conflitos.

 

A) Causas Complexas

 

         Os Juizados Especiais Cíveis, em que pese sob sua competência a causa (art. 3º, Lei 9.099/95), enseja que causas cíveis de maior complexidade não estão sob seu crivo.

         A doutrina não tem manifestado, forma precisa,  sobre o que seja “complexidade” nos Juizados Especiais.

         A Jurisprudência  vem assentando como determinante a necessidade de prova pericial, esta sendo perícia formal com todos os requisitos do Código de Processo Civil ( art. 420/439).

         Outro indicativo da complexidade é aquele indicado quando, apesar de realizada perícia nos Juizados Especiais, “remanescem dúvidas sobre aspectos relevantes  do litígio”, como julgado no Recurso 01196858912, Relator Wilson Carlos Rodycz, 1ª Turma, em 12.06.96.[85]

         Ainda considera-se a causa complexa quando a matéria nela envolvida é argüida como tal e ocorra “possibilidade teórica” de tramitação por rito especial – o que encontramos no Recurso n.º 01196858797, Relator Túlio de Oliveira Martins, 2ª Turma, 13.06.96.[86]

         Ponderava-se, no caso, da cobrança de honorários por prestação de serviços de advocacia e consultoria.

         Da mesma forma uma revisão judicial por alegado vício de vontade e cobrança de taxas abusivas de juros é considerada “causa complexa” pela “complexidade da matéria e natureza da norma”.[87]

         Encontramos, caracterizando a causa como “complexa para a instrução” e como tal determinante da extinção do processo o litígio sobre incidência de juros ilegais. Entendeu a Turma a necessidade de perícia formal.[88]

         Aqui o simples cálculo do contador já ensejaria o conhecimento mas, sob o teto da “complexidade”, o Juizado junta-se ao julgamento.

         Os julgadores, à vista de tal circunstância ocorrer com freqüência manifestam que “as limitações do sistema devem ser entendidas em benefício do Direito e da Justiça como valores maiores, não podendo servir de arrimo a quem postula por provas técnicas inviáveis nos Juizados Especiais, procrastinando o feito. A extinção sugerida é remédio a ser usado com moderação, no interesse de ambas as partes e na impossibilidade de alcançar-se a verdade por outros caminhos.”[89]

         E isto porque a índole procedimental, nos Juizados Especiais, permite ao juiz um “ativismo judicial/processual” na busca das provas da verossimilhança daquilo que cada parte alega.

         “E, neste mister, inúmeras vezes, sem perder a sua imparcialidade, sem deixar de se manter eqüidistante – como  se lhe exige o fundamento do monopólio jurisdicional nas mãos do judiciário – , o  magistrado supre as carências probatórias a pretexto de julgar segundo a maior coincidência possível entre o que se passou na vida dos fenômenos e na vida do processo.”[90]

         Retornando à principal característica do que sejam “causas complexas” nos Juizados Especiais – a necessidade de prova pericial vamos encontrar que, esta “só terá lugar quando o fato probando exigir conhecimentos especiais de natureza técnica e científica”, no ensinar de Ovídio A. Baptista da Silva.[91]

         O rito de celeridade imposto  aos Juizados Especiais não deve servir de esteio para afastar, sob a alegação de “causa complexa”, aquelas de mais difícil elucidação pelos meios instrutórios postos à disposição do Juiz. Dentre estes, a inspeção própria ou por pessoa de sua confiança é da maior relevância.

         Além, é de importância a disposição posta às partes que poderão apresentar parecer técnico (art.35, Lei 9.099/95).

         Não bastasse, ao Juiz facultado inquirir técnicos de sua confiança.

         Note-se, assim, que a Lei dos Juizados abre um leque de opções plausíveis a evitar a “perícia formal”, assentando elementos suficientes para manter a celeridade que agora vai aliada à oralidade, informalidade e economia processual.

         Entretanto, não poucas vezes o instrutor do processo proclama  a complexidade para declarar a extinção do processo. E, nunca demais, sequer aponta, em detalhes, onde reside a complexidade.

