SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

DA PESSOA HUMANA

  

 

por Uyára Schiefer

 

 

 

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A vida como valor supremo do ser humano. 3. Dignidade da pessoa humana. 4. O valor da pessoa humana e o reconhecimento dos direitos humanos. 5. As gerações nos Direitos Fundamentais. 6 Conclusão. 7. Palavras-chaves. 8. Referências Bibliográficas.

 

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

 

O tema Direitos Humanos tem sido, na atualidade, objeto de inúmeros debates. Muito embora, há vários séculos, os homens tenham consciência de que a pessoa humana tem direitos fundamentais, cujo respeito é indispensável para a sobrevivência do indivíduo em condições dignas e compatíveis com sua natureza.

Esses direitos fundamentais nascem com o indivíduo e, por isso, não podem ser considerados como uma concessão do Estado. É por essa razão que, no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU-1948), não se diz que tais direitos são outorgados ou mesmo reconhecidos, preferindo-se dizer que eles são proclamados, numa clara afirmação de que eles pré existem a todas as instituições políticas e sociais, não podendo, assim, ser retirados ou restringidos por essas instituições. Essa Proclamação dos Direitos Fundamentais da Pessoa Humana torna claro que as instituições governamentais devem proteger tais direitos contra qualquer ofensa.

Cada pessoa, portanto, deve ter a possibilidade de exigir que a sociedade e todas as demais pessoas respeitem sua dignidade e garantam os meios de atendimento das suas necessidades básicas.

Quais seriam estes Direitos Fundamentais, esses Direitos Humanos? A evolução histórica e a experiência jurídica é que ditam o conteúdo desses direitos nos aspectos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, etc.

Os direitos humanos assumem uma posição bidimensional ao constituírem, por um lado, um ideal a atingir: o ideal da conciliação entre os direitos do indivíduo e os da sociedade; e, por outro lado, por assegurarem um  campo legítimo para o embate democrático em oposição ao totalitarismo, negação de qualquer direito.

No entender do ilustre Professor J.J.Gomes Canotilho, as expressões “direitos do homem” e “direitos fundamentais” são freqüentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado, poder-se-iam distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista) e direitos fundamentais, que são os direitos do homem jurídico-institucionalizadamente garantidos. Os direitos do homem adviriam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes em uma ordem jurídica concreta.

Os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva:

§         Constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência para os poderes públicos, proibindo, fundamentalmente, as ingerências destes na esfera jurídico-individual;

§         Implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)[1].

Portanto, o estudo dos direitos do homem leva a fixar as circunstâncias concretas e históricas de seu difícil reconhecimento e sua polêmica inserção no cotidiano dos indivíduos e dos povos.

Para estudo e análise do tema ora proposto, a posição dos ilustres autores Norberto Bobbio, Cançado Trindade, Celso Lafer e os constitucionalistas Gomes Canotilho e Paulo Bonavides constituem o marco teórico desta dissertação.

O ponto central da questão dos direitos humanos, sobretudo no âmbito do terceiro mundo, concentra-se na efetividade dos mecanismos internos e internacionais de implantação desses direitos e no papel dos Estados e das Organizações não Governamentais (ONG’s).

No relatório da ONU-1993 sobre o Desenvolvimento Humano recomenda-se que as pessoas sejam o sujeito de toda a produção tecnológica, econômica e política. Já Aristóteles ensinava que “a política rege todas as artes e ciências porque ela detém a visão global daquilo que convém produzir para o bem de todos os cidadãos”. Coincide, de certa maneira, a posição do grande filósofo, com as medidas sugeridas pela ONU, abaixo mencionadas:

§         Reorientação dos mercados que sirvam às pessoas e não pessoas aos mercados;

§         Desenvolvimento e investimento em novos modelos de desenvolvimento centrados na pessoa humana e sustentáveis ecologicamente;

§         Enfoque na cooperação internacional nas necessidades humanas e não nas prioridades dos Estados;

§         Desenvolvimento de novos padrões de administração global e nacional, com maior descentralização e possibilitando maior autoridade aos governos locais.

Os Direitos Humanos têm um lugar considerável na consciência política e jurídica contemporânea. Implicam, com efeito, um estado de direito e o respeito das liberdades fundamentais sobre as quais repousa toda democracia.


