AS LIÇÕES DE SAVIGNY

Henrique Olegário Pachêco[1]

 

 “Mientras no tengamos conciencia de nuestra conexión individual con el gran todo del mundo y su historia, tenemos necesariamente que ver nuestras ideas bajo una falsa luz de generalidad y naturalidad. Contra esto solo nos protege el sentido histórico, cuya aplicación más difícil es la de dirigirlo precisamente contra nosotros mismos”.

Savigny[2]

 

1. Introdução 2. Vida e obra de Savigny 3. O Contexto Sócio-Político-Cultural de Savigny 3.1 Escola Histórica 3.2 O Movimento da Codificação 3.3 A Codificação na Alemanha 3.4 A Controvérsia de THIBAUT X SAVIGNY 3.4.1 Articulação das ideias de THIBAUT 3.4.2 Articulação das ideias de SAVIGNY 3.4.3 Conclusão do Embate 4. Conceito Cultural de Povo 5. A Historicidade do Direito como Fundamento do Método de Savigny 5.1 Os sentidos de Histórico e Sistemático: uma ideia herdada? 5.2 O Conceito de Histórico na Teoria do Método de Marburgo (1803) 5.3 A Concepção de História em  System des heutigen Römischen Rechts. 6. A Metodologia de Savigny 6.1 Retrospectiva Histórica da Interpretação aos Olhos de Savigny 6.2 Filosofia e Sistema 6.3 Rumo “Positivista-Legalista” dos Escritos da Juventude 6.4 Parte Filológica 6.5 Interpretação de Leis Defeituosas 6.6 Parte Histórica 6.7 Parte Sistemática 6.8 A Comum Convicção Jurídica do Povo. A Instituição e as Regras Jurídicas 6.9 Interpretação das Regras Contidas na Lei 6.10 Pontos Específicos da Interpretação no Sistema X Escritos da Juventude 6.10.1 Interpretação teleológica 6.10.2 Interpretação extensiva e restritiva 6.10.3 Integração das lacunas por analogia 7. Palavras Finais  8. Bibliografia

 

 

 

 

 

1    INTRODUÇÃO

 

As considerações que se seguem circunscrevem-se ao tema delimitado no próprio título do trabalho, de maneira singular na parte que se refere à metodologia desenvolvida por FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY, no curso de sua produção jurídico-literária, na primeira metade do Século XIX.

SAVIGNY representa um rompimento com uma maneira de trabalhar o material jurídico, propondo e aplicando, desde logo, uma nova hermenêutica, que marcaria para sempre a ciência jurídica.

Conferida a importância real devida àquele que, com justiça, foi considerado o cabeça da Escola Histórica, SAVIGNY igualmente deixou para a posteridade uma reflexão metodológica imprescindível. De tal modo que os livros de interpretação jurídica que se lhe sucederam seguem até os dias actuais repetindo suas lições, e os Tribunais europeus de filiação hermenêutica romano-germânica seguem aplicando seu método, com acréscimos incapazes de desfigurar o quadro básico traçado por essa reflexão.

 A importância desenhada no quadro histórico do direito e seus reflexos na actualidade constituem a razão principal para trazer referido autor para o centro do presente estudo. Até porque, sua importância é tal que ele constitui a síntese de uma era e premissa de um novo tempo na interpretação da ciência jurídica.

A pesquisa, de cunho eminentemente bibliográfico apresenta os seguintes limites: não se valerá aqui das obras escritas em alemão, por ser lamentavelmente um idioma estranho ao pesquisador. Por isso, como fontes directas, deu-se preferência aos textos em espanhol das três obras pilares para a compreensão do método de SAVIGNY – Metodología Jurídica, THIBAUT SAVIGNY La Codificación e Los Fundamentos de la Ciencia Jurídica, todos vertidos directamente do alemão. Embora compulsada e mencionada na referência final, a versão castelhana, obtida indirectamente da tradução francesa, Sistema Del Derecho Romano Actual, foi desconsiderada, sem, no entanto, nenhum juízo de valor. As demais obras mencionadas, embora de autores renomados, constituem-se fontes indirectas.

Pela exiguidade temporal, a pesquisa não irá além da proposta acima, sequer alcançará a denominada escola da Jurisprudência dos Conceitos ou autores contemporâneos ou imediatamente subsequentes, ainda que de reconhecida importância para a matéria nesse momento posterior. Limita-se, portanto, ao caput scholae da corrente histórica e ao aspecto metodológico de sua obra.

Para fins meramente de contextualizar o mestre alemão, discorreu-se na primeira parte do trabalho uma pouco sobre a Escola Histórica, em simultâneo com o movimento da codificação na Alemanha, de forma singular, o confronto entre THIBAUT e SAVIGNY, havido em 1814. Para além desse embate, só as lições de SAVIGNY.

 

 

2 VIDA E OBRA DE SAVIGNY

 

 

FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY[3] nasceu em 21 de Fevereiro de 1779 em Frankfurt. Pertencia a uma nobre família de calvinistas, oriunda da Lorena. Segundo a maioria dos autores, ficou órfão aos treze anos de idade[4], a partir de então foi criado pelo tutor, Konstantin von Neuraths, um assessor no Tribunal Imperial de Wetzlar, que introduziu em SAVIGNY alguns conceitos fundamentais de ciência do direito.

ERIK WOLF, mencionado por WOLFGANG FIKENTSCHER[5], traz duas notas sobre SAVIGNY: tinha uma saúde delicada, mas um autodomínio muito grande com uma inteligente distribuição de suas forças e em razão da perda tão “temprana” de sua família, surgiu-lhe um piedoso respeito “hacia el espíritu del pasado y de los antepasados”, o que teria sido a justificativa de sua determinação pelo método de trabalho jurídico empreendido por ele.

Em 1795, entrou para a Universidade de Marburg para estudar História e Ciência do Direito, onde teve como professores Anton Bauer, um dos mais notáveis pioneiros da reforma do Direito penal alemão, e Philipp Friedrich Weiss, destacado por seu conhecimento em Direito medieval, e que teria transmitido suas inquietações científicas ao jovem SAVIGNY.

SAVIGNY freqüentou diversas universidades, notadamente a Universidade de Jena, a de Leipzig, a de Göttingen e a de Halle e retornou a Marburg, onde se doutorou em 1800, com uma tese de Direito Penal, “De concursu delictorum formali”.

Após viagem de pesquisas, retorna a Marburgo, em 1802/1803, e aí se torna professor. Foi nessa época que ditou “la Leccion del Método”, junto com lições de direito penal, cujo valor científico é até hoje inegável[6].

Também em 1803 veio à luz a obra Über das Recht des Besitzes, considerada a obra-prima de SAVIGNY e que o tornou realmente famoso. Dois elementos conferiram enorme fulgor ao seu tratado, quais sejam: a separação das fontes antigas das modernas e o exame dos textos com base em suas mudanças históricas de concepção. A novidade da obra de SAVIGNY, pelo que se abstrai de ERIK WOLF[7], foi o modo de tratar o tema, já que a questão da separação das fontes já fora cogitada antes por PÜTTER e a segunda conquista já era tema da jurisprudência elegante do Século XVI[8].

Apesar do círculo romântico familiar próximo a SAVIGNY – pelo lado da esposa Gunda com quem se casou em 1803 – foi Herder que mais o influenciou,  herdando deste  a ideia de individualidade que se realiza na totalidade da vida. “La individualidad histórica aparece en él como una vida global que se desarrolla por si misma, unida al devenir orgânico de la Naturaleza”[9].

Em 1808, passou a leccionar Direito civil romano na Universidade bávara de Landshut, onde permaneceu um ano e meio. Em 1810, aceitou o convite de Wilhelm von Humboldt  para participar da fundação da nova Universidade de Berlim e a ocupar a cadeira e Direito romano.  Nos anos de 1812/1813, tornou-se reitor da instituição, a que até sua morte se manteve apegado.

 A sua obra programática, constante do Von Beruf unserer Zeit für Gesetzgebung und Rechtswissenschaft (tida como uma resposta a THIBAUT, que defendia a codificação) e a fundação da “Zeitsschrift für geschichtliche Rechtswissenschaft”, o órgão da nova escola histórica, o conduziram ao máximo destaque na Escola Histórica do Direito.

Esses escritos constituem elementos que embalaram conrovérsias por mais de meio século, na história do direito privado alemão. Eles revelam convicções, cujo papel é norteador  no programa de renovação da ciência do direito positivo, “a partir dos dados irredutivelmente históricos da matéria que lhe é pré-dada”[10].

Um direito concebido “a-historicamente” é um direito arbitrário,  elaborado a partir de si mesmo. A lição de SAVIGNY trazia a idéia de algo construído no tempo, com pressupostos históricos, afastando a concepção de que a natureza humana seja “perfeita, individual e isolada”. Se a matéria do direito tem essa vinculação total com o passado de um povo (nação), ela só poderia ser estudada, entendida, encontrada, por meio de uma ciência histórica, como parte de uma cultura global.

SAVIGNY  entende a história como a “tradição espiritural entre o ontem e o hoje”, não como uma evolução automática, determinista, mas inserindo-se a razão humana e a liberdade. Na verdade, a história não é concebidia como um passado encerrado, “mas a ordem jurídica da actualidade historicamente tornada positiva”. A formação da matéria pertence à ordem jurídica, mas a sua conformação pertence à ciência do direito.

Em 1815 publicou o primeiro volume de Geschichte des römischen Rechts in Mittelalter (História do Direito romano na Idade Média) tendo o seu último volume vindo  à luz em  1831.

A concepção desta obra  pressupõe um projeto concebido na primeira fase da vida intelectual de SAVIGNY, porquanto “as grandes recolhas de material das bibliotecas do sul da Alemanha e em Paris (a partir de 1804) já pressupõem este projecto”[11]. Essa obra tem uma ligação estreita com o projeto metodológico do seu autor. Ela veio ao encontro da concepção fundamental de SAVIGNY de que “a unidade da cultura jurídica europeia e da tradição constituíam uma obra cultural e literária do passado”[12]. Essa obra constituiu por muito tempo um precioso material de pesquisa da história da cultura e ensino jurídicos.

Nessa mesma ocasião, SAVIGNY provou que o texto descoberto em Verona, Itália, por Niebuhr, em 1816,  sugerido por este como de Ulpiano, após avaliação do manuscrito que lhe foi entregue para análise, como sendo, na verdade o manuscrito da Instituta de Gaius e não de Ulpiano[13].

Em 1817 ele foi designado membro da comissão para a organização dos estados provinciais prussianos e também membro do departamento de justiça do Staatsrath e em 1819 se tornou membro da suprema corte de apelação para as Províncias do Reno. Em 1820 foi feito membro da comissão para a revisão do código de Direito prussiano.

Em 1822 foi atacado por uma séria doença nervosa que o obrigou a mudar-se para uma rotina mais intimista e reflexiva, continuando, todavia na Academia Berlinense de Ciências e para a coroa. Em 1835, quando se havia curado da enfermidade nervosa de que fora vítima, começou a elaborar seu trabalho sobre Direito romano contemporâneo, System des heutigen römischen Rechts, obra publicada entre os anos de 1840 e 1849[14] e considerada o tronco de sua obra adulta.

Dos oito volumes da obra se destacam o volume nº 1, que trata, entre outras coisas, da interpretação da norma jurídica e o volume nº 8, que trata do Direito Privado Internacional, cuja essência até hoje se mantém. Essa obra da maturidade não deixou de registar que se mantinha no mesmo objectivo anunciado nas suas primeiras lições e nunca abandonado: construcção de uma ciência jurídica em que se conjugassem elaboração histórica e sistemática.

Apesar do propósito, WIEACKER[15]  aponta um desligamento do que chama  da “desordem da tradição através de uma forte estilização sistemática”. SAVIGNY estaria seguindo a exegese práctica do usus modernus: escolha consciente das fontes romanas em função de sua utilidade para o sistema[16].

Sua actividade como professor foi encerrada em Março de 1842, embora continuasse na vida pública até 1848. Em 1853 publicou seu tratado sobre Contratos (Das Obligationenrecht), um suplemento para o seu trabalho sobre o Direito romano moderno.

SAVIGNY morreu em Berlim, em 1861, “rodeado pela maior fama alemã e europeia; as três mais importantes revistas histórico-jurídicas alemãs ostentam ainda o nome da Fundação SAVIGNY (SAVIGNY-Stifung) fundada em sua memória”[17].

SAVIGNY tornou-se um clássico da ciência do direito, um idolatrado da ciência de sua época, num referencial da língua e da cultura alemã. Pertencia à elite social e cultural da época, facto que o possibilitou ter um papel fundamental na reorganização das universidades e academias. Desde as suas primeiras manifestações, deixa claro o seu propósito a perseguir nas lides científico-literárias. Os escritos programáticos registram uma política jurídica e cultural, no sentido da renovação da ciência jurídica do direito comum, o que ele perseguiu a vida inteira. O “tratamento histórico” da ordem jurídica foi o balizamento, “no complemento empírico-positivo do tratamento “filosófico””, ou seja, sistemático e jurídico-teórico” para que a “ciência da legislação” (termo usado por SAVIGNY na época) se tornasse efectivamente uma ciência.

Para SAVIGNY, o direito aparece como parte da cultura geral, de que o mesmo faz parte. Segue os passos de Herder quando este afirma: “os povos são executores de um plano de evolução da histórica da humanidade que aponta para a realização plena da humanidade”[18]. SAVIGNY, de forma mais peculiar, vê a cultura como uma tradição espiritual, ou mesmo como uma tradição literária.

SAVIGNY tinha origem política, quer pela ascendência, quer pela sua posição social. E ele fez uso de seu prestígio na sua acção de renovação da ciência jurídica: isso foi um acto político. Segundo WIEACKER[19], “desde a sua juventude cultural até aos seus dogmáticos trabalhos de velhice, SAVIGNY ateve-se à teoria do direito e à ética da liberdade de Kant, enquanto que, de acordo com as suas convicções políticas e religiosas, ele se inclinava para a conservação da ordem política e eclesiástica existente e dos direitos históricos da coroa, da igreja, das corporações e das ordens privilegiadas”.

Os trabalhos de SAVIGNY foram planeados desde cedo de forma criteriosa, demonstrando uma invejável perseverança de propósitos de pesquisa, como é o caso das obras Geschichte dês römischen Rechts im Mittelatlter e o próprio “Direito romano actual”. Esse planeamento, essa perseverança, combinados com uma metodologia já desde o começo firmada, lhe garantem a ausência de contradição no seu conjunto.

As ideias fundamentais expostas no “Beruf unserer Zeit” (1814), são anunciadas quatro anos antes, na carta de 13 de Abril de 1810[20]. Isso demonstra que, como SAVIGNY tinha um estilo de planear tudo, que o texto que serviu de base para a contestação a THIBAUT já estava “elaborado no espírito” do autor. O texto em favor da codificação foi apenas a gota d’água para o nascimento da polémica que a literatura jurídica cuida de registar.

O Direito para SAVIGNY exprime o sentimento e o espírito do povo (Volksgeist)[21] e se materializa nos costumes. Daí porque não é universal nem imutável, tampouco criado arbitrariamente pelo legislador. O papel sistematizador que a codificação exerce em outros países, na Alemanha, principalmente na primeira metade do século XIX, é função da ciência do Direito.

 

 

3        O CONTEXTO SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL DE  SAVIGNY[22]

 

3.1 Escola Histórica

 

Essa escola consistia num grupo de professores, juristas, historiadores e linguistas, todos animados pela possibilidade de se conseguir respostas globais para o presente investigando a história antiga e moderna. Desenvolveu-se a concepção da história como um instrumento de interpretação do presente.

O historicismo, com a denominada Escola Histórica do Direito, de que SAVIGNY é expoente[23], marca o pensamento alemão do fim do século XVIII e início do século XIX. A referida escola nasce inspirada no contexto do romanticismo e do classicismo da época. Veio valorizar a tradição, o sentimento, a sensibilidade, as manifestações espontâneas. Confere ênfase à individualidade, procurando ao mesmo tempo, no passado, explicação do presente, e também motivações para o futuro. Nesse contexto, o direito é produzido na espontaneidade e no histórico de cada povo.

Ao substituir o abstracto e o universal pelo particular e pelo concreto, pode-se dizer que a escola histórica do Direito é eminentemente anti-racionalista, opondo-se à filosofia iluminista. Ao criticar radicalmente o jusnaturalismo, a escola histórica abre caminho para o desenvolvimento do positivismo jurídico na Alemanha.

 

3.2 O Movimento da Codificação

 

A codificação é a marca da transição para o século XIX. Teve inspiração claramente iluminista[24]. Buscava a positivação do direito natural, através de um código produto do Estado, representante de um direito único para todos. Em consequência, rejeita o direito consuetudinário, por considerá-lo ligado à ideia de irracionalidade da tradição, e, por conseguinte, contrário aos princípios da civilização. Esse pensamento extremado de racionalismo cristalizou-se através do Código napoleónico, que, por sua vez, orientou toda a actuação da escola da exegese, que se seguiu a essa codificação.

 

3.3 A Codificação na Alemanha

 

A Alemanha do início do século XIX tinha um ambiente cultural bem diverso da França. Em 1814, quando do ápice da discussão acerca da codificação, o país vinha de um processo de fragmentação territorial muito acentuado. Sua situação político-social era bem diversa da francesa de modo que a proposta de se criar um direito único, inspirado nos moldes do Código de Napoleão (Code),  iria gerar inúmeras controvérsias entre os alemães, como se pode ver através do debate entre THIBAUT e SAVIGNY.

 

3.4 A Controvérsia de THIBAUT X SAVIGNY[25]

 

A teoria de THIBAUT consistia em elaborar açodadamente um código para a Alemanha nos moldes do Code ou da Áustria ou Prússia, com tendência para aceitar o primeiro, criticando o direito romano fortemente.

A teoria de SAVIGNY foi mais elaborada, tendo merecido um tratado específico sobre a matéria, profundo conhecedor que era do Direito Romano. Suas colocações são recheadas de exemplos como sobre a propriedade e as obrigações, mostrando que os romanos haviam atingido um nível de aperfeiçoamento jurídico muito superior a qualquer povo e por um período vastíssimo na história. Elabora uma teoria da ciência do direito em que basicamente defende que o direito se faz historicamente e não pode ser imposto abruptamente.

Defendeu a conciliação do direito romano com o direito comum germânico, mas disse que não havia na altura nenhum jurista capaz de elaborar um Código que conseguisse coligir toda a literatura jurídica produzida, todo o espírito do direito. Defendeu que não houvesse a elaboração do Código e que, ao contrário, fosse enfatizado o estudo do direito em toda a sua amplitude histórica, sem desprezar a contribuição da época.

SAVIGNY escreveu com muita serenidade e domínio sobre a matéria da ciência do direito, opondo-se à aspiração do Colega THIBAUT e de tantos outros de sua época das mais distintas correntes espirituais (estadistas, poetas, sabios y juristas teóricos e prácticos)[26], em relação ao movimento da codificação.

Sua obra “De la vocación de nuestra época para la legislación y la ciencia del Derecho” constitui “la primera manifestación programática de uma dirección que, trás expulsar no solo de la ciência, sino también de la práctica, las nocivas concepciones jursnaturalistas dominantes hasta entonces, señaló el campo que había de conducir nuevamente a la ciencia del Derecho a um desarollo esplendoroso”[27].

THIBAUT, embalado pelo espírito nacionalista que envolvia toda a Alemanha em 1814 (derrota de Napoleão Bonaparte um ano antes na Batalha de Leipzig, também conhecida como Batalha das Nações), e convencido de que era possível melhorar a situação jurídica da Alemanha, como ele mesmo diz, em menos de catorze dias – “con todo entusiasmo de mi corazón”, escreve uma pequena obra sobre a necessidade de um Direito Civil geral para a Alemanha, partindo da premissa de que o direito positivo baseado no direito de Justiniano não se adaptava nem material nem formalmente à realidade da época. Para tanto defendia um trabalho compilado resultante do esforço combinado dos juristas mais instruídos, “pero en el que cada país pudiera conservar, sin embargo, las peculiaridades que exigiese su idiosincrasia”[28].

O confronto entre SAVIGNY X THIBAUT estampa situações directamente ligadas a cada um: cultura aristocrática x política democrática; tradição europeia x novo sentimento nacional; ciência x prática activa.

A tese da não codificação na Alemanha acabou por ser acolhida, naquele momento, o que só viria a ocorrer a  partir da segunda metade do século XIX.

 

3.4.1 Articulação das ideias de THIBAUT

 

Em uma Alemanha debilitada pela guerra e carecendo de unidade política, THIBAUT encabeça um movimento intelectual sobre a necessidade de uma reestruturação do Direito Civil, nesse título entendendo o Direito privado, o penal e o processual, sob os seguintes argumentos:

 

·         Em relação ao direito alemão alega que “todo nuestro Derecho autóctono es un amontonamiento informe de preceptos abigarrados y contradictorios”[29]. Por isso, são forçados a recorrer ao direito romano e por vezes ao canónico, permanecendo, no entanto, a confusão de conceitos e as obscuridades presentes no direito alemão.

 

·         Relativamente ao direito romano, considera que não possuem um texto autêntico e suas inúmeras versões conduzem a uma insegurança jurídica. É necessário debelar essa “tradição erudita morta” em nome de um património político vivo da Alemanha.

 

·         As concepções jurídicas romanas de um lado e as concepções alemãs de outro impossibilitam a compilação em um todo único e só um código nacional permitiria uma visão de todo o Direito, o que agradaria ao jurista e facilitaria o processo de ensino académico em seu aspecto prático.

 

·         Alega que a positivação (codificação) permitiria superar o quadro traçado acima e configuraria um passo decisivo para a futura unificação da Alemanha, despertando a consciência de nação em um país dividido em dinastias territoriais. Haveria, assim, dois ganhos: um jurídico e outro político.

 

A história se encarrega de mostrar que o projecto de THIBAUT não vingou naquele momento. Apenas voltou à luz em 1848 e efectivamente só se tornou realidade no final do século XIX.

No entanto, a semente da discussão sobre o código geral para a Alemanha, com argumentos fortes de unidade do Direito civil com abrangência nacional, havia sido lançada. Nisso o grande mérito de THIBAUT.

 

 

 

3.4.2 Articulação das ideias de SAVIGNY

 

SAVIGNY, por seu lado, sentiu-se impulsionado pela obra de THIBAUT e expôs suas ideias no texto “Da vocação de nossa época para a legislação e para a ciência do Direito”[30].

Nesse manifesto, SAVIGNY se opôs à codificação proposta com dois fundamentos:

 

1º) que o dano  causado pela negligência de gerações anteriores de juristas demandaria tempo para ser revisto;

 

2º) que o  chamado Direito natural, na verdade, constituiria um perigo nessa empreitada.

A importância imediata dessa obra é que ela provou que um estudo histórico do Direito positivo era uma condição essencial para o correcto entendimento da ciência de todo o Direito.

Seguem alguns pontos destacados das suas ideias:

·         o direito se concebe, ao contrário, não a partir de uma existência independente e autónoma. Ele é resultado da convicção comum de um povo, ao lado de seu idioma, seus costumes e sua organização. Não surge casual e arbitrariamente. O Direito não é estanque e, ordinariamente, suas regras se materializam em ações simbólicas dos povos, as quais, em determinadas situações, são traduzidas em sede de representação por juristas, numa composição do elemento político  mais elemento técnico do direito.

 

·         a concepção excepcional de influência da legislação sobre o direito só se admite em três fundamentos: a) vontade do legislador de alcançar fins políticos mais elevados; b) eliminação de dúvidas e obscuridades jurídicas existentes; c) codificação pelo Estado ou por juristas individuais de todo o corpo do Direito provada sua utilidade, quer seja internamente (maior certeza jurídica), quer externamente (correção e retificação dos direitos locais e aplicação para toda a Alemanha).

 

·         Sobre o Direito Romano, SAVIGNY afirma que foi o único direito de um grande povo, de existência longa e ininterrupta, cultivado “com extraordinario amor en todos los períodos de la vida de este pueblo”. Tem uma excelente linguagem técnica, perfeitamene coordenada com a ciência. A teoria e a práctica  estão umbilicalmente ligadas, de forma que uma não caminha sem a outra.

 

·         O valor peculiar do Direito Romano está na facilidade em que vão do preceito fundamental à aplicação de um caso litigioso, passando com maestria do geral para o particular e deste para o geral.

 

·         O invejável desenvolvimento do Direito Romano no século III da Era Cristã não pode ser visualizado sem conexão com sua própria história. Concebido de dentro para fora, como Direito Consuetudinário,  conservou sua vitalidade e um progresso vivo, sem necessidade de nenhum código, mesmo quando a situação se mostrava favorável, como na época dos célebres juristas Papiano, Ulpiano e Paulo.

 

·         Afasta as críticas sobre as alegações de que o Direito Civil na Alemanha é culpado pela duração excessiva dos processos, a que se debita a má gestão judicial e, ao contrário de THIBAUT, vê nas diversidades de direitos territoriais não um defeito, mas uma vantagem “que promueve la individualidad en la formación del Derecho”

 

·         Alega falta de domínio da comunidade jurídica de então,  quanto ao conteúdo da ciência jurídica, bem como da linguagem própria da lei, concluindo que não há juristas capazes  para a elaboração de um bom código.

 

·         Defende o ensino e a investigação do Direito antigo e suas fontes, mas historicamente.  Admite, no entanto, a codificação para a posteridade, dependendo do “concurso de las más raras y felices circunstancias”.

 

·         SAVIGNY ressalta que o mal não está nas fontes do Direito, “sino em nosotros”, pelo que um  código não resolveria a situação, a qual viria através da implantação de uma ciência orgânica  jurídica progressiva.

 

·         Todas as codificações seriam “inorgânicas”, logo, prejudiciais ou inúteis e o direito só se formaria de forma “orgânica” a partir das convicções do povo, ou seja, através dos costumes, da ciência e da práctica.

 

SAVIGNY, embora compartilhe com os defensores da codificação a exigência de formular-se um direito mais sistemático para pôr ordem ao caos jurídico,  defende  que as condições político-culturais da Alemanha, pelas razões expostas,  não são propícias ao desenvolvimento de uma codificação, para concluir que  a melhor solução para sanar tais defeitos estaria na própria ciência do Direito.     

Além do mais,  a ciência do Direito além de produzir  os efeitos de unidade e sistematização creditados à  codificação ainda tem vantagem de tornar o Direito mais maleável e adaptável, sem a rigidez de um código.

 

 3.4.3 Conclusão do Embate

 

THIBAUT envereda-se na linha crítica do direito romano-canônico, defendendo a codificação, enquanto Savigny opta pela ciência jurídica, propondo uma tarefa cujas premissas epistemológicas são incompatíveis com o projecto da  codificação[31].

Tomando palavras de WIEACKER, “a história do Século XIX deu razão quer a THIBAUT, quer a SAVIGNY: a THIBAUT, na sua exigência de um código comum como garantia da unidade e liberdade nacionais; a SAVIGNY, na sua afirmação de que só através de uma ciência jurídica renovada, i. e., de uma cultura científica, a  Alemanha estaria pronta para um tal código”[32].

 

 

4        CONCEITO CULTURAