Estado de
Exceção como paradigma para o Direito Internacional
The
State of
Henrique Weil Afonso[1]
Resumo: A
emergência do Estado de Exceção como paradigma de governo repercute no modo
como o Direito Internacional regula o uso da força pelos Estados. As graves
violações de direitos humanos conduzidas por governos em face de seus próprios
cidadãos pressionam a sociedade internacional a agir em defesa destes direitos
universais. Por um lado, a prevalência dos Estados como os mais importantes sujeitos
no plano jurídico internacional; a atual configuração do Conselho de Segurança;
e a positivação dos princípios da soberania e não-intervenção conferem aos
governos autonomia na condução dos seus atos. Igualmente, a ênfase na defesa
dos interesses nacionais enfraquece as iniciativas de cooperação entre os
Estados. Por outro lado, o comprometimento com a promoção e defesa dos Direitos
Humanos exige do Direito Internacional a superação de tais dogmas: a
valorização do ser humano enquanto sujeito de direitos e a progressiva
construção de uma consciência internacional em torno das barbaridades
perpetradas contra os Direitos Humanos por governos podem traçar novos rumos
para o Direito Internacional.
Palavras chave:
Estado de Exceção; Intervenção Humanitária.
Abstract: The emergence o the State of
Keywords: State of
1.
Introdução
A ordem
jurídica internacional carece de uma definição precisa. O recurso à analogia
com o ordenamento jurídico estatal não se mostra apto à tarefa de descrever o
funcionamento do Direito Internacional: por um lado, a ausência de um autêntico
Leviatã capaz
de impor a força da lei aos Estados-nação, e por outro, as peculiaridades de um
contexto histórico marcado pelo fenômeno da globalização são elementos que
dificultam a caracterização da ordem jurídica internacional.
De fato, os
tradicionais conceitos propostos por importantes juristas[3]
tendem a ser rotulados como demasiados simplistas, uma vez que não contemplam a
vasta gama de desafios, ideologias e dificuldades que permeiam nosso tempo. A
própria unidade do ordenamento jurídico internacional vem sendo contestada por
diversos internacionalistas, que vislumbram o chamado fenômeno da fragmentação[4] do
Direito Internacional.
A regulação do uso da força armada pelos
Estados e as peculiaridades da sociedade internacional contemporânea imprimem
novos rumos ao Direito Internacional, que se pretende promotor dos Direitos
Humanos. Em um primeiro momento, o presente estudo propõe analisar o surgimento
do Estado moderno e suas repercussões na formação do Direito Internacional. Em
seguida, a atual normatização do recurso ao uso da força armada por parte dos
Estados é inserida em um contexto de promoção dos Direitos Humanos no plano
supra-nacional. O fortalecimento do Estado
de Exceção, assim como a necessidade de resposta pela sociedade
internacional diante das graves violações de direitos humanos perpetradas por
governos aos seus próprios cidadãos consiste na máxima expressão deste
crescente paradigma de governo, exigindo da sociedade internacional uma
resposta.
2.
O Estado-moderno e as fundações do
Direito Internacional
O contexto
histórico do surgimento e fortalecimento do Estado-nação[5]-[6]
moderno marca a gênese do Direito Internacional: este surgiu com o objetivo
primeiro de coordenar as relações entre os Estados, que em meados do século
XVII eram por excelência os únicos sujeitos de Direito Internacional (ROSENNE,
2002; CREVELD, 2004).
O Estado
nacional moderno somente foi possível com o desenvolvimento do conceito da
soberania estatal[7],
conceito este que se desdobra nos níveis interno e externo. Em nível interno, a
soberania estatal representa a instituição de uma ordem jurídica chefiada pelo
Estado, que por sua vez detém o monopólio do uso da força. Em nível externo,
implica na existência de um Estado de Natureza no qual “[...] a liberdade do
Estado é a mesma que teria cada homem, se não houvesse leis civis e nem mesmo
Estado. [...] existe uma guerra perpétua... entre os Estados independentes.”
