História
dos Crimes Políticos e o Supremo Tribunal Federal:
a Doutrina
da Segurança Nacional
no período de
Éfren Paulo Porfírio de Sá
Lima[1]
Assim como o Brasil é uma invenção do Século XIX, mais precisamente dos acontecimentos que marcaram o chamado Grito da Independência, em 1822,[2] para análise da história do Supremo Tribunal Federal, neste trabalho monográfico, adotar-se-á, como termo inicial, o ano de 1946.
Considerando-se que o Brasil foi descoberto em 1500, por que a referência ao Brasil de 1822? E, se desde 1539, com as capitanias hereditárias, surgiram as primeiras organizações judiciárias do Brasil, sobretudo no final do Século XVI, quando, em 1587, Filipe I, “O Prudente”, mandou instalar, em Salvador, um Tribunal de Relação, por qual razão o marco de 1946 para traçar o escorço histórico do Supremo Tribunal Federal?
Toda escolha é arbitrária. Pode-se até ter uma razão para a escolha dentre as análises possíveis. Mas mesmo a eleição da ratio que legitima a análise tem um fundo de arbitrariedade, porque parte de um suposto de fato que tenta embasar a própria escolha. No caso deste brevíssimo estudo monográfico, pretende-se demonstrar que o Supremo Tribunal Federal seguiu uma rota mais ou menos linear na aplicação da Doutrina de Segurança Nacional, em especial na conformação da definição de crimes político, pouco importando tratar-se de período de pleno exercício de liberdades democráticas ou de estado de exceção; sob a forma de governo presidencialista ou parlamentarista; sob tutela de militares ou de civis.
É que o Brasil, enquanto Estado Nacional, nos moldes da doutrina de Montesquieu,[3] só adquiriu forma concreta de Estado-Nação com a proclamação da República. FUNARI & NOELLI (2006, p. 10) acentuam que antes do surgimento dos Estados nacionais, em geral, “as pessoas se identificavam como oriundas de suas cidades, suas pátrias.”. Com efeito, a origem moderna da expressão país advém do francês pays[4] que significa antes de tudo “cidade”, “aldeia”. O sentido histórico da expressão Estado nacional, surgido no final do século XVIII, está ligado à noção de um povo que tem língua e cultura relativamente homogêneas, delimitado em um dado território, aliado à idéia de soberania. Para FUNARI & NOELLI (2006, p. 10) assim é o Brasil de 1822. Antes disso, escrevem os autores:
... o que chamamos de Brasil fazia parte de um império, comandado pelo Reino de Portugal, espalhado pelos quatros continentes (Europa, África, Ásia e América, por ordem de conquista portuguesa), com múltiplos idiomas em uso, composto por muitíssimos povos de diferentes origens e tradições. No território do que viria a ser o Brasil, nos três primeiros séculos de colonização portuguesa, falaram-se muitas línguas (português, mas também a “língua geral”, uma linguagem que mescla português e tupi, numerosas línguas indígenas, línguas africanas, espanhol, holandês...) e escreveram-se também em algumas delas (português, latim, “língua geral”, espanhol, holandês...). Os próprios limites do território Brasil só viriam a ser fixados, aproximando-se do que é hoje, no Tratado de Madri, de 1750, entre Espanha e Portugal.
Com essa noção de Brasil inventado em 1822, abandona-se outra de Brasil colônia e, com isso, deixa-se para trás um conceito de Brasil que não existia para outro que se amoldou e firmou-se na realidade que hoje se conhece.
De sorte que se pretende demonstrar a contribuição do Supremo Tribunal Federal na construção do Estado nacional Brasil, sob o ângulo de observação de uma doutrina concebida pelos militares, após a fundação da Escola Superior de Guerra.
Para esse fim, o trabalho, requisito parcial à conclusão da disciplina Historia del Derecho, ministrada pelo Professor Doutor RICARDO D. RABINOVICH-BERKMAN, no Curso de Doctorado en Ciencias Juridicas y Sociales de La Universidad del Museo Social Argentino, estará dividido em quatro capítulos e de uma conclusão.
Na parte primeira, cuidar-se-á de enfrentar o problema da história do direito enquanto ciência que tem duplo objeto de investigação: a história e o direito. A obra referenciada é a do nosso estimado Professor Doutor RICARDO D. RABINOVICH-BERKMAN, em relevo a primeira parte do livro “Una Viaje por la Historia del Derecho”, em especial os capítulos I e IV.
O
capítulo segundo estará reservado para a chamada Doutrina da Segurança Nacional,
a Escola Superior de Guerra e a Lei de Segurança Nacional, com esteio na obra
de Adriana
A seguir, no terceiro e último capítulo, parte nuclear do trabalho, será feito um apanhado geral das decisões do Supremo Tribunal Federal sobre crimes políticos, relativamente à violação da Lei de Segurança Nacional. A pesquisa documental, de 27 de agosto de 2007, às 09H03, incide sobre os 101 acórdãos do STF, no período que inicia em 1º de janeiro de 1946 e finda em 31 março de 1964. Não foram analisadas as decisões monocráticas da Presidência ou de relatores. De igual modo, deixaram de ser analisados os julgados sobre extradição.
Ao
final, serão apresentadas as conclusões que se entenderam devidas.
2. A HISTÓRIA COMO UM ACONTECIMENTO INTERNO E
EXTERNO.
O conceito de história é tão recente quanto a noção de Brasil. Foi no fim do século XIX que surgiu “como ciência voltada para o estudo do passado a partir dos documentos escritos” (FUNARI & NOELLI, 2006, p. 12).
A história enquanto ciência é a história do passado humano, excluindo-se, por óbvia conseqüência, o passado da natureza. É certo que tanto os homens quanto as pedras têm um passado. A diferença é que somente os acontecimentos humanos possuem um exterior e um interior. As pedras só têm um acontecimento exterior.
Essa diferenciação é feita pelo historiador britânico ROBIN GEORGE COLLINGWOOD (1986, p. 213):
Por exterior do acontecimento, entendo tudo o que, pertencendo-lhe, pode ser descrito em termos de corpos e dos seus movimentos: a passagem de César, acompanhado por certos homens, de um rio chamado Rubicão, em certa data, ou o derramamento do seu sangue no chão do Senado, noutra data. Por intermédio do acontecimento, entendo aquilo que nele só pode ser descrito em termos de pensamento: o desprezo de César pelas leis da República ou a divergência de política constitucional entre ele e seus assassinos.