  

 

B) O Valor da Causa

 

         O Código de Processo Civil em seu capítulo VI, seção II disciplina o valor que a toda causa deve ser atribuído, ainda que não tenha conteúdo econômico imediato e que deverá constar, sempre, na petição inicial (arts.258-261). Exemplo: “Em observância ao art. 2º, da Lei n.º 9.099/95, o valor da causa corresponderá à pretensão econômica objeto do pedido.” Enunciado 39.

         Este valor implica o princípio da obrigatoriedade (art.258, CPC) que condiz com a fixação já na inicial, requisito indispensável e que por sua vez caracteriza o princípio da originalidade (art.259, caput, CPC).

         No Juizado Especial Cível o valor da causa implica na fixação da competência e traduz submissão do autor ao rito e a obtenção do benefício até o limite estipulado pela lei especial. Isto importa afirmar que a opção pelo procedimento acarretará renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido no art. 3º, inc. I, da Lei  n.º 9.099/95.

         Desde que, neste procedimento, a opção é do autor, a ele também acresce a responsabilidade por quanto poderá deixar de receber.

         No nosso entender o procedimento não pode ficar à livre escolha da parte diante da efetividade do processo ainda mais frente a advertência contida no art.21 da Lei dos Juizados.

         Ainda com respeito ao valor é de relevar-se o contido no art. 9º da lei específica quando facultado às partes a solução, sem interveniência de terceiro, de toda a lide, desde que a causa atinja até  o limite do valor correspondente a 20 salários mínimos.

         No que diz respeito às demandas situadas entre este patamar e valor não excedente a 40 vezes o salário mínimo, a assistência por advogado é obrigatória. Exemplo: “Nas causas de valor superior a vinte salários mínimos, a ausência de contestação escrita ou oral, ainda que presente o réu, implica em revelia.” Enunciado 11.

         Esta Justiça criada para o povo, com solução de controvérsias preferencialmente via de conciliação, mostra desde logo que a disposição não é para a solução  solitária das partes desde que invoca assistência obrigatória de terceiro nas causas citadas. Entendemos que esta situação não seja a melhor para a solução dos litígios pois inibe a parte, há intromissão de interesse de terceiro, desvirtua a conciliação que deve ser encontrada pelos litigantes e não por seus representantes. Isto afirmamos com respeito  as lides envolvendo pessoas físicas, ainda mais que somente elas são capazes e admitidas a propor ação perante o Juizado Especial.

         Por outra parte, naquelas causas de até 20 salários mínimos onde a assistência por advogado é facultativa, se uma das partes com ele comparecer ou se o réu for pessoa jurídica ou firma individual terá a outra direito à assistência judiciária prestada pelo órgão junto ao Juizado Especial.

         De ressaltar que esta situação, mais comum do que se imagina, invoca  a interveniência do Estado na prestação quando se sabe que o Poder Executivo,  por tal responsável tem negado criação de cargos ou preenchimento dos mesmos, no que diz com a Assistência Judiciária, sob as mais diversas alegações, das quais a primeira é pelo motivo econômico de “falta de verbas”, em que pese ser direito fundamental do cidadão consagrado pela Constituição.

         Esta limitação dos Juizados não se vê afastada pela norma instituída pelo art. 57 quando o acordo extrajudicial de qualquer natureza ou valor pode ser homologado, no Juízo competente, independentemente de termo, valendo a sentença como título executivo.

         Já no que concerne à sentença condenatória, a Lei dos Juizados Especiais é draconiana ao conceber ineficácia à sentença – na parte que exceder a alçada estabelecida na lei.

         Reiteramos que o inciso I do art. 3º da Lei n.º 9.099/95 enseja a delimitação dos demais incisos, como posto no inc. IV, ao limite do valor para a fixação da competências dos Juizados Especiais, o que também se compreende do §1º, II, do mesmo artigo.

         Em decorrência do art. 57 da mesma lei a exceção contida no §3º do   art. 3º vez que a opção pelo procedimento da Lei dos Juizados importa renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido, exceto a hipótese de conciliação.