(HOBBES apud FERRAJOLI, 2007). Princípio basilar do Direito Internacional, a
soberania estatal representa
“A superação do
estado de natureza, internamente, e a sua conservação (ou melhor, instauração),
externamente, tornam-se, assim, as duas coordenadas ao longo das quais se
desenrola a história teórica e prática dos Estados soberanos modernos, ambas
inscritas no código genético de tais Estados pela filosofia política
jusnaturalista. Disso resulta um Estado moderno como sujeito soberano, que é
fundado, laica e racionalmente, sobre duas oposições – por negação e por
afirmação – ao estado de natureza: sobre a negação, enquanto ‘estado civil’, do
‘estado de natureza’ originário das sociedades primitivas e selvagens dos homens
de carne e osso e, portanto, sobre a oposição entre ‘civilidade’ e
‘incivilidade’, como fonte de legitimação de novas formas de desigualdade e
domínio; e, como corolário, sobre a afirmação de um novo estado de natureza
paradoxalmente artificial porque produzido pelo mesmo artifício do qual nasce o
Estado: a sociedade selvagem, mas
artificial, dos Estados soberanos, virtualmente em estado de guerra entre si,
mas também coligados, como ‘mundo civil’, pelo direito-dever de civilizar o
resto do mundo ainda não civilizado.” Grifo nosso (FERRAJOLI, 2007, p. 25)
A partir da
noção de soberania visualiza-se outro importante marco teórico para o plano
jurídico internacional: a idéia de igualdade soberana[8]
entre os Estados. Atribui-se a Emmerich de Vattel[9]
(século XVIII) a formulação do princípio da igualdade soberana estatal (LEE,
2004; WALZER, 2006), de modo que a ampla aceitação de sua formulação pelos
Estados republicanos do século XVIII foi essencial para o projeto de
enfraquecimento do poder monárquico e conseqüente consolidação do Estado-nação
moderno. O princípio da não-intervenção em assuntos internos dos Estados seria,
nesse diapasão, desdobramento e corolário da igualdade soberana entre os
Estados.
Com efeito,
o Direito Internacional consolida-se, assim, já no século XIX e início do
século XX, como o Direito dos Estados.
O direito de recurso à força militar para resolução de disputas entre os
Estados foi então elevado a condição sine
qua non do exercício do poder soberano em nível externo, onde prevalecia de
forma incontestável a doutrina do realismo político[10]
das relações internacionais. A guerra seria, conforme prescreveu Carl von
Clausewitz, “[...] a realização da política por outros meios.” Tradução livre
(CLAUSEWITZ, 1982, p. 88).
O período
marcado pelas Guerras Mundiais (1914-1945) consistiu em
A
necessidade de controle da guerra e promoção de uma ordem internacional voltada
para a paz representou o objetivo central da Liga das Nações (1919). No
entanto, com o reconhecido fracasso[11]
desta iniciativa, a tarefa de promoção da paz e erradicação das guerras ficou a
cargo da Organização das Nações Unidas (ONU), instituição internacional criada
no cenário do pós-Segunda Guerra Mundial, com amplo respaldo estatal e que
inaugurou uma nova era no Direito Internacional, em especial no tocante ao
recurso à força armada – cuja proibição passou a ser regra[12] –
e ao desenvolvimento e solidariedade entre os povos. Segundo Ferrajoli (2007,
p. 40), “A Carta da ONU assinala [...] o nascimento de um novo direito
internacional e o fim do velho paradigma – o modelo Vestfália –, que se firmara
três séculos antes com o término da guerra européia dos trinta anos.”
A Carta da
ONU conferiu ao Conselho de Segurança a responsabilidade de manutenção da paz e
segurança internacionais. O Capítulo VII da Carta da ONU traz a competência do
Conselho de Segurança sobre a aplicação de medidas que não envolvam o emprego
de força armada[13]
para fins de solução de determinada controvérsia. Caso as medidas adotadas
revelem-se insuficientes, é competente o Conselho para decidir sobre o recurso
à força militar a fim de restaurar a paz e a segurança internacionais. As
exceções contempladas à proibição do uso da força seriam, portanto, a
autorização do Conselho de Segurança e a legítima defesa frente agressão de
outros Estados.
O veto ao ius ad bellum[14]
incondicional foi seguido da aprovação pela Assembléia Geral da ONU da
Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1948. Tem-se, assim, dois
importantes elementos que representam a consolidação de novos objetivos ao
Direito Internacional: a limitação do uso da força militar – que até então
consistia em um dos alicerces da soberania estatal – e a edificação de valores
supra-estatais, cuja promoção e respeito são vinculantes a todos os Estados
Membros (BOBBIO, 2004; BYERS, 2007; FERRAJOLI, 2007).