Com o problema da diferenciação entre um passado humano e um passado da natureza, o historiador COLLINGWOOD apresenta posição diametralmente oposta à dos positivistas do século XIX, pois vê o historiador como um cientista diferente ao cientista da natureza, uma vez que os acontecimentos históricos não podiam ser entendidos como fenômenos naturais, vistos de fora, logo, serem possíveis de agrupar mediante leis universais. A História, para ele, devia e tinha que ser liberta da tutela das ciências naturais.
Defende,
assim, o fim da idéia positivista da História, avançando com aquela que a
entende como a incidibilidade interior e exterior da ação humana, destacando a
imprescindibilidade de penetração no interior dos acontecimentos de maneira a
interpretar os pensamentos dos agentes históricos neles envolvidos. Neste
sentido, a função do historiador é tentar construir a situação em que os
agentes estudados se encontravam, assim como a forma como esta era encarada. A
propósito, escreve COLLINGWOOD (1986, p. 13):
O passado, consistindo em acontecimentos particulares no espaço e no tempo que já não se verificam, não pode ser apreendido pelo pensamento matemático porque este apreende objectos que não têm situação específica no espaço e no tempo, e é precisamente essa falta de situação espacio-temporal que os torna cognoscíveis.
3. A HISTÓRIA DO DIREITO E SEU OBJETO.
Para
RABINOVICH-BERKMAN (2004, p. 1), “a
história do direito é a conjugação de duas ciências, a história e o direito,
criando uma terceira que, possuindo caracteres daquelas, têm, sem embargo,
peculiaridades próprias.” Adiante, apresenta uma breve e erudita noção: a
História do Direito: “... [a História do Direito] estuda os fenômenos jurídicos
e as idéias jurídicas em seu desenvolvimento, desde o passado remoto até o
tempo presente.”
O
objeto central da história do direito é a busca da recriação do passado dos
acontecimentos humanos com relevância para o Direito. Não só a busca da face
externa, mas, acima de tudo, do que vem de dentro, que lhe é inerente, interno,
porquanto fruto da criação humana. Ao estudar-se o porquê da regra jurídica, o
historiador deve ter presente, como observa NUNO
No presente estudo, o fenômeno jurídico a ser investigado recai sobre o nascimento, desenvolvimento e consolidação do conceito de segurança nacional, a partir do julgamento dos crimes políticos pelo Supremo Tribunal Federal.
Há um elemento externo a ser perquirido: as manifestações do STF sobre crimes políticos. E daí decorre o elemento interno a que se refere o historiador britânico: a razão pela qual o STF adotou, na delimitação do tipo “crime político”, a Doutrina de Segurança Nacional. Algumas questões devem ser avaliadas: existe um atrelamento do julgamento dos crimes políticos à Doutrina de Segurança Nacional? A posição do STF, sobre o tema, é modificada ou permanece a mesma ao longo desse período?
4. UM POUCO DE HISTÓRIA GERAL: O AMBIENTE
BRASILEIRO NO SÉCULO XX.
5. AS FORMAS DE CONTAR A HISTÓRIA DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL.
São diversas as formas de traçar o perfil histórico do STF. A primeira delas é a de ligar a história do Supremo com a história republicana. Então o Supremo teria vivido duas fases: a primeira durante o Império; e, a segunda, após a proclamação da República.
Neste
trabalho, como enfatizado anteriormente, considera-se o nascimento do Supremo
com a proclamação da república. Sendo assim, a periodização pode levar em conta
a própria história republicana, considerando-se,
Outra
forma de apresentar a história do Supremo é levando
Para
a leitura da história do Supremo sob a perspectiva do exercício de sua função
política, LEONARDO ANDRÉ PAIXÃO (2007, p. 112-114) propõe uma divisão
diferente, que leva em conta o maior ou menor grau de exercício da função
política da Corte Constitucional brasileira.
Para o autor, a história do Supremo deve ser analisada em sete períodos distintos: Fase Inicial (1891-1897) – período de implantação do Supremo, com grande rotatividade de ministros, marcado pela hesitação, em que “o Supremo Tribunal Federal ainda estava em busca de seu papel institucional na República recém proclamada”; Fase de Ampliação do Papel Institucional (1897-1926), fase de estabilidade do Órgão e da chamada Doutrina Brasileira do Habeas Corpus, onde o Supremo delineia seu papel como Poder; Fase da Contenção Imposta (1926-1945), “período durante o qual vários setores políticos consideraram que o Supremo Tribunal Federal tinha ‘ido longe demais’ e procuraram refrear sua capacidade de exercer função política”; Fase da Contenção Voluntária (1945-1964), fase em que, estando afinado o Legislativo e o Executivo, o Supremo retoma suas prerrogativas de órgão político; Fase de Enfrentamento (1964-1968), período marcado por um conjunto de atos atentadores contra a independência do Supremo, por meio dos chamados Atos Institucionais outorgados pela Governo Militar mas que, apesar disso, o STF fez com que a Constituição e a legislação fossem observadas; Fase de Esvaziamento da Competência (1968-1988), “período marcado pelo pouco espaço jurídico remanescente para que o Supremo Tribunal Federal exercesse função política.”; Fase da Retomada do Exercício das Funções Políticas (de outubro de 1988 até nossos dias), faze em que há uma ampliação do papel do Poder Judiciário e uma ativa participação política do Supremo.
6. A HISTÓRIA DO DIREITO COMO ACONTECIMENTO
EXTERNO E INTERNO: CONJUNTURA NACIONAL E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, NO PERÍODO
DE
O
corte histórico a ser empreendido neste trabalho leva em conta um período
político democrático e populista, onde vigeu uma Constituição promulgada e não
outorgada,
Em suas funções políticas, o Supremo tem de ser visto como Corte Constitucional e não como órgão de cúpula do Judiciário. É que no Brasil o STF desempenha essas duas funções: guardião da Constituição e órgão de cúpula ou típico tribunal de cassação.
A atuação do Supremo pode ser enquadrada em quatro tipos diferentes de manifestações políticas: separação dos poderes; federalismo; direitos fundamentais e funcionamento das instituições democráticas.
Por seu turno, a idéia de crime político está ligada à de standard jurídico, ou seja, de verdadeiro conceito aberto pelo qual seu conteúdo varia de textura no tempo e no espaço. Os autores têm convergido para dois critérios definidores de crimes políticos: o objetivo e o subjetivo. O primeiro refere-se à qualidade do bem jurídico violado. O último refere-se à vontade do agente, isto é, o fim que motivou sua conduta.
Aqui não se quer entrar na tese de NILO BATISTA de que todo crime é político:[5]
O que há é o seguinte: o Estado do Bem-Estar tinha um sistema penal que, como todo sistema penal, era uma coisa destrutiva, negativa, porque a pena é o pior modelo de decisão de conflitos. Quando você criminaliza um conflito, faz uma opção política. Não existe um crime natural. Todo crime é político. Nos anos 70, eu me lembro que o Augusto Thompson, que é uma grande figura, deu uma resposta maravilhosa numa conferência, a um aluno que perguntou, “professor, qual é a diferença entre criminoso comum e criminoso político?”, e o Thompson falou, “a diferença é que o comum também é político, só que ele não sabe”.
O
porquê do marco inicial em 1946 para analisar a história do Supremo está
intimamente relacionado à criação da ESG – Escola Superior de Guerra, em 1948.
Também serve para demonstrar que a aplicação da Lei de Segurança Nacional
contra certos “subversivos”[6] não
ficou adstrita ao período do Regime Militar inaugurado com o golpe de 1º de
abril de
Isso tudo é o lado interno do acontecimento histórico que ora se inicia a narrativa. Desvendar a posição do Supremo, no exercício de função política, em um período de liberdades democráticas.
7. A ORIGEM DA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA:
POSITIVISMO COMTIANO, MISSÕES ESTRANGEIRAS E DOUTRINA DA GUERRA TOTAL.
A
Escola Superior de Guerra (ESG) resultou de estudos desenvolvidos por um grupo
de militares preocupados com as conseqüências da recém-terminada Segunda Guerra
Mundial.
Em
1948, o
Em
dezembro daquele ano, o General-de-Divisão Oswaldo Cordeiro de Farias foi
colocado à disposição do EMFA, para elaborar o anteprojeto do regulamento da
Escola Superior de Guerra, juntamente com o Coronel-Aviador Ismar P. Brasil, o
Tenente-Coronel Affonso Henrique de Miranda Corrêa, o Capitão-de-Fragata Celso
A. de Macedo Soares Guimarães e o Tenente-Coronel Idálio Sardenberg. A Missão
Militar americana já se encontrava no Brasil. Um documento elaborado, por este
último oficial, com o título de Princípios
Fundamentais da Escola Superior de Guerra, serviu de base para a redação do
Regulamento da ESG.
Desta
maneira, pela Lei n° 785, de 20 de agosto de 1949, foi "criada a Escola
Superior de Guerra, um instituto de altos estudos, subordinado diretamente ao
Ministro da Defesa e destinado a desenvolver e consolidar os conhecimentos
necessários para o exercício das funções de assessoramento e direção superior e
para o planejamento da segurança nacional". Acrescentava a Lei que a ESG
deveria funcionar como centro permanente de estudos e pesquisas, ministrando
cursos que fossem instituídos pelo Poder Executivo.
A
Escola foi idealizada, em princípio, para ministrar o Curso de Alto Comando
apenas para militares, entretanto, terminou sendo organizada para receber,
também, civis, sendo criado o Curso Superior de Guerra (CSG). O curso
destinado, exclusivamente, para militares, Curso de Estado-Maior e Comando das
Forças Armadas (CEMCFA) começou a funcionar em 1954.
O
General Cordeiro de Farias foi o primeiro Comandante da ESG, no período de 1°
de setembro de
No
dia 15 de março de 1950, com a presença do então Presidente da República,
General Eurico Gaspar Dutra, iniciou-se o ano letivo da ESG, sendo a Aula
Inaugural proferida pelo
Para
ADRIANA
Os militares sempre estiveram atrelados aos civis para a manutenção do governo. Com efeito, a Guerra do Paraguai aflorou no Exército um espírito de corpo, orgulhoso da vitória, e de ressentimentos com as lideranças políticas, com a convicção de que as “questões de defesa só serão pelos próprios militares”[8].
Outro fator importante na defesa da intervenção militar na política foi o conceito de “soldado-cidadão”, “segundo o qual os militares eram considerados cidadãos fardados aos quais não se poderia negar direito de participar na vida política do país”. Hoje, no Brasil, o Ministério da Defesa mantém um Projeto intitulado “Soldado-Cidadão”, que tem[9]
... por finalidade fornecer uma qualificação profissional aos militares das Forças Armadas, permitindo aos que serão licenciados, por término do tempo de Serviço Militar, enfrentarem o mercado de trabalho em melhores condições.
Com a República o Exército tornou-se a armada hegemônica, tendo duplicado seu contingente e passado a ter forte atuação no cenário político. Em 1906, sob o comando do Marechal Hermes da Fonseca, nomeado Ministro da Guerra, iniciou-se a modernização da Força, com o intercâmbio feito com o Exército Alemão. Jovens oficiais brasileiros foram treinados pelos Alemães e, em 1913, fundaram a revista “Defesa Nacional”, ainda hoje publicada, com a finalidade de difundir idéias e conhecimentos.
Devem-se
aos Jovens Turcos[10]
a proposta de tornar obrigatório o alistamento militar, sob o fundamento
seguinte, como escreve ADRIANA
Esse
processo de modernização do Exército recebeu importante apoio na década de 20
quando o Brasil recebeu a Missão Militar Francesa, que introduziu os estudos de
guerra no Exército. Outro avanço na modernização foi a adoção de novas regras a
carreira de militar, onde a formação profissional de cada oficial passou a ser
considerada, substituindo-se a antiga forma de promoção assentada no
apadrinhamento político.[11] Entre
todas as mudanças ocorridas pela influência da Missão Francesa a mais
importante, para ADRIANA
Essa reestruturação, associada à triplicação do efetivo do Exército durante a década de 20 em conseqüência da lei do serviço militar obrigatório, possibilitou a implantação de uma nova estrutura organizacional, na qual os pequenos destacamentos foram substituídos por grandes unidades de acordo com um planejamento nacional, sem grande interferência das oligarquias locais. Essas unidades foram redistribuídas geograficamente em função de um conceito estratégico de defesa territorial influenciado pela ocupação francesa do Magreb africano e da campanha militar da Primeira Guerra Mundial.
No governo Vargas (1930) os militares foram aliados de primeira hora. O apoio ao movimento decorreu da “visão predominante entre os oficiais de que o país era governado por uma elite corrupta e incompetente, voltada somente para a defesa de seus próprios interesses”.[12]
A
visão política do Exército, relativa ao movimento de 30, pode ser resumida na
posição do
A
política do Exército é a preparação para a guerra, e esta preparação interessa
e envolve todas as manifestações e atividades da vida nacional, no campo
material – no que se refere à economia, à produção e aos recursos de toda a
natureza – e no campo moral, sobretudo no que concerne à educação do povo e a
formação de uma mentalidade que sobreponha a tudo os interesses da pátria,
suprimindo, o quanto possível, o individualismo ou qualquer outra espécie de
particularismo.
O
pensamento do general Góes Monteiro vai ao encontro da teoria da guerra total idealizada pelo general Alemão Enrich
Lundendorff, citado por ADRIANA
Contada a mesma história por outro ângulo de observação, ÂNGELO PRIORI (2007, p. 1), Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá, escreve:
O grupo militar que tomou o poder em 1964 vinha de uma tradição militar mais antiga, que remonta à participação do Brasil na II Guerra. A participação do Brasil ao lado dos países aliados, acabou sedimentando uma estreita vinculação dos oficiais norte-americanos e militares brasileiros, como os generais Humberto de Castelo Branco e Golbery Couto e Silva.
Terminada a guerra, toda uma geração de militares brasileiros passaram a freqüentar cursos militares norte-americanos. Quando esses oficiais retornavam dos EUA, já estavam profundamente influenciados por uma concepção de “defesa nacional”. Tanto que alguns anos mais tarde vão criar a Escola Superior de Guerra (ESG), vinculada ao Estado Maior das Forças Armadas. Essa escola foi estruturada conforme sua similar norte-americana National War College.
Nos
dez anos que vão de
Foi dentro da ESG que se formulou os princípios da Doutrina de Segurança Nacional e alguns dos seus subprodutos, como por exemplo, o Serviço Nacional de Informações (SNI). Essa doutrina, que vai virar lei em 1968, com a publicação do decreto-lei no. 314/68, tinha como objetivo principal identificar e eliminar os “inimigos internos”, ou seja, todos aqueles que questionavam e criticavam o regime estabelecido. E é bom que se diga que “inimigo interno” era antes de tudo, comunista.
8. A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA DE SEGURANÇA
NACIONAL E DESENVOLVIMENTO.
Em sua variante brasileira, a Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento constitui um corpo orgânico de pensamento que inclui uma teoria de revolução e subversão interna, uma teoria do papel do Brasil na política mundial, e um modelo específico de desenvolvimento econômico associado-dependente que combina elementos da economia keynesiana ao capitalismo de Estado.
Tratava-se,
com efeito, de verdadeiro projeto de redenção nacional, que cobria elementos
políticos, sociais, econômicos e militares, tendo como protagonista principal
os militares, de acordo com a concepção de mundo forjada pela ESG.
ADRIANA
1) A segurança nacional, definida como o grau relativos de que garantia que o Estado pode proporcionar à Nação por meio de ações políticas, econômicas, psicossociais e militares, para, superando os antagonismos, conquistar e manter os objetivos nacionais permanentes.
2)
O poder nacional, tido como a
capacidade que tem o conjunto integrante dos homens e dos meios que constituem
a Nação, atuando na conformidade da vontade nacional, de alcançar e manter os objetivos nacionais, que podem ser: a) permanentes, quando formados por ‘elementos estáveis’ na opinião de
seus formuladores com a democracia, a integração nacional, a integridade do
patrimônio nacional, a
Em resumo: pode-se dizer que o pensamento estratégico militar brasileiro partiu de três fontes para definir a Doutrina de Segurança Nacional: o positivismo, como pensamento filosófico reinante; a influência das missões militares estrangeiras; e das teorias geopolíticas disponíveis, através da noção de guerra total.
9. A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA DE SEGURANÇA
NACIONAL.
Neste período, a competência para conhecer e julgar causas envolvendo a aplicação desses diplomas legislativos foi confiada ao Tribunal de Segurança Nacional, criado dois anos antes, em 1936.[14]
Além da limitação imposta ao Judiciário para concessão de habeas corpus, foi editada a Lei do Mandado de Segurança, importante instrumento para a defesa de direitos e garantias que não constituíssem lesão ao direito de locomoção.[15]
Sob a influência da Doutrina da Segurança Nacional esguiana, foram publicados dois importantes diplomas legais envolvendo a matéria de segurança nacional: a Lei de Imprensa e a Nova Lei de Segurança Nacional.[16]
No
art. 3º, a lei prevê a pena de reclusão de
Pelo
art. 5º, a tentativa de mudar, por meios violentos, a Constituição, no todo ou
em parte, ou a forma de governo por ela estabelecida, constitui crime cuja pena
é de reclusão de
A
reorganização ou simples tentativa de partido político ou associação
dissolvidos por força de lei ou fazer funcionas nas mesmas condições quando
legalmente suspenso, implica na pena de reclusão de
O
exercício do direito de greve, ou apenas a tentativa, assim como a
desobediência civil, desde que constitua paralisação de serviços públicos ou de
abastecimento da cidade, constitui crime.
Em matéria competencial, ficou reservada à Justiça Militar, na forma da legislação processual respectiva, o processo e julgamento dos crimes previstos nos arts. 2º, incisos I a III, 6º, quando a vitima for autoridade militar e, finalmente, 24, 25, 26, 27, 28 e 29. Nos demais crimes definidos na lei, competem à Justiça ordinária, com recurso para o Supremo Tribunal Federal (Constituição, art. 101, II, c) e serão regulados pelo disposto no Código de Processo Penal.
Em
matéria de prisão cautelar, durante a fase policial e o processo, a autoridade
competente para a sua formação, ex-officio, a requerimento fundamentado
do representante do Ministério Público ou de autoridade policial, poderá
decretar a prisão preventiva do indiciado, ou determinar a sua permanência no
local onde a sua presença for necessária à elucidação dos fatos a apurar. A
ordem será dada por escrito, intimando-se por mandado o interessado e
deixando-se cópia do mesmo
10. UMA VISÃO GERAL DOS JULGADOS DO SUPREMO SOBRE CRIMES POLÍTICOS.
No
período investigado, funcionaram como Relatores ou Relatores para o Acórdão os
seguintes Ministros:[17] Abner
de Vasconcelos, Afrânio Antônio da Costa, Aníbal Freire, Ary Franco, Barros
Barreto, Cândido Motta, Edgard Costa, Edmundo Macedo Ludolf, Gonçalves de
Oliveira, Hahnemann Guimarães, Henrique D'Ávila, Lafayette de Andrada, Luiz
Galloti,
Em
pesquisa realizada no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal, no dia 27
de agosto de 2007, às 09H03, com a expressão de busca “crimes políticos” e
“crime político”, no período de 1º de janeiro de
Do total dos acórdãos lidos e analisados, 16,83% chegaram ao Supremo em razão de sua competência originária e 82,89% em grau de recurso, seja recurso criminal (RC), apelação criminal (ACR) ou recurso em habeas corpus (RHC).
A pesquisa aponta, quanto ao aspecto regional, que a maior concentração de demandas junto ao Supremo veio do Sudeste (85,53%), seguido do Sul (9,21%) e, logo em seguida, do Nordeste (5,26%). Não aparece nenhum julgado com origem nas regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil. A conclusão que se pode chegar é que se trata de um período em que os crimes políticos, à luz da lei de segurança nacional, concentraram-se nos centros urbanos mais desenvolvidos do Brasil.
Quanto ao enquadramento legal da conduta descrita como crime político, 5,26% dos acórdãos não apresentam nenhuma identificação; 36,84% dos acórdãos remetem ao Decreto-Lei nº 431/1938; 46,05% enquadram na Lei nº 1.802/53; e o restante, 11,84%, a outros diplomas legislativos.
Em
69,74% dos casos o Supremo decidiu à unanimidade de votos; e em 30,26% por
maioria de votos. A grande divergência residia em saber se o fato de alguém
portar, sem divulgar, material subversivo consistiria ou não
No Primeiro Grau de Jurisdição, pela análise dos acórdãos, pode-se apresentar os seguintes resultados: em 67,11% dos casos considerou-se a existência de crime político; em 35,53% dos casos há menção expressa de o crime político ter ferido a segurança nacional; em 32,89% dos casos, expressamente, há alusão ao fato de o crime político ter violado a ordem pública; e, finalmente, em 69,74% dos casos houve prisão dos envolvidos.
O Ministério Público de Primeiro Grau, em 97,37% dos casos, por ser titular da ação penal, além de oferecer denúncia, pediu a prisão dos envolvidos. Relativamente ao Órgão Ministerial com atuação junto ao Supremo, só é possível saber a posição adotada em 55,26% dos casos. Neste universo, em 66,67% dos casos o Parquet não pede a condenação.
Dos crimes entendidos como políticos, em 26,32% dos casos o Supremo concluiu que houve violação à segurança nacional, contra 22,37% por ferimento à ordem pública.
Em 18,42% dos casos o Supremo deu por sua incompetência, mandado que os autos fossem remetidos aos Tribunais locais para julgamento dos recursos.
A maioria dos acórdãos versa sobre liberdade de manifestação de pensamento, envolvendo militares e civis. Há casos envolvendo o exercício do direito de greve. São poucos os julgamentos sobre a federação. Tem um caso de típico erro judicial grosseiro, em que o réu havia praticado crime comum, mas estava respondendo por crime político.
Em geral, a prisão, com base na Lei de Segurança Nacional, era feita pelo Delegado de Polícia e o Ministério Público de 1º Grau oferecia denúncia. Nem sempre é possível concluir sobre o posicionamento do Órgão Ministerial de 2ª Instância, pois inexistente, em grande parte dos julgados, referência à essa posição, seja no relatório ou nos votos.
No Juiz singular, as decisões, quase sempre, davam pela condenação. Advinda a sentença condenatória, necessariamente, por conta da remessa oficial, ou mesmo em virtude da interposição de recurso voluntário, os autos chegavam ao Supremo, após parecer do Parquet.
A lei aplicada, majoritariamente, foi a de nº 1.802/53, seguida do Decreto-Lei nº 431/35. O Supremo, com a Constituição de 1946, entendeu pela não recepção do Decreto-Lei ante o novo texto Constitucional. Em algumas oportunidades o STF aplicou a Lei de Imprensa.
11. AS RAZÕES DE FATO DAS DEMANDAS.
Sabendo-se que a expressão de busca recaiu sobre “crime político”, o agrupamento dos acórdãos, no período sob investigação, para fins de facilitação expositiva neste segmento, respeitará natureza do fato tipificado como conduta delituosa, dentro de uma relação direta com outro direito sob tutela, a saber, (a) crime político versus direitos individuais (liberdade de associação; liberdade de manifestação do pensamento; etc.); (b) crime político versus direitos sociais (direito de greve e demais direitos trabalhistas); (c) crime político versus liberdade de imprensa; e (d) temas diversificados (crimes comuns, crimes de guerra, levantes, motins, etc.).
Há um caso de prisão preventiva de três sargentos, que portavam boletins subversivos encontrados no automóvel que os levava ao quartel.
Detenção da paciente, em flagrante, por distribuir jornais, panfletos e boletins a operários da fábrica com ânimo deliberado de incitar luta de classes.
Prisão em flagrante do réu portando panfletos relativos ao Congresso Continental de Solidariedade a Cuba.
Preso em flagrante por pichação, como ato de protesto contra a República Francesa, devido à guerra das lagostas.
Réu detido ilegalmente, por investigadores do Departamento de Ordem Política e Social, ao distribuir boletim comunista quando da ocorrência de plebiscito.
Paciente denunciado por crime comum e por crime político, porque quis dar liberdade, à força, a uns lavradores presos.
Indiciados por instigar pessoas do povo contra autoridades do Município e a ordem legal, causando grave agitação social, e usando de grave ameaça tentaram arrebatar camponeses presos.
Preso por escrever manifesto incitando à rebelião as forças armadas. Prisão feita por autoridade incompetente, sem mandado judicial e sem comunicação da prisão à autoridade judiciária.
Prisão por reunião pública com motivos políticos sem consulta à polícia, nem designação prévia, nem pedido de lugar; e este não era o designado pelas autoridades locais para tal.
Guatemalteco preso sem qualquer ordem escrita da autoridade competente e por mais de quarenta e oito horas, constituindo prisão ilegal, apesar de desconhecer o motivo de sua prisão. Depois foi acusado de usar passaporte falso.
Paciente presa por propagar idéias extremistas, distribuindo boletins subversivos na cidade de Campinas.
Requerente confessou co-autoria do crime imputado e sua participação em atividade de organização de sociedade subversiva do Estado.
Apelante acusada de lesão corporal e atos que atentam contra segurança do Estado, ordem pública e segurança nacional, por portar panfletos subversivos em desfile militar.
Prisão em flagrante delito por fazer propaganda ideológica do Partido Comunista.
Preso, sem mandado, na casa do sogro e levado à cadeia, por estar lendo material considerado subversivo - jornal e manifesto – do Partido Comunista.
Pacientes denunciados e incursos, uns na penas do art. 9º, outros na do art. 10º, da Lei nº 1.802/53. Dessa sentença o juiz da causa recorreu ex-officio. Não houve recurso voluntário.
Sentença que negou o pedido de cancelamento de naturalização sob o argumento de prática subversiva e atividade nociva ao interesse nacional.
Após o suicídio de Vargas, o acusado, antigo integrante do Partido Comunista do Brasil, participou de motins em Belo Horizonte, quando a Capital mineira viu-se convulsionada por tumultos e depredações
Acusado de crime político por envolvimento em briga de correligionários que queriam que o acusado desistisse de deixar a agremiação partidária que houvera saído ao renunciar ao cargo de edil de Itanópolis-SP.
Preso por estar na posse de vários materiais considerados subversivos, por dizer respeito à causa comunista.
Preso pela autoridade policial por crime político - material subversivo, o Juiz concedeu o habeas corpus porque entendeu inexistente o crime político.
Réu preso por ser comunista e estar na posse de boletins e panfletos do Partido Comunista.
Concedido habeas corpus no primeiro grau e mantido no Supremo porque não é crime político. Os pacientes foram denunciados com incursos na Lei de Segurança Nacional.
Sentença que absolveu, por falta de prova, acusado de ter cometido crime contra a segurança nacional.
Denunciados com base na antiga Lei de Segurança Nacional, os réus foram absolvidos. Da sentença não houve recurso do Ministério Público
Denunciado por crime político, ao réu foi concedido habeas corpus pelo juiz de primeiro grau. O Ministério Público recorreu e houve remessa oficial.
Chauffer preso por portar folhetins do Partido Comunista e jornal da URSS. O Juiz a quo o absolveu, porque ninguém pode ser punido pelo delito de opinião.
Preso por portar grande quantidade de material de propaganda comunista. O Juiz monocrático o absolveu.
Tendo
sido denunciado como incurso no art. 3º, nº 25, do Dec.-Lei nº 431/38, o réu
foi absolvido da acusação de crime político, seguido de remessa oficial ao STF.
Ordem de habeas corpus impetrado em favor de réu condenado por crime político que estava cumprindo a pena em prisão comum quando a Lei de Segurança Nacional garantia-lhe a especial. O Juiz ordenador da prisão tinha ciência da situação do réu.
Preso por ordem do Ministro da Guerra sob a alegativa de cometimento de crimes capitulados no art. 3º, VIII e IX, do Dec.-Lei nº 431/1938.
Tendo sido denunciada como incursa na LSN, a ré foi absolvida da acusação de crime, seguido de remessa oficial ao STF.
O réu, conhecido comunista, foi preso por ter atirado uma garrafa de piche na vitrine da casa "Standard Oil Company". O Juiz o absolveu, muito "embora seja o acusado inegavelmente um comunista".
Integrantes
do Centro
Na madrugada de 26.11.50, o réu foi preso em flagrante quando distribuía o "Manifestos Prestes", com incitamento às massas para a luta violenta e de subversão ao atual regime político-social. Confessou-se comunista, cuja implantação importaria na igualdade de direitos. Foi condenado pelo Juiz monocrático.
Estrangeira presa com farto material subversivo, tendo confessado, perante a Polícia, que "vem se dedicando ao serviço do comunismo". Ao Juiz negou ter confessado ser comunista. O Juiz a absolveu por entender que inexistiu crime político, mas simples manifestação de pensamento.
Preso com material subversivo, com passado de militante comunista, foi condenado a 2 anos e 6 meses de reclusão.
Presa com material subversivo, sem, conduto, ter sido provada a sua divulgação, a ré foi condenada.
Presos por portarem boletim convidando o povo para a Conferência da Paz, proibida, pelo Ministro do Interior, por seu caráter subversivo, mas autorizada por decisão judicial. O Juiz não condenou por entender não ter havido crime.
Preso porque distribuía, dentro de um bonde que trafegava em zona freqüentada por operários, boletins com dizeres subversivos que chamava de "tubarões" magistrados, deputados, generais e industriais, e onde pedia a mobilização contra aprovação da nova LSN. Foi absolvido em 1º grau.
Preso e condenado a 2 anos de prisão por distribuir e guardar em seu poder panfletos que exaltam o aniversário de um líder totalitário, no caso, o camarada Stalin, e por preconizar a subversão à ordem pública.
O réu foi condenado porque a polícia apreendeu, em sua residência, impressos de propaganda de candidato a deputado federal considerado comunista, jornais e vários “Manifestos Prestes”.
Denunciados por se entregarem de diversas formas a propaganda comunista entre lavradores e por organizarem uma entidade que tinha por finalidade a subversão da ordem social e política. O Juiz rejeitou a denúncia.
Presos em flagrante delito enquanto se reuniam em local fechado visando a organização do PCB local. Foram denunciados por crime político e, em seguida, por crime comum. Pelo crime político o STF concedeu habeas corpus anterior e agora aprecia o habeas corpus pelo crime comum.
Acusados de missão de propaganda de credo comunista, entraram numa oficina e distribuíram jornais e boletins aos operários.
Através da agremiação SHINDO-ROMMEI os acusados forçaram, pelo terror, os nipônicos não filiados àquela associação a admitirem que as Nações Unidas foram vencidas na segunda Grande Guerra. Foram condenados a 2 anos e 4 meses de prisão.
A acusada foi absolvida da acusação de propaganda comunista e de injúria aos poderes públicos. Houve remessa oficial.
12. CRIME POLÍTICO VERSUS DIREITOS SOCIAIS.
Crime contra a organização de trabalho por greve dos transportes de carga e procurar, em piquetes, impedir outros de trabalhar, causando interrupção de serviço de interesse coletivo.
Preso por tentar convencer empregados a aderir à greve liderada pelo Sindicato Rodoviário e Anexos do Estado da Guanabara.
Presos por promover agitados comícios populares, incitando o trabalhador à greve, atentando contra ordem política e social.