         Além da necessidade do terceiro interveniente a lei delimitou, em demasia, a promoção daquelas causas do art. 275, inc. II do CPC, que poderiam vir ao conhecimento do Juizado desafogando o Judiciário comum.

         Da mesma forma aquelas ações de despejo para uso próprio onde o autor tem necessidade premente e, sobremodo as ações possessórias de bens imóveis, uma das mais solicitadas nos pretórios e responsável pelo esgarçamento da jurisdição comum e medidas urgentes, audiências, litígio constante.

 

 

  C) A opção do autor

 

         Perante o Juizado Especial Cível  autor é a pessoa  física capaz (incluindo-se o comerciante em nome individual, mesmo constituído em microempresa) e, em contrapartida, entende-se como ré outra pessoa física capaz ou pessoa jurídica de direito privado, mesmo o espólio (Lei n.º 9.099, art. 8º e §1º).

         Entende Athos Gusmão Carneiro que embora respeitáveis argumentos em contrário, permanece o critério do demandante optar entre o acesso ao “sistema” da Lei n.º 9.099/95 e o ajuizamento da causa perante a Justiça Comum[92]. Mais além enfatiza Nelson Nery Jr. que:

 

“...seria ofensivo ao princípio constitucional do direito de ação, bem como ao da ampla defesa (CF, art.5º, incs. XXXV e LV), impedir-se o autor de postular perante o juízo comum, com direito à ampla defesa, situação que não lhe é assegurada pelo procedimento expedito, sumaríssimo, restrito, incompleto, oral e informal dos Juizados especiais.”[93]

 

         A competência de juízo, matéria de ordem pública por excelência, não é relativa mas absoluta.

         Ao juiz é facultado, desde que fundamentadamente, pela natureza da demanda ou pela necessidade de prova técnica de maior complexidade, determinar “a conversão do procedimento sumário em ordinário” (art.277, §§4º e 5º do CPC).

         Por aplicação analógica tal possibilidade também cabe no Juizado Especial.

         Entretanto, neste, onde devem as causas civeis de menor complexidade residirem, vêm os intérpretes e a jurisprudência entendendo sujeito à opção ou escolha do autor.

         A segurança  do cidadão, em optando pelos JECiv, é quase inexistente pois sua sensação é de que este juízo é algo precário, “quebra-galho”, com a simples vantagem, talvez, da celeridade.

         Isto se deve, muito mais, pela falta de iniciativa do Poder Público e do Judiciário não terem criado estruturas necessárias, e que serviriam ao amplo acesso constitucional.

         Nesta situação, a precariedade funcional alia-se à  incerteza posta na mente do autor, em especial quando de sua necessária e diligente informação (também relegada a um servidor público). Tudo conspira para a descrença e descrédito.

         Entretanto, necessário se faz reiterar sobre o tema.

         Entendemos a competência como absoluta e isto face o contido no art. 98, I  da CF, quando a criação dos JEC´s e competência a eles cometida.

         Por sua vez a Lei n.º 9.099/95, em seu art. 3º definiu as causas consideradas  de menor complexidade afirmando que para estes tem competência o Juizado Especial Cível.

         O art. 3º estabelece casos de competência “ratione materiae” como se sabe, é absoluta. Daí decorre que o autor não pode, em regra, escolher entre o juízo comum e o especial, ao contrário do que acontecia no regime da Lei n.º 7.244/84, que expressamente considerava opcional, em todos os casos, o Juizado Especial de Pequenas Causas (art. 1º dessa lei). Há, porém, uma única exceção: se o seu crédito for superior a quarenta salários mínimos; o autor pode  optar pelo Juizado Especial, com o que terá renunciado ao excedente, salvo na hipótese de conciliação.[94]

 

         A seguir reitera:

 

“Não fica ao arbítrio do autor escolher o procedimento especial (salvo o disposto no art. 3º, §3º, quando não admitido pela Lei dos Juizados Especiais). E, como se trata de incompetência absoluta, deve ser reconhecida de ofício, a qualquer tempo.”[95]

 