 

2. A VIDA COMO VALOR SUPREMO DO SER HUMANO

 

 

“Não está em saber quais, quantos são esses direitos, qual a sua natureza e o seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos; mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados”.[2]

 

O direito humano à vida compreende um “princípio substantivo” em virtude do qual todo ser humano tem como direito inalienável a que sua vida seja respeitada; e um “princípio processual”, segundo o qual nenhum ser humano haverá de ser privado arbitrariamente de sua vida.

O direito à vida é básico ou fundamental porque “o gozo do direito à vida é uma condição necessária do gozo de todos os demais direitos humanos”[3].

Tomado em sua dimensão ampla e própria, o direito fundamental à vida compreende o direito de todo ser humano de não ser privado de sua vida e o direito de todo ser humano de dispor dos meios apropriados de subsistência e de um padrão de vida decente (preservação da vida, direito de viver). Como bem assinalado por F.Przetacznik, “o primeiro pertence à área dos direitos civis e políticos; o segundo, à dos direitos econômicos, sociais e culturais”.

Em suma, o direito fundamental à vida pertence, a um tempo, ao domínio dos direitos civis e políticos e, em outro, ao dos direitos econômicos, sociais e culturais.

Ilustram assim, a indivisibilidade de todos os direitos humanos.

A atual doutrina internacional dos direitos humanos efetivamente se inclina no sentido de aproximar o direito à vida em sua ampla dimensão do direito de viver.

 

3. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

 

Como princípio da “dignidade humana” entende-se a exigência enunciada por Kant como segunda fórmula do imperativo categórico: “Age de forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre também como um fim e nunca unicamente como um meio”.

Esse imperativo estabelece, na verdade, que todo homem, aliás, todo ser racional, como fim em si mesmo, possui um valor não relativo, mas intrínseco, isto é, a dignidade. Substancialmente, a dignidade de um ser racional consiste no fato de que ele “não obedece a nenhuma lei que não seja também instituída por ele mesmo”. A moralidade, como condição dessa autonomia legislativa, é, portanto, a condição da dignidade do homem; e moralidade e humanidade são as únicas coisas que não têm preço.[4]

A filosofia Kantiana mostra que o homem, como ser racional, existe como fim em si e não simplesmente como meio. Os seres racionais estão submetidos à lei segundo a qual cada um deles jamais se trate a si mesmo ou aos outros simplesmente como meio, mas sempre e simultaneamente como fins em si.

Isso, em suma, quer dizer que só o ser humano, o ser racional, é pessoa.

Todo ser humano, sem distinção, é pessoa, ou seja, um ser espiritual, que é, ao mesmo tempo, fonte e imputação de todos os valores.

A dignidade é atributo intrínseco da essência da pessoa humana, único ser que compreende um valor interno, superior a qualquer preço, que não admite substituição equivalente.

A dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana.

A Constituição, reconhecendo a sua existência e a sua eminência, transformou-a num valor supremo da ordem jurídica quando a declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito. Convém ressaltar que não se trata de um princípio constitucional fundamental. Esclarece o eminente Professor Afonso da Silva que, a partir da promulgação da Constituição de 1988, a doutrina passou a tentar enquadrar tudo nesse conceito, sem atentar que ele é um conceito que se refere apenas à estruturação do ordenamento jurídico.

 

4. O VALOR DA PESSOA HUMANA E O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS

 

O valor da pessoa, enquanto conquista histórico-axiológica, encontra a sua expressão jurídica nos direitos fundamentais do homem. É por essa razão que a análise da ruptura – o hiato entre o passado e o futuro, produzido pelo esfacelamento dos padrões da tradição ocidental – passa por uma análise da crise dos direitos humanos, que permitiu o “estado de natureza”, e não é um fenômeno externo, mas interno à nossa civilização, geradora de selvageria, que tornou homens sem lugar no mundo.

Afirma Miguel Reale que, se o homem, em dado momento de sua história, adquire consciência de seu próprio valor como pessoa, é sinal que nele havia a priori a condição de possibilidade da aquisição desse valor, o qual, uma vez adquirido, se apresenta como uma invariante axiológica. É a luz desse entendimento, que corresponde a um “historicismo axiológico”, que apresenta a pessoa como valor-fonte do Direito.