Presos por autoria de violências e atrocidades e por participar do bando de Porecatú, induzindo empregados e empregadores a cessação ou suspensão de trabalho, bem como por fazer reivindicação de terras.
Preso por Delegado, em flagrante, tendo o juiz concedido habeas corpus por tratar de grevista e não haver norma proibindo a greve pacífica, podendo, no máximo, ter ocorrido crime comum.
Vereador foi preso porque recebia, na sede do partido, camponeses e os orientava no sentido de obterem férias. Também foi denunciado por ter em seu poder material subversivo.
13. CRIME POLÍTICO VERSUS LIBERDADE DE IMPRENSA.
Jornalista preso e condenado, com suspensão condicional da pena, por suposto crime político e de imprensa.
Denúncia decorrente de publicação, na imprensa, do projeto de estatuto de novo partido: crime político cuja punibilidade já se fazia extinta pela prescrição que atingiu todas as publicações, exceto três delas.
Jornalista denunciado por publicar artigos em jornal, provocando animosidade entre as classes armadas, ou delas contra as classes ou instituições civis.
Crime de injúria e calúnia por meio da imprensa não constitui crime político.
Conflito de competência entre a Justiça Comum e a Militar em razão de o Juiz comum ter declinado para a Justiça Militar o julgamento de acusado de crime político, no caso, o proprietário do Jornal "O Popular", com nítida inclinação comunista e, também, por haver incitado a massa proletária à subversão.
14. TEMAS DIVERSIFICADOS.
Em outro, o Superior Tribunal Militar condenou paciente anistiado por propaganda desmoralizadora do governo, por tentar quebrar o moral e aliciar as tropas a desertarem.
Pacientes acusados de receptação culposa pedem o reconhecimento ao Superior Tribunal Militar da competência do juízo de direito da Comarca de Duque de Caxias para conhecer dos fatos.
Crime de homicídio praticado por autoridade pública contra presidente de Tribunal local, por motivo vinculado ao exercício da função de presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Crime comum em 1ª Instância. Crime político em 2ª instância. Acusado confessou ter ido ao gabinete do Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para praticar o crime de homicídio.
Pacientes, participantes do Movimento de Aragarças, impetram pedido de habeas corpus alegando incompetência da Justiça Militar.
Usina solicitou aos responsáveis pela higiene e saúde públicas sustação da venda do leite cru à população. Depois fez contratos sem contentar rivais, havendo danos materiais e lesões diversas
Militar preso e recolhido ao Quartel General da Terceira Zona Aérea, por participar do episódio de Aragarças.
Condenado a morte por Tribunal Francês por crime de traição: participação em empreendimento tendente à desmoralização do exército ou nação em tempo de guerra. Foi ameaçado de prisão e de extradição.
Menor preso por doença venérea que põe em risco saúde de terceiros.[18]
Mulher adentra no pleno da câmara de vereadores e lança ofensas contra edil em revide a ofensas que este lhe fizera.
Crime comum de injúria julgado, como tal, pelas instâncias ordinárias e pelo Supremo Tribunal Federal.
Denunciado porque em frente da casa do Denunciante havia um telefone público que, necessitando dele fazer uso em razão de doença em membro de sua família, o Réu foi por ele impedido. A denúncia foi por incitação e atentado contra autoridade pública.
Mais de uma dezena de pessoas foram presas e condenadas por terem tramado uma tentativa de revolução agrária, com planos para subverter a ordem e atentar contra pessoas e coisas.
15. AS RAZÕES DE DIREITO DO SUPREMO NA SOLUÇÃO
DOS LITÍGIOS ENVOLVENDO A APLICAÇÃO DA LEI DE SEGURANÇA NACIONAL.
Adentrando no mérito das decisões, a pesquisa revela que, dos acórdãos disponíveis e analisados, 65,79% versaram sobre a tensão direitos fundamentais versus segurança do Estado; 7,89% sobre a tensão direitos sociais versus segurança do Estado; igual percentual, ou seja, 7,89% entre a tensão liberdade de imprensa versus segurança do Estado. O restante fica para crimes comuns (11,84%); crimes militares ou de guerra (3,95%); e 2,63% para assuntos ligados a “movimentos revolucionários”.
Em geral, a conformação da Lei de Segurança Nacional pelo Supremo levou em consideração os princípios da Constituição relativamente aos direitos fundamentais.
Exemplos claros podem ser vistos nas seguintes passagens:
RC 1045/RJ – Relator Ministro Gonçalves de Oliveira
Como já tenho ponderado, em outras decisões, a aplicação da lei de Segurança deve ser limitada a extremos necessários sem o que neutralizaria os princípios mais fundamentais da Constituição da República entre êles o da liberdade de manifestação do pensamento.
RHC 39770/SP – Relator Ministro Cândido Motta
... a simples divulgação de doutrina, sem incitamento direto, sem orientação expressa, direta e inequívocamente dolosa no sentido irretoquível de transformação, pela violência do ‘status’ político e social vigente, não falar na aplicação dos dispositivos da Lei nº 1802, de 5 de janeiro de 1953.
Quanto aos direitos sociais, dentre eles o próprio direito de greve, o Supremo não lhes retirou eficácia, muito embora não tenha tido uma posição favorável ao exercício do direito de greve. No julgamento da ACR 1451/SP houve uma divisão entre os que defendiam o direito de greve como direito fundamental e os que pugnavam pela mitigação desse direito.
A passagem colhida do voto vencido do Ministro Orozimbo Nonato vai ao encontro da primeira tese:
O que êles pregam ou insinuam é a luta organizada para impedir a aprovação do projeto da nova Lei de Segurança, sem referir-se a meios violentos, e o uso da greve para o fim de aumento de salários, igualmente sem dizer que a greve deva ser violenta, de modo a afetar a segurança do Estado ou a ordem político-social. A greve pacífica foi erigida pela Constituição vigente, errada ou acertadamente, entre os direitos fundamentais, de modo que pregá-la não pode constituir crime.