         Pretender que a possível opção estaria no âmago da intenção do Constituinte em propiciar mais amplo acesso à Justiça esbarra em três óbices apontados por Dirceu Aguiar Cintra Júnior:

 

“...a tal argumento três outros devem ser contrapostos: (1)aquela assertiva traz um preconceito contra a composição da lide no Juizado, como se não pudesse ela ser tão boa e válida quanto a outra, feita no juízo comum; (2) a mesma amplitude de acesso ao Judiciário teria de ser assegurada, então, ao réu, em face do princípio da isonomia; (3)o menor ou maior acesso ao Judiciário não se dá pelo número de vias mas pela segurança e rapidez com que se compõem as lides, o que é perfeitamente possível num Juizado bem estruturado, que cone com juiz certo, funcionários qualificados e auxiliares da justiça prontos a exercer seu papel.”[96]

  

         Da mesma forma, a opção alargou, quiçá em demasia, o alcance da competência.

         A competência restringe-se ao juízo do local do fato ou do domicílio do autor (art. 100, inc. V, letra “a”, parágrafo único do CPC); já o art. 4º, inc. III, do CDC alargava-o incluindo o local do fato ou do ato. Com a edição da Lei dos Juizados, incluindo-se a opção do autor (art. 4º, inc.I).

         A faculdade posta à disposição do autor não alcança ao requerido: seu pedido contraposto (art.17, parágrafo único, Lei n.º 9.099/95) não desloca a competência posta com a inicial.

         No entanto, aquela faculdade colocada a critério do autor também encontra parâmetros para seu uso.

         Assim: a competência desloca-se, a critério do autor, desde que (art.4º, I, Lei n.º 9.099/95):

 

a) promovida ação no local onde o réu exerça atividades profissionais ou econômicos ou;

 

b) onde mantenha, o réu, estabelecimento, filial, agência, sucursal ou escritório.

 

         A adoção da tese da competência absoluta dos JEC´s vem sendo reconhecida  pelos doutrinadores e pelos tribunais ainda mais que a competência e os procedimentos são da ordem de matéria pública, além de direito indisponível, imodificável pela parte. As sessões cíveis do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em conclusão n.º 07 firmaram que:

 

“A competência definida no art. 3º da Lei 9.099/95, objetiva ou de juízo, por envolver matéria, valor ou condição da pessoa, é absoluta e, desse modo, improrrogável e imodificável pela vontade das partes, sendo, portanto, obrigatória a jurisdição para as causas nela versadas, não sendo facultada a opção ao autor, ressalvada a hipótese do parágrafo 3º daquele artigo.”[97]

 

         Igual entendimento manifestaram os Desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por maioria de votos, ao formalizarem o Enunciado n.º 01 de Jurisprudência: “Ressalvada a hipótese do §3º da Lei 9.099/95, é absoluta a competência dos Juizados Especiais Cíveis.”[98]

         A tese orientou a Comissão de Reforma da Legislação Processual Civil, integrada pelos Ministros Athos Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo, a proporem  a inclusão no caput  do art. 3º da Lei 9.099/95 de caber a competência dos JEC´s  “por opção do autor” face a séria divergência nos trabalhos da comissão de interpretação da Lei 9.099/95, coordenada pela Escola Nacional da Magistratura.[99]

 

D) A inversão do ônus da prova e pedidos contrapostos

 

         Nos Juizados Especiais Cíveis número elevado de litígios concentram-se em torno das normas do Código de Defesa do Consumidor.

         O Código de Processo Civil disciplina, nos incisos I e II do art.333 a distribuição da prova que incumbe ao autor quanto aos fatos constitutivos do seu direito e, ao réu, dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.

         Quanto ao consumidor sua defesa centra-se  no art.170, V da Constituição Federal, art. 5º, XXXII e art. 48, este do ADCT.

         A tanto chegou o legislador porque a formação de monopólios e oligopólios, buscando máximo lucro,  contribuíram para o quase desaparecimento do direito do consumidor.

         Princípio da Política Nacional das relações de Consumo é o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo e a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo com uma eficaz ação governamental  no sentido de proteger, de forma efetiva, ao consumidor (art.4º da Lei 8.078/90 – CDC).