Importante
entender a construção deste sistema internacional dentro de cenários de
hegemonias políticas, econômicas e militares em momentos históricos distintos.
O Conselho de Segurança da ONU representa o mundo pós-guerra e a afirmação dos
interesses daquelas potências vitoriosas. A hegemonia norte-americana e o
reconhecimento de seu aliado mais próximo no mundo capitalista (Inglaterra);
uma França que procurava se afirmar como independente no cenário internacional
mas claramente envolvida com o projeto europeu (que era norte-americano); uma
União Soviética que liderava o mundo socialista e a China como aliada poderosa
da Segunda Guerra Mundial no espaço asiático.
Os
consensos no pós-guerra não foram construídos de forma igualitária e dialógica.
Foram frutos de novas hegemonias que se afirmavam então. A Declaração Universal
de Direitos Humanos reflete toda esta reacomodação: trata-se de um texto que
reconhece prioritariamente os direitos individuais de origem liberal e
decorrente da visão hegemônica norte-americana e européia ocidental. As poucas
e discretas menções aos direitos sociais e econômicos decorrem da intervenção
do mundo socialista liderado naquela ocasião pela União Soviética.
A Carta das
Nações Unidas ainda carrega muito de um Direito Internacional europeu. Desde
suas origens, a pretensão civilizatória de uma cultura superior em relação aos
selvagens e orientais pautou a construção da ordem internacional e ainda nos
dias de hoje sobrevive nos discursos de intervenção humanitária ou em nome da
democracia.
3.
A Intervenção Humanitária e o paradigma
do Estado de Exceção
Michael
Walzer (2006) sistematiza o atual estágio de desenvolvimento do Direito
Internacional no que diz respeito ao uso da força armada. Segundo o autor, um “paradigma
legal” consolidou-se na sociedade internacional, e seus principais elementos
são: (i) a existência de uma sociedade internacional de Estados; (ii) a
existência de um Direito que atribui direitos a estes Estados – sobretudo o
princípio da integridade territorial e soberania; (iii) a violação destes
direitos por outros Estados constituiu crime de agressão; (iv) a agressão
justifica a defesa legítima do Estado vitimado, de seus aliados ou da comunidade
internacional –representada pelo Conselho de Segurança; (v) apenas a agressão
justifica a guerra; (vi) o agressor pode ser punido.
A respeito
do uso da força militar por parte dos Estados, outras duas exceções não-codificadas
podem ter-se desenvolvido nas últimas décadas, segundo Byers (2007): o direito
de intervir por meios militares para promover ou restabelecer a democracia e o
direito de intervir para prevenir graves abusos contra os direitos humanos ou
contrários ao Direito Humanitário Internacional, tal como o genocídio.
Estas
intervenções marcam a pretensão civilizatória e o pressuposto de desigualdade
que fundamenta a visão das potências “ocidentais” diante de outras culturas
julgadas inferiores. O discurso de superioridade ocidental é feito de forma
mais sofisticada, mas aparece de forma flagrante na imposição de uma democracia
ocidental e de direitos humanos ocidentais. O conceito de democracia e direitos
humanos que justificam as intervenções é construído na história das potencias
ocidentais e imposto de forma naturalizante para todo o mundo. A prática
claramente ideológica consiste em tratar como universal o que foi produto de
culturas localizadas e com pretensões hegemônicas.
Como
ressalta o filósofo e psicanalista Slavoj Zizek:
“[...] é necessário
interrogar a política humanitária despolitizada dos ‘direitos humanos’ como
ideologia de intervencionismo militar ao serviço de objetivos econômicos e
políticos específicos.” Tradução livre (2004, p. 11)
Neste sentido,
o discurso aparentemente despolitizado dos Direitos Humanos encobre uma visão
hegemônica que naturalizada passa a ser universalizada e justifica intervenções
militares (humanitárias) de conseqüências catastróficas para as populações
envolvidas.
Estas
intervenções militares com fins econômicos são encobertas por discursos
humanitários. Importante lembrar que, mesmo as intervenções que visam evitar
claras violações de direitos encobrem também interesses econômicos e políticos,
muitas vezes inconfessáveis. Estas são as piores uma vez que dificilmente
poderíamos negar sua necessidade e justificativa humanitária.