Não foi esta a posição adotada pelo Supremo no deslinde da questão. Prevaleceu a tese segundo a qual o exercício do direito de greve perde para a segurança do Estado. O voto proferido pelo Ministro Abner de Vasconcelos ressalta o caráter contrário à ordem pública do fatos postos em julgamento:
... a impressão colhida através do
relatório e da discussão dos eminentes Ministros que me antecederam, deixou-me
a convicção de que, no caso, se trata de uma manobras destinada a expandir
idéias contrárias ao regime [aqui a referência é ao regime democrático] e à
ordem pública, verdadeira propaganda
Ainda sobre o tema – direitos sociais -, na ACR 1567/RJ, da relatoria do Ministro Gonçalves de Oliveira, a posição do Supremo foi pela inexistência de crime político na manifestação dos envolvidos:
... é condição essencial para que um crime contra a organização do trabalho seja considerado crime político, que se inspire numa intenção política, obedeça ao intento de subverter a ordem social e política.
A principal argumentação utilizada para aplicar a Lei de Segurança Nacional em detrimento das garantias individuais, sociais e, ainda, a liberdade de imprensa, estava o valor “proteção do regime democrático” adotado no país desde a proclamação da República.
A hipótese era de aplicação do art. 141, § 5º, da Constituição vigente, que inadmitia a “propaganda de processos violentos para subverter a ordem política e social.”[19]
No julgamento da ACR 1445/SP, o Ministro Macedo Ludolf entende que o exercício da liberdade de imprensa que propaga processos violentos para subverter a ordem política e social implica em atentado contra o regime republicano e democrático,
... é certo, constituem um incitamento à reação e à luta, em sentido já por todos conhecido, ou seja, com o fito indisfarçável de destruir o regime republicano e democrático, entre nós instituído.
Essas são, em linhas gerais, as razões de fato das demandas.
16. TABELAS.
16.1 Processos julgados pelo Supremo
16.2. Lei na qual o envolvido foi enquadrado.
16.3 Resultado do julgamento no Supremo.
16.4 Resultado no 1º Grau de Jurisdição.[20]
16.4.1 Houve crime político?
16.4.2 Feriu a segurança nacional?
16.4.3 Feriu a ordem pública?
16.4.4 Houve condenação/prisão?
16.5 Posicionamento do Ministério Público.
16.5.1 O Ministério Público de 1ª Instância pediu a condenação/prisão?
16.5.2 O Ministério Público junto ao Supremo pediu a condenação/prisão?
16.6 Resultado no Supremo Tribunal Federal.
16.6.1 Houve crime político?
16.6.2 Feriu a segurança nacional?
16.6.3 Feriu a ordem pública?
16.6.4 Houve condenação/prisão?
17. PARA CONCLUIR.
A história do Supremo Tribunal Federal pode ser contada sob vários ângulos de observação. Para os fins do presente trabalho, que cuida dos crimes políticos, a história do Supremo está atrelada à Lei de Segurança Nacional, gestada dentro da Escola Superior de Guerra, fruto da Doutrina da Segurança Nacional, que vivia a idéia de guerra total, tendo como aliado estratégico do Brasil os Estados Unidos da América, e, como inimigo externo as idéias econômicas, políticas e sociais, capitaneadas pela antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, e, como inimigo interno, os que, em terras brasileiras, eram rotulados de “comunistas”.
A Lei de Segurança Nacional data de 1953. Daí a razão do marco inicial desta monografia ser o ano de 1946, data em que foi promulgada a nova Constituição, considerada republicana e democrática. Período conturbado pela tensão da guerra fria que se iniciava.
Como
pode ser observado, embora sob o manto de Constituição democrática, o Supremo
Tribunal Federal não titubeou
A pesquisa revela que as causas postas a julgamento do Supremo advieram, sobretudo, dos grandes centros urbanos brasileiros, concentrando-se na região Sudeste, com destaque para São Paulo e Rio de Janeiro.
Muito embora o Supremo apreciasse a causa à luz da Lei de Segurança Nacional, a fim de garantir-lhe a competência, na maioria dos casos não houve a condenação dos envolvidos.
O Ministério Público de primeiro grau, como titular da ação penal, foi um fervoroso acusador do inimigo “comunista”, tendo oferecido denúncia em quase todos os casos que foram julgados pelo Supremo.
Referências.
ALVES,
MARQUES, Adriana Aparecida. Concepções de defesa nacional no Brasil: 1950-1996. Campinas: [Dissertação de Mestrado], Universidade Estadual de Campinas, 2001.
PAIXÃO, Leonardo André. A função política do Supremo Tribunal Federal. São Paulo: [Tese de Doutorado], Universidade de São Paulo, 2007.
RABINOVICH-BERKMAN, Ricardo D. Una Viaje por la Historia del Derecho. Buenos Aires: Editorial Quorum, 2004.
SILVA, Nuno
[1] Professor de Direito Civil da Universidade Federal do Piauí e da Faculdade Piauiense. Doutorando em Direito. Advogado.
[2] Essa é a posição
de FUNARI E NOELLI (2006, p. 9), quando escrevem: - “O Brasil é um país surgido em 1822, com menos de duzentos anos.”.
[3] Sobretudo no que
se refere às funções do Estado.
[4] Cf. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio. Verbete “país”: - “Do francês pays e este do latim page(n)se.”.
[5] Nilo Batista, entrevista em agosto de 2003, à revista Caros Amigos.
[6] Termo pejorativo utilizado para carimbar os militantes de esquerda no Brasil.
[7] No endereço eletrônico https://www.esg.br/esg.html, acesso em 25 de agosto de 2007.
[8] Cf. ADRIANA
[9] https://www.defesa.gov.br/projeto_soldado_cidadao/index.php?page=oquee, acesso em 05 de janeiro de 2008.
[10] Jovens Turcos ou Germanófilos é a referência ao grupo de
oficiais brasileiros estagiaram na Alemanha. Cf. ADRIANA
[11] Cf. ADRIANA
[12] Cf. ADRIANA
[13] Itálicos no original. 2001, p. 44.
[14] Lei nº 224, de 11 de setembro de 1936.
[15] Lei nº 191, de 16 de janeiro de 1936.
[16] Respectivamente, Lei nº 2.083, de 12 de novembro de 1953; e Lei nº 1.802, de 5 de janeiro de 1953.
[17] A expressão “relator para o acórdão” é usada quando o relator original resta vencido. Assim, o primeiro voto divergente que abre a maioria passa a ser o “relator para o acórdão”.
[18] Caso demorado e típico erro judicial grosseiro. A ação foi processada como crime político quando, em verdade, tratava-se de crime contra a saúde de terceiros.
[19] ACR 1445/SP, Relator Ministro Macedo Ludolf.
[20] Apenas considerando os dados existentes na íntegra dos acórdãos e sem consulta aos autos do processo.