         Esta discriminação positiva do consumidor laborou a regra da inversão do ônus da prova preconizada pelo inciso VIII do art. 6º do CDC, substanciando a vulnerabilidade daquele no conceito de mercado de consumo.

         As normas de inversão do ônus da prova, quando ao réu cabe desconstituir as alegações do autor, antes do CDC, já eram conhecidas face a responsabilidade objetiva que o próprio Código Civil delimitava (arts.1.528, 1.529). Agora, o CDC vem  reiterar a responsabilidade objetiva quando determina que “respondem independentemente de existência de culpa”, o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador, em face do consumidor (art.12, CDC). No mesmo artigo, §3º, o CDC apresenta as causas excludentes  que por sua vez se constituem numerus clausus.

         Nos casos presentes  e também naquele do art. 14 do CDC a atribuição do encargo da prova já vem contemplado na lei e a responsabilidade objetiva do fornecedor acarreta-lhe a comprovação da sua excludente.

         No mesmo diapasão a informação publicitária ou propaganda enganosa ou abusiva contemplada no art. 38 do CDC.

         Estas situações estão contempladas na lei e a prova compete à parte passiva ou requerida, desde que ao requerente autor reconhecida a hipossuficiência que encerra não apenas a diminuição da capacidade econômica do consumidor mas  o próprio acesso à informação, educação, associação e posição social.

         Nos Juizados Especiais a jurisdição se presta por um procedimento mais célere e  o julgador faz-se presente e acentua seu poder assistencial pela oralidade e imediatidade do feito e ainda mais pela fragilidade técnica do litigante. Este poder assistencial concede-lhe mais amplos poderes na busca da verdade real e sobremodo responsabilidade na perquirição da verdade dos fatos.

         Esta inversão do ônus não encerra um dever para a parte mas se trata de interesse da mesma e o julgador faculta-lhe a prova com o que viabiliza a ampla defesa. Exemplo: “Deverá constar da citação a advertência, em termos claros, da possibilidade de inversão do ônus da prova.” Enunciado n.º 53.

         A inversão constitui questão processual e não pedido; pode a parte requerer que o julgador examine os pressupostos da inversão se isto se fizer necessário por ocasião da sentença. Diante de tais circunstâncias devem os conciliadores alertar as partes da possibilidade da inversão do ônus da prova por ocasião da audiência, que é única, com isto evitando prejuízo à ampla defesa.

         O Forum permanente dos Coordenadores dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil recomenda, no Enunciado 31, a admissibilidade de pedido contraposto no caso de ser a parte ré pessoa jurídica.

         A demanda contraposta traduz-se quando, “desde os atos  iniciais do processo, dois sujeitos figuram ao mesmo tempo, reciprocamente, como autores e réus”.[100]

         Nestes casos os litigantes são considerados autores e réus e desaparece a iniciativa processual pois ambos exercem ação.

         A causa remota de pedir na demanda contraposta “serão os mesmos fatos descritos na petição inicial e amplia o objeto do processo sobre o qual incidirá a eficácia e autoridade da coisa julgada material.”[101]

         Conforme o parágrafo único do art. 17 da Lei 9.099/95 o Juiz  poderá dispensar a apresentação formal da contestação mas deverá examinar ambos os pedidos decidindo-os na mesma sentença sob pena de cisão do julgamento do mérito. O pedido contraposto, ainda que autônomo, deve obedecer ao limite do valor da causa, na forma da mesma lei.

         O pedido contraposto é espécie de reconvenção e torna a pessoa jurídica autora, em que pese o disposto no §1º do art. 8º da Lei n.º 9.099/95 que reconhece parte capaz admitida a propor ação perante o Juizado Especial somente as pessoas físicas. Trata-se da aplicação integral do princípio da isonomia previsto no inciso I, do art. 125 do CPC que admite o pedido contraposto, formulado por pessoa jurídica, desde que fundado nos mesmos fatos que constituem objeto da controvérsia e submetidos aos limites do art. 3º da Lei n.º 9.099/95.