Chama a atenção ainda o fato de que o conceito histórico-axiológico de pessoa não resulta de uma fusão entre o ser e o dever ser – consoante ocorre na teoria hegeliana[5] - mas sim de sua correlação ou complementaridade – de tal modo que o que é põe o que deve ser e vice-versa, mantendo-se, porém, distintos, numa dialética essencial de polaridade. É a razão pela qual não deve prevalecer nem o aspecto subjetivo ou individual, nem o aspecto objetivo ou social do homem, na idéia de pessoa, pois ambos se exigem recíproca e completamente.[6]

O conceito de Direitos do Homem encontra-se estritamente vinculado ao conceito de Direito Subjetivo que, compreendido como os direitos inerentes ao indivíduo, originados na tradição européia, são uma descoberta relativamente recente no pensamento jurídico ocidental.

Com a declaração da independência dos Estados Unidos, consagra-se a vinculação entre direitos subjetivos universais inerentes ao indivíduo e liberdade, considerada como um direito tão primordial como o direito à vida e o direito à busca de felicidade.

As diferentes Declarações posteriores retomaram, com variações, este tema, até que, com a DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO, de 28 de agosto de 1789, a própria liberdade, em nome dos alienáveis e sagrados direitos naturais do homem, passa a ser considerada como uma faculdade, a liberdade de poder fazer tudo que não incomoda o outro.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 configurou-se como a primeira resposta jurídica da comunidade internacional ao fato de que o direito “ex parte populi” de todo ser humano à hospitalidade universal (apontado por Kant no terceiro artigo definitivo do seu Projeto de Paz Perpétua) só começaria a viabilizar-se se “o direito a ter direitos” (para falar como Hannah Arendt) tivesse uma tutela internacional homologadora do ponto de vista da humanidade.[7]

No mundo contemporâneo continuam a persistir situações sociais, políticas e econômicas que contribuem para tornar os homens supérfluos e, portanto, sem lugar no mundo.

O totalitarismo representa uma proposta de organização da sociedade que almeja a dominação total dos indivíduos. Trata-se, em verdade, de um regime que não se confunde nem com a tirania, nem com o despotismo, nem com as diversas modalidades de autoritarismo, pois se esforça por eliminar, de maneira historicamente inédita, a própria espontaneidade – a mais genética e elementar manifestação da liberdade humana.

O “tudo é possível”, na dinâmica do totalitarismo, parte do pressuposto de que os seres humanos são supérfluos. Tal pressuposto contesta a afirmação Kantiana de que o homem, e apenas ele, não pode ser empregado como um meio para a realização de um fim, pois é fim de si mesmo, uma vez que, apesar do caráter profano de cada indivíduo, ele é sagrado, já que na sua pessoa pulsa a humanidade.

A tese de que os indivíduos não têm “direitos”, mas apenas “deveres” em relação à coletividade, na medida em que estes deveres são estipulados “ex parte principis”, sem um controle e uma participação de cunho democrático dos governados, levou, no totalitarismo, à negação do valor da pessoa humana enquanto “valor-fonte” da ordem jurídica. Ora, este “valor-fonte” da tradição, que afirma a dignidade do homem graças à “invenção dos direitos humanos” na interação histórica entre governantes e governados, teve e continua tendo como função, na perspectiva “ex parte populi”, servir de ponto de apoio para as reivindicações dos desprivilegiados. No totalitarismo isto não ocorreu, pois os indivíduos foram vistos como supérfluos pelos governantes.

O direito subjetivo é uma figura jurídica afim com a dos direitos do homem e da personalidade, todos representativos, no seu desenvolvimento teórico, do individualismo.

No jusmaterialismo, que inspirou o constitucionalismo, os direitos do homem eram vistos como direitos inatos e tidos como verdade evidente a compelir a mente. Por isso, dispensavam, tanto a violência, quanto a persuasão e o argumento.

Com a proclamação dos direitos do homem, a fonte da lei passa a ser o homem e não mais o comando de Deus ou os costumes. De fato, para o homem emancipado e isolado em sociedades crescentemente secularizadas, as Declarações de Direitos representavam um anseio muito compreensível de proteção, pois os indivíduos não se sentiam mais seguros de sua igualdade diante de Deus, no plano espiritual e no plano temporal, no âmbito dos “estamentos” ou ordens das quais se originavam.

Segundo Bobbio, a Declaração Universal “contém em germe”[8]: a síntese de um movimento dialético, que começa pela universalidade abstrata dos direitos naturais, transfigura-se na particularidade concreta dos direitos positivos e termina na universalidade, não mais abstrata, mas também concreta, dos direitos positivos universais.

A Declaração é algo mais do que um sistema doutrinário, porém algo menos do que um sistema de normas jurídicas. Uma remissão às normas jurídicas existe, mas está contida num juízo hipotético. A Declaração proclama os princípios de que se faz, não como normas jurídicas, mas como “ideal comum a ser alcançado por todos os povos e por todas as nações”[9].

Quando os direitos do homem eram considerados unicamente como direitos naturais, a única defesa possível contra a sua violação pelo Estado era um direito igualmente natural, o chamado direito de resistência. Mais tarde, nas constituições que reconheceram a proteção jurídica de alguns desses direitos, o direito natural de resistência transformou-se no direito positivo de promover uma ação judicial contra os próprios órgãos do Estado.

Sabe-se hoje que os direitos humanos são o produto, não da natureza, mas da civilização humana. Enquanto direitos históricos, eles são mutáveis, ou seja, suscetíveis de transformação e de ampliação. Hobbes, por exemplo, conhecia apenas o direito à vida.

O desenvolvimento dos direitos do homem passou por três fases: num primeiro momento, afirmava-se os direitos de liberdade, isto é, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado; num segundo momento, foram propugnados os direitos políticos, os quais, concebendo a liberdade não apenas negativamente, como não impedimento, mas positivamente, como autonomia – tiveram como conseqüência a participação cada vez mais ampla, generalizada e freqüente dos membros de uma comunidade no poder político (ou liberdade no Estado); num terceiro momento, foram proclamados os direitos sociais, que expressam o amadurecimento de novas exigências – de novos valores – como os do bem-estar e da igualdade, não apenas formal, e que poder-se-á chamar de liberdade através ou por meio do Estado.

A Declaração Universal representa a consciência histórica que a humanidade tem dos próprios valores fundamentais na segunda metade do século XX. É uma síntese do passado e uma inspiração para o futuro: mas suas tábuas não foram gravadas de uma vez para sempre.[10]

 

5. AS GERAÇÕES NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

 

Do ponto de vista teórico, pautado por novos argumentos, Bobbio afirma que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades, contra velhos poderes e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer.

Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem – que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens – ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo.[11]

Os direitos fundamentais passaram, na ordem institucional, a manifestar-se em três gerações. E, mais ainda, os direitos de quatro gerações:

 

§            Os direitos da primeira geração são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que, em grande parte, correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente.

Os direitos da primeira geração – os direitos de liberdade – têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.

Os direitos da primeira geração – direitos civis e políticos – já se consolidaram em sua projeção de universalidade formal, não havendo Constituição digna desse nome que os não reconheça em toda a extensão.

 

§            Os direitos da segunda geração dominam o século XX. São os direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos coletivos ou de coletividades[12], introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal deste século.

Da mesma maneira que os da primeira geração, esses direitos foram, inicialmente, objeto de uma formulação especulativa, em esferas filosóficas e políticas de acentuado cunho ideológico; uma vez proclamados nas Declarações solenes das Constituições marxistas e também, de maneira clássica, no constitucionalismo da social-democracia (a de Weimar, sobretudo), dominaram por inteiro as Constituições do segundo pós-guerra.

Os direitos fundamentais da segunda geração tendem a tornar-se tão justificáveis quanto os da primeira. Até então, em quase todos os sistemas jurídicos, prevalecia a noção de que apenas os direitos da liberdade eram de aplicabilidade imediata, ao passo que os direitos sociais tinham aplicabilidade mediata, por via do legislador. Com a introdução dos direitos fundamentais da segunda geração, cresceu o juízo de que esses direitos representam, de certo modo, uma ordem de valores.

De acordo com a nova teorização dos direitos fundamentais, as prescrições desses direitos são também direitos objetivos e isso levou, segundo Carl Schmitt, à superação daquela distinção material entre as duas partes básicas da Constituição, em que os direitos fundamentais eram direitos públicos subjetivos, ao passo que as disposições organizatórias constituíam unicamente direito objetivo.

A concepção de objetividade e de valores, relativamente aos direitos fundamentais, fez com que o princípio da igualdade, tanto quanto o da liberdade, tomasse também um sentido novo, deixando de ser mero direito individual, que demanda tratamento igual e uniforme, para assumir, conforme demonstra a doutrina e a jurisprudência do constitucionalismo alemão, uma dimensão objetiva de garantia contra atos de arbítrio do Estado.[13]

 

§            Os direitos fundamentais da terceira geração, dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses dos indivíduos, de um grupo ou de um momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade assinalando-lhes o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos de esteira da concretização dos direitos fundamentais.

Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento[14], à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.

Admite o jurista E. Mbaya que a descoberta e a formulação de novos direitos é e será sempre um processo sem fim, de tal modo que, quando “um sistema de direitos se faz conhecido e reconhecido, abrem-se novas regiões da liberdade que devem ser exploradas”. Com base nessa constatação, clama o jurista a adequação e a propriedade de linguagem relativa ao reconhecimento de três gerações de direitos fundados no princípio da solidariedade.

 

§            A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos da quarta geração que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social.

São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência.

Os direitos da quarta geração não somente culminam a objetividade dos direitos das duas gerações antecedentes, como absorvem-na, sem, todavia, removê-la – a subjetividade – dos direitos individuais, a saber, os direitos da primeira geração.

 

Concluindo, poder-se-á dizer que os direitos da segunda geração, da terceira e da quarta não se interpretam, concretizam-se. É com base nessa concretização que reside o futuro da globalização política, a seu princípio de legitimidade, a força incorporadora de seus valores de libertação. Enfim, os direitos da quarta geração compreendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão somente com eles será legítima e possível a globalização política.[15]

 

6. CONCLUSÃO

 

Algumas questões merecem ser ressaltadas diante dessa complexa e permanente problemática – os Direitos Fundamentais da Pessoa Humana:

 

§    O valor da pessoa, enquanto conquista histórico-axiológica, encontra a sua expressão jurídica nos direitos fundamentais do homem;

 

§    Os direitos fundamentais da segunda geração tendem a tornar-se tão justificáveis quanto os da primeira geração. Com a introdução dos direitos fundamentais da segunda geração, cresceu o juízo de que esses direitos representam, de certo modo, uma ordem de valores;

 

§    A dignidade da pessoa humana e o exercício da cidadania são considerados princípios fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988;

 

§    A partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), uma série de instrumentos internacionais veio à luz para abordar os temas mais variados dos direitos inalienáveis da pessoa humana;

 

§    Os direitos contidos na Declaração Universal são uma conquista da humanidade que conclama a uma luta permanente para dar-lhes vigência e permanente responsabilidade. Não é suficiente que estejam declarados e escritos. Devem torná-los realidade a fim de se evitar que permaneçam no plano do discurso teórico.

 

 

7. PALAVRAS-CHAVES

 

Direitos Fundamentais . Direitos Humanos . Pessoa Humana . Dignidade Humana.

 

 

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia.2. ed. São Paulo: Mestre Ju, 1982.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos.Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1996.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional.6. ed.rev. Coimbra: Almedina, 1995.

LAFER, Celso. Desafios: Ética e Política. São Paulo: Siciliano, 1995.

REALE, Miguel. Nova Fase do Direito Moderno. São Paulo: Saraiva, 1990.

TRINDADE, A.A. Cançado. Direitos Humanos e Meio Ambiente. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1993.


 

 

[1] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. p. 517

[2] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. p. 30

[3] TRINDADE, A.A. Cançado. Direitos Humanos e Meio Ambiente. p. 71

[4] ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. p. 259

[5] REALE, Miguel. Nova Fase do Direito Moderno. p. 62

[6] (ibid, p. 63)

[7] LAFER, Celso. Desafios: Ética e Política. p. 217 et seq.

[8] “contém em germe” – Bobbio chama a atenção para o fato de que a Declaração Universal é apenas o início de um longo processo, cuja realização final ainda não somos capazes de ver.

[9] BOBBIO, Norberto. op. cit., p. 31

[10] BOBBIO, Norberto. op. cit. p. 34

[11] BOBBIO, Norberto. op.cit.p. 5

[12] BOBBIO, Norberto. op.cit.p.6

[13] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p.514 et.seq.

[14] E. Mbaya, o jusfilósofo de Colônia, formulador do chamado “direito ao desenvolvimento”, usa para caracterizar os direitos da terceira geração a solidariedade e não fraternidade. O direito ao desenvolvimento diz respeito tanto a Estados como a indivíduos, segundo assevera E. Mbaya, o qual acrescenta que, relativamente a indivíduos, ele se traduz numa pretensão ao trabalho, à saúde e à alimentação adequada.

[15] BONAVIDES, Paulo. op.cit. p.523 et.seq.