Immanuel
Wallernstein (2008) nos lembra que a intervenção humanitária encobrindo
interesses econômicos não é nova. Marca a era européia desde seu inicio em
1492: a discussão entre Bartolomeu de las Casas e Sepúlveda inaugura a
intervenção militar justificada por razões humanitárias, à época a
evangelização dos selvagens. As teses de Sepúlveda prevalecem até nossos dias,
substituindo-se o evangelho pelos direitos humanos e a democracia. O número de
mortos continua muito grande.
Alguns
casos importantes são destacados por especialistas, pois constituiriam os
precedentes para a intervenção humanitária unilateral. As intervenções
norte-americanas na Granada (1983) e no Panamá[15]
(1989) são dignas de menção, pois foram as primeiras onde a justificativa
principal foi a defesa da democracia (BYERS, 2007). No caso da invasão do
Iraque em 2003, as fundamentações giravam em torno da deposição de um governo
tirânico, o estabelecimento de um regime democrático no país e do direito de
legítima defesa da potência invasora.[16]
Alguns internacionalistas não reconhecem uma
prática estatal favorável à intervenção humanitária, não havendo que se falar
no desenvolvimento de um jus cogens a
este respeito no Direito Internacional consuetudinário (BYERS, 2007). Esta vem
sendo a posição dominante no sistema jurídico global, pois legitima o paradigma
legal estabelecido:
“Governos e
exércitos envolvidos em massacres são amplamente identificados como governos e
exércitos criminosos (eles são culpados de acordo com o Código de Nuremberg por
‘crimes contra a humanidade’). Portanto a intervenção humanitária se aproxima
muito mais do que qualquer outra espécie de intervenção que comumente
compreendemos, nas sociedades domésticas, como reforço da lei ou trabalho da
polícia. Ao mesmo tempo, no entanto, a
intervenção requer atravessar uma fronteira internacional, e tal travessia é
descartada pelo paradigma legal – a menos que seja autorizada [...] pela
sociedade de nações.” (Grifo nosso) Tradução livre (WALZER, 2006, p. 106)
A
competência do Conselho de Segurança para autorizar o uso da força armada e de
tomar medidas aptas a restaurar a paz e a segurança não raras vezes entra em
contraste com os interesses dos membros permanentes do Conselho. O poder de
veto de destes membros corresponde, na prática, à redução da atuação do
Conselho de Segurança, uma vez que se torna dependente de interesses
domésticos.
Os Estados
fazem uso de um vasto arsenal de discursos para evitar tratar as graves
violações de Direitos Humanos com o comprometimento devido. De um modo geral,
as justificativas apresentadas giram em torno da proibição legal e da
necessidade de respeitar os demais princípios basilares das relações
inter-estatais. No entanto, os argumentos jurídicos são apenas uma fração da
complexidade da matéria. Eric Heinze (2007), ao comparar os discursos políticos
seguidos por Washington nas crises humanitárias em Ruanda e no Sudão, ressalta
que pressões domésticas, de um lado, e a (in)existência de interesses
geopolíticos ou econômicos[17]
em relação à região em questão, são elementos recorrentes na retórica de
negação das graves atrocidades
A
justificação da impossibilidade de intervenção humanitária por parte dos
Estados reforça e legitima o paradigma legal consolidado há três séculos. Deste
modo, o Direito Internacional necessita de instrumentos aptos a fomentar um
discurso favorável e emancipador em favor da proteção dos Direitos Humanos
nestas hipóteses extremas. A motivação para novas alternativas pode estar –
assim acreditamos – na compreensão de uma prática que vem se consolidando nas
últimas décadas: o paradigma do Estado de
Exceção.
Giorgio
Agamben (2004) descreve a tendência contemporânea da abolição gradual de
direitos e liberdades individuais em prol do fortalecimento do poder executivo
como um novo paradigma de governo representado pela constitucionalização do Estado de Exceção: “[...] conforme uma
tendência em todas as democracias ocidentais, a declaração do Estado de Exceção
é progressivamente substituída por uma generalização sem precedentes do
paradigma da segurança como técnica moral de governo.” (AGAMBEN, 2004, p. 27).