         Ademais trata-se de garantir o acesso à Justiça, desde que presentes aqueles fundamentos, à pessoa jurídica que vier a ocupar o pólo passivo e garantindo-se-lhe o oferecimento do pedido contraposto.

         O Enunciado n.º 31 do Forum Permanente dos Coordenadores dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil reconhece que “é admissível pedido contraposto no caso de ser a parte ré pessoa jurídica”.

         Sendo a pessoa jurídica executada assiste-lhe o oferecimento de embargos que  não se constituem de uma simples resistência passiva mas conferem ao embargante uma posição ativa ou de ataque exercida contra o credor e a busca de uma sentença desconstitutiva do título ou extintiva do feito. Negar à pessoa jurídica demandada em sede de juizado especial a oportunidade do oferecimento do contra-pedido importaria remetê-la ao juízo comum originando-se duas ações, em juízos diversos, embora conexas e com possibilidades de decisões conflitantes.

         O pedido contraposto é verdadeira reconvenção do procedimento comum e o autor do pedido deve observar os dispositivos do Código de Processo Civil, especialmente a identidade de forma procedimental e as condições específicas de admissibilidade. Entretanto, como acima referimos, a presumível restrição à pessoa jurídica deve ser suplantada pela interpretação e especialmente pelos pressupostos do próprio Juizado Especial.

         Por todos estes motivos viabiliza-se a presença da pessoa jurídica no pólo ativo da relação processual na formulação do pedido contraposto.

         Por outro viés a  2ª Turma Recursal Cível de Porto Alegre, em 16.09.97, no Recurso n.º 01597532702 já determinou que “a compensação somente cabe quando autor e réu são credores e devedores entre si, ao mesmo tempo”.[102]

         Este precedente invoca situação jurídica independente do pedido contraposto desde que trata-se de defesa  pelo mesmo motivo trazido pelo autor.

         Convém ressaltar que a jurisprudência recomendada pelo Forum Permanente dos Coordenadores dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil tem presente hipótese de pedido contraposto até superior àquele da inicial do qual se extrai:  “Na hipótese de pedido de valor até 20 salários mínimos, é admitido  pedido contraposto no valor superior ao inicial, até o limite de 40 salários mínimos, sendo obrigatório a assistência de advogado às partes”. Enunciado n.º 27.

        

E) Execução e inexeqüibilidade

 

         A Lei n.º 7.244/84, que regulava o funcionamento dos Juizados de Pequenas Causas, estabelecia que a execução seria no Juízo Cível competente.

         A partir da Lei n.º 8.640/93 a execução dos julgados (só títulos judiciais) poderia ser feita no Juizado de Pequenas Causas, aplicando-se  as normas do Código de Processo Civil.

         Os Juizados Especiais contemplam a execução dos próprios julgados e de títulos extrajudiciais (com valor de até 40 salários mínimos).

         Não há execução coletiva e tampouco ação monitória nos Juizados.

         Norma constitucional admite a criação de Juízo único e exclusivo das execuções nos Juizados Especiais (art. 24, parágrafo 2º da CF).

         As sentenças no Juizado são sempre líquidas e os cálculos, no que se referem a juros e correção, são mera atualização e não representam liquidação. Das decisões aqui exaradas não cabe qualquer recurso.

         Nas execuções perante o Juizado Especial não cabe fixação de honorários exceto quando houver improcedência dos embargos ou constatar-se dolo processual.

         A execução de sentença do Juizado inicia-se por simples solicitação do interessado, mesmo que verbalmente e dispensa-se a citação inicial ao executado. Esta é a primeira inovação condizente  com os princípios de celeridade.

         A execução de sentença do Juizado inicia-se por simples solicitação do interessado, mesmo que verbalmente e dispensa-se a citação inicial ao executado. Esta é a primeira inovação condizente com os princípios de celeridade.

         A Segunda refere-se à deformalização do  procedimento  da alienação de bens penhorados, onde o Juiz pode autorizar o devedor, o credor ou terceira pessoa idônea a tratar da venda dos mesmos.