Sob o
argumento de necessidade de resposta a uma determinada situação de emergência –
em geral política, militar e econômica – os governos lançam-se em uma série de
medidas de cunho totalitário, procurando justificar tais medidas sob o
argumento da proteção do Estado e de suas instituições. Estas justificativas
pretendem conferir caráter jurídico a situações não-contempladas pela
normalidade da prática constitucional:
“O
estado de exceção é, nesse sentido, a abertura de um espaço em que aplicação e
norma mostram sua separação e em que uma pura força-de-lei realiza (isto é,
aplica desaplicando) uma norma cuja aplicação foi suspensa. Desse modo, a união
impossível entre norma e realidade, e conseqüente constituição do âmbito da
norma, é operada sob a forma de exceção, isto é, pelo pressuposto de sua
relação. Isso significa que, para aplicar uma norma, é necessário, em última
análise, suspender sua aplicação, produzir uma exceção. Em todos os casos, o estado de exceção marca um patamar onde
lógica e práxis se indeterminam e onde uma pura violência sem logos pretende
realizar um enunciado sem nenhuma referência real.” Grifo nosso (AGAMBEN,
2004, p. 63)
O Estado de Exceção não pode ser
considerado um fenômeno recente. A tendência de supressão de quaisquer direitos
individuais existentes e instituição de um Estado de Direito sem Direito
consiste em uma história[19]
que vem sendo contada há séculos e que – infelizmente – parece estar longe de
terminar.
O que
difere o Estado de Exceção
contemporâneo do seu equivalente mais antigo é, a uma, a capacidade de
mobilização da sociedade civil – nos planos nacional e internacional – e, a
duas, a ampla divulgação pelos meios de comunicação dos casos onde a supressão
dos direitos e institucionalização da barbárie atinge níveis intoleráveis.
Deste modo, no âmbito do Direito Internacional, o paradigma do Estado de Exceção guarda forte liame com
o uso da força militar pelos Estados e pela sociedade internacional, uma vez
que as graves violações de direitos humanos a que se referem os defensores da
intervenção humanitária[20]
constituem a manifestação máxima do Estado
de Exceção.
4.
Conclusão
A
prevalência dos Direitos Humanos – consolidados em importantes tratados e
convenções –, assim como o desenvolvimento de mecanismos de promoção e defesa
destes direitos no plano internacional – por meio de agências internacionais
vinculadas à ONU, organizações não-governamentais e sistemas regionais de
proteção – apontam para uma responsabilidade da sociedade internacional em
casos de graves violações dos referidos direitos.
Os atuais
mecanismos de promoção da paz e segurança internacionais foram formulados sobre
uma concepção de Direito Internacional na qual os Estados são, em última
análise, os principais protagonistas no cenário global. As violações em massa
de direitos humanos por parte de governos refletem a consolidação de um Estado de Exceção que suprime direitos e
liberdades individuais e que se propõe a legitimar as mais variadas práticas
totalitárias.
A
emergência deste paradigma de governo muitas vezes se dá ao custo de profundas
violações aos Direitos Humanos. A proteção destes direitos, nestas hipóteses
extremas, não pode ficar a cabo exclusivamente do juízo de alguns Estados, seus
interesses nacionais e ideologias justificadoras da barbárie. O caminho parece
ser a superação de dogmas seculares em prol de uma consciência coletiva e
emancipadora.
5.
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de l’intolerance. Editions Climats, Castelnau-le-Lez, 2004.
[1] Graduado
[2] Doutor, Mestre e Especialista
[3] De acordo com H.
Hart (1961), o Direito seria composto por
normas primárias e secundárias. As regras primárias são aquelas que normatizam
as ações dos indivíduos, ao passo que as normas secundárias tratam da criação,
alteração e eliminação das regras primárias do sistema jurídico. Cumpre
destacarmos, dentre as espécies de regras secundárias, a chamada “regra de
reconhecimento”, que deve ser entendida como a regra basilar do sistema
normativo e que lhe confere sustentação. A ordem jurídica, conforme propõe a clássica obra de
Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito,
conta como característica fundamental o fato de ser uma ordem coercitiva. Nesse
sentido, se há coação, há Direito; o Direito Internacional seria, seguindo este
entendimento, uma ordem jurídica dotada de coação e que se encontra em estágio
de evolução inicial, uma vez que se encontram presentes os elementos normativos
mínimos e essenciais.
[4] A este respeito – e tendo em vista que este instigante tema não é
objeto deste trabalho – remetemos a estudo nosso: “A fragmentação do Direito
Internacional se desenvolve em três níveis. No primeiro nível observa-se que a
hermenêutica do Direito Internacional passa a ser realizada por diferentes
sujeitos, de forma a ampliar as possibilidades interpretativas e contribuindo
para o desfazimento de sua unidade. Ao lado dos Estados, podemos vislumbrar as
organizações internacionais e indivíduos usufruindo de direitos e incorporando
certos deveres para com a ordem jurídica transnacional. Já em um segundo nível
constata-se a criação de novos regimes “às margens” das normas de Direito
Internacional geral, isto é, regimes que repudiam a estrita obediência ao texto
legal, preconizando a realização dos objetivos mais específicos.” (AFONSO,
2009, p. 9) Remetemos aos seguintes estudos para aprofundamento no tema: KOSKENNIEMI, Martti. Global
legal pluralism: multiple regimes and multiple modes of thought. Harvard, 05 de março de 2005 – Palestra.
Disponível em
<http://www.helsinki.fi/eci/Publications/Talks_Papers_MK.htm>. Acesso: 05 maio
2008; BURKE-WHITE,
William W. International Legal Pluralism.
[5] A construção do Estado-nação
como ente abstrato deu-se de forma desigual ao redor do mundo, tendo sua
consolidação ocorrida primeiramente na Europa – Portugal, Espanha, França e
Inglaterra em especial – a partir do domínio do poder do Rei sobre os senhores
feudais, para em seguida afirmar-se perante o poder do Império e da Igreja do
século XVII. A partir do seu estabelecimento no Velho Continente, os movimentos
colonialistas levados a cabo pelas principais potências se encarregaram de
propagar o Estado em nível internacional. A unificação do exército, da moeda,
do Direito, da cultura e a criação de uma nacionalidade única em seu interior
foram essenciais à afirmação do Estado como ente abstrato, separado das figuras
dos governantes (CREVELD, 2004).
[6] A busca por uma uniformização de modos de vida
é a essência do Estado: “Portanto, a tarefa de construção do Estado nacional
(do Estado moderno) dependia da construção de uma identidade nacional ou, em
outras palavras, da imposição de valores comuns que deveriam ser compartilhados
pelos diversos grupos étnicos, pelos diversos grupos sociais para que assim
todos reconhecessem o poder do Estado. [...] A formação do Estado moderno está,
portanto, intimamente relacionada com a intolerância religiosa, cultural, a
negação da diversidade fora de determinados padrões e limites.” (MAGALHÃES,
2008, p. 47)
[7] Este conceito se desenvolve a partir da idéia
de communitas orbis (comunidade
mundial) vislumbrada pelo internacionalista Francisco de Vitoria (séc. XVI),
para em um momento posterior vir a se consolidar nas obras de Hugo Grotius, Jean
Bodin, Thomas Hobbes e John Locke (FERRAJOLI, 2007; MORRISON, 2006).
[8] O Artigo 2 (1) da Carta da ONU codifica o
princípio: “A Organização é baseada na igualdade de todos os seus membros.”
[9] “Um anão é tão homem quanto um gigante; uma
pequena república é tão soberana quanto o mais poderoso reino. De uma
necessária conseqüência desta igualdade, o que é permitido para uma nação é
permitido para todas [,] e o que é proibido para um é também proibido para
todas as nações.” Tradução livre (VATTEL apud LEE, 2004, p. 150)
[10] O
Realismo Político das relações internacionais é entendido como uma teoria
explicativa dos eventos do cenário global. Por fundar suas bases teóricas na
filosofia política de Thomas Hobbes e Nicolau Maquiavel, o Realismo Político
procura descrever os acontecimentos do ambiente global através de uma análise
do equilíbrio de poderes de seus vários atores, que por sua vez
encontrar-se-iam imersos em um sistema anárquico – uma vez que não haveria um soberano
acima dos Estados capaz de subjugá-los – e onde a busca por sobrevivência e
segurança torna-se uma constante. O fim da Guerra Fria é tido como um marco
para o Realismo, haja vista que teria havido uma quebra nas relações de poder
em nível global. Tal fato explicaria as atuais tendências de reequilíbrio em
tais relações: o fortalecimento da União Européia e o crescimento econômico e
militar da China seriam indícios da gênese de uma Nova Ordem Internacional
(BURCHILL e LINKLATER, 2005). Para um aprofundamento nas teorias políticas das
relações internacionais ver BAYLIS, John & Steve Smith (eds). The Globalization
of World Politics.