         A busca incessante pela paz social, via a conciliação e a transação, refletem-se na terceira e importante inovação da execução qual seja a audiência de conciliação após a realização da penhora. Tem ela destinação de solucionar a demanda.

         Configurada a litigância de má-fé, quando julgados improcedentes os embargos do devedor ou quando a execução se fundar em sentença da qual o devedor haja interposto recurso, sem obter o provimento – cabe a incidência de custas sobre o valor da execução, quer quanto qualquer das partes (litigância dolosa) ou apenas quanto ao devedor (demais hipóteses).

         Buscando modo de solução, o juiz Artur Arnildo Ludwig tem manifestado, com insistência, que  “pode-se estabelecer uma cláusula penal não superior a 10%; (e) nas obrigações de fazer, não fazer e de entregar, é também  aconselhável a estipulação de uma multa diária, fixada de acordo com a situação econômica das partes” no que respeita ao termo de acordo.[103]

         Entendemos que efetuado o acordo, o conciliador obtenha do devedor, já na formalização do documento, a indicação precisa de  bem compatível com o valor da obrigação, sobre o qual incidirá a execução acaso não satisfeito o compromisso.

         Deve-se criar, entre as partes, um comprometimento  moral e obrigacional com vistas à mais rápida  e menos onerosa satisfação do acordo.

         Esta iniciativa, não vedada e simples, proporcionará bons frutos no que diz respeito à satisfação das partes, em especial o credor, que já obtém, de forma espontânea, início e cumprimento à obrigação.

A PUBLICAÇÃO DESTE TRABALHO VAI TERMINAR NO NÚMERO SEGUINTE
 

[65] Jornal Folha de São Paulo, Edição 26.396 de 02.07.2001, p. A-12.

[66] MÜLLER,  Friedrich. Quem é o Povo? São Paulo: Max Limonad, 1998.p.99.

[67] Vide anexo 1.

[68] “Nos Estados Unidos, em 1934, surgiu o Poor Man’s Court, implantado em Nova Iorque, com a finalidade de julgar causas de reduzido valor econômico de até 50 dólares. Entretanto, antes disso, entre 1912-1916, nos Estados de Kansas, Ohio e Illinois, para as áreas urbanas já havia algo semelhante.

Com o tempo houve a ampliação do conceito de pequenas causas (small claims) e hoje o Tribunal é designado Common Man’s Court, com jurisdição até mil dólares. Tal corte, conhecida pelo nome de Small Claim Court, é uma subdivisão da Corte Civil, cuja competência não exclui a da Corte Ordinária, tendo jurisdição restrita a qualquer matéria civil, desde que possa haver transação e condenação em dinheiro. Destacam-se os institutos da conciliação e da arbitragem.

Na Inglaterra, em 1846, foram criadas as Country Courts (Tribunais de Condado, municipais), substituindo as Cortes locais, objetivando uma justiça rápida e barata, dispensando as partes de fazerem longas viagens. Atualmente existem, no País de Gales e na Inglaterra, mais de 400 Tribunais dessa natureza, a cargo de juizes itinerantes.” (BIRKS, Miguel Prado (Paulo Boeckel Velloso, tradutor) As pequenas causas nos tribunais locais (Londres). Edição da Diretoria da Revista de Jurisprudência e Outros Impressos do TJRGS. Porto Alegre, 1983. 

[69] Juizado das pequenas causas – estudos e projetos. Ajuris, n.26, p. 8-13. nov. 1982.

[70] REIS, Apody dos. O processo das pequenas causas – História da primeira experiência. Ajuris, n.26, p. 26-35. nov. 1982.

[71] LACERDA, Galeano. Juizados de pequenas causas. Ajuris. n.27, p.7, mar. 1983.

[72] SALOMÃO, Luís Felipe. Sistema Nacional de Juizados Especiais. In  Rev. Cidadania e Justiça – AMB – N.7.2º sem/99, p.141.

[73] FELKER, Reginald D. H., O documento técnico 319 do Banco Mundial. in  Síntese Jornal, ano 4, n.50, p.6.

[74] REIS, Apody dos. O processo das pequenas causas – História da primeira experiência. Ajuris, n.26, p.26-35, nov. 1982.

[75] Idem, idem, p.35.

[76] VIANNA,  Luiz Werneck. Et all.... – A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p.169.

[77]CAPPELLETTI, Mauro, GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. P.Alegre: Sérgio Fabris, 1988,  p.95-99.

[78] LETTERIELLO, Rêmolo.Considerações sobre os Juizados Especiais de Pequenas Causas, in Rev. Juizado Esp. Peq. Causas – Doutr. E Jurisp., 2, ago/91, TJRS, p. 11/12.

[79] SALVADOR, Antonio Raphael Silva. O Juizado de Pequenas Causas, in RT, n.º 660, p. 252.

[80] SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direitos Processual Civil, São Paulo: Saraiva, 1990, 14ª ed., 1º vol., p. 248.

[81] CARDOSO, Antonio Pessoa. Burocracia nos Juizados Especiais – Revista dos JE, nº 26/27, p.21/24 – TJRGS, Dez/99.

[82] RIBAS FILHO, Tiago. Juizados Especiais e democracia. in Cidadania e Justiça. Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros. Rio de janeiro, n.5, 2º sem, p.129, 1998.

[83] WATANABE, Kazuo. Finalidade maior aos Juizados especiais cíveis. In Cidadania e Justiça. Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros. Rio de janeiro, n.7, 2º sem. p.35, 1999.

[84] SOUZA, Francis Bragança de. Função social dos Juizados Especiais. In Revista dos Juizados Especiais. Porto Alegre, n.24, p.44, 1998.

[85] In Revista Juizados Especiais, v.17, p.73. Tribunal de Justiça do RGS.

[86] Idem. p.74.

[87] Idem. p.74. Recurso n.º 01196867715, Rel. Túlio de Oliveira Martins, 2ª turma, 06.08.96.

[88] Idem. p.75. Recurso n.º 011968555041, Rel. Wilson C. Rodycz, 1ª turma, 10.05.96.

[89] Rec. n.º 1.255. Rel.Túlio O. Martins, 2ª Turma, 23.04.96. Revista dos Juizados Especiais TJRS, n.º 16, Abril 1996, p.36.

[90] FUX, Luiz. Juizados Especiais – Um sonho de Justiça. in  Revista de Processo. n. º 90/156. São Paulo: RT, 1998.

[91] SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Direito Processual Civil. v.1. 1ª ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1987.p.321.

[92] CARNEIRO,  Athos Gusmão. Questões relevantes do novo procedimento sumário...Juizados Especiais Cíveis – in Revista de Processo, RT, São Paulo, 1986, p.12.

[93] NERY JR., Nelson. Atualidades sobre o Processo Civil. São Paulo: Ed. RT, 2 ed., 1996, p.80-81.

[94] NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. São Paulo: Saraiva, 27ª ed., p.990.

[95] Idem ibidem.

[96] CINTRA JR., Dyrceu Aguiar Dias. In A morte do Juizado Especial Cível. Jornal da Associação dos Juizes para a Democracia, ano 5, n.º 18, p.9.

[97] DIÁRIO DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA,  n.º 9435 de 11.06.96.

[98] DJE do Rio de Janeiro, 18.12.95.

[99] REVISTA DOS JUIZADOS ESPECIAIS - TJRGS, v.15, p.21.

[100] DINAMARCO,  Cândido Rangel. Tutela Jurisdicional. in Revista de Processo. São Paulo: RT, n.º 81, jan/mar 96, p. 75.

[101] LUCON,  Paulo Henrique dos Santos. Juizados Especiais Cíveis: Aspectos Polêmicos. in Revista de Processo. São Paulo: RT, n.º 90, abr/jun 98, p. 177.

[102] Revista do Juizados Especiais – Tribunal de Justiça do RGS. nº 21, p. 32. Dez/97.

[103] LUDWIG, Artur Arnildo. Recomendações aos Conciliadores. Revista dos Juizados Especiais/RS – n. 28/29. p.10.