[11] Os motivos para este fracasso foram
os mais diversos, porém um destes merece destaque: o fato do Senado dos Estados
Unidos da América ter declinado de ratificar o Pacto das Ligas das Nações, em
[12] Assim dispõe o Artigo 2 (4) da Carta da ONU:
“Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o
uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de
qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das
Nações Unidas.”
[13] Dispõe o Artigo 41 da Carta da ONU: “O Conselho de Segurança decidirá sobre as
medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para
tornar efetivas suas decisões e poderá convidar os Membros das Nações Unidas a
aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial
das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos,
aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos, ou de outra qualquer espécie e o
rompimento das relações diplomáticas.”
[14] O denominado ius ad bellum referem-se às hipóteses nas quais o recurso à força
militar para resolução de controvérsias é autorizado pelo Direito
Internacional. Por sua vez, o ius in
bello refere-se às normas contidas em tratados internacionais destinadas à
forma como os conflitos são tratados, com destaque para a proteção das
populações civis (Convenção de Genebra de 1949) e à proibição de uso de determinados
tipos de armamentos (WALZER, 2004 e 2006).
[15] Conforme Michael Byers (2007, p. 113) explica,
“De duas maneiras o governo americano invocou a democracia para tentar
justificar a invasão do Panamá: como exercício do direito de agir em caráter
unilateral para promover a democracia em outros países e a título de ajuda a um
chefe de Estado democraticamente eleito, Guilhermo Endara, que concordava
ostensivamente com a iniciativa.” O autor esclarece ainda que o convite de um
governo para que outro interfira militarmente como forma de ajudar a
restabelecer a ordem interna é um costume plenamente aceito no Direito
Internacional.
[16] A Estratégia de Defesa Nacional de setembro de
2002 – conjunto de objetivos e orientações adotados pelos Estados Unidos após
os ataques de 11 de Setembro de 2001 no tocante à política externa – comprova a
disposição de Washington de contrair qualquer norma de Direito Internacional
que possa representar uma ameaça à segurança nacional. No entanto, o documento
vai mais além, contemplando agressivas políticas de imposição de valores
liberal-democráticos e fortalecimento do sistema capitalista mundial: “O
Propósito da nossa nação sempre foi mais amplo que nossa defesa nacional. Nós
lutamos, como sempre lutamos, por uma paz justa – uma paz que favoreça a
liberdade. Nós defenderemos a paz contra as ameaças de terroristas e tiranos.
Nós preservaremos a paz através da construção de boas relações entre as grandes
nações. E nós estenderemos a paz pelo encorajamento de sociedades livres e
abertas em todos os continentes.” Tradução livre (THE
NATIONAL SECURITY STRATEGY OF THE UNITED STATES OF AMERICA, 2002. Disponível em: <http://www.au.af.mil/au/awc/awcgate/nss/nss_sep2002.pdf>
Acesso em 5 de abril de 2007).
[17] Os EUA firmaram diversos acordos de combate ao
terrorismo com o governo sudanês, e atualmente estão engajados nas negociações
do processo de paz para a guerra civil entre as regiões norte e sul do país. A
desastrosa campanha na Somália (1993) e as ações militares no Afeganistão e
Iraque reforçam o desinteresse para com as violações de Direitos Humanos em
curso em Darfur.
[18] Michael Byers (2007) explica que a China vem
fazendo uso de seu poder de veto para frear iniciativas sérias para por fim à
crise humanitária em Darfur, uma vez que uma intervenção humanitária ampla
prejudicaria contratos firmados com o governo sudanês para a exploração de
petróleo e outros recursos naturais.
[19] Agamben (2004) indica a França revolucionária
do fim do século XVIII na origem deste fenômeno. Espalhou-se por outros Estados
europeus, como a Alemanha, a Suíça e a Itália, para consolidar-se como
paradigma de governo no eclodir da Primeira Guerra Mundial. Na obra O Estado de Exceção, o autor apresenta o
importante debate travado entre dois estudiosos do Estado de Exceção
contemporâneo: Carl Schmitt e Walter Benjamin.
[20] Remetemos a
importante trabalho sobre o tema, na qual o autor propõe que Estados da
comunidade internacional elaborem um tratado para fins de intervenção
humanitária independente do Conselho de Segurança ou da ONU. Nesse sentido, ver: CRITCHLOW, George A. Stopping genocide through international
agreement when the Security Council fails to act. In Georgetown Journal of
International Law, volume 40, número 1, pp. 311-343, 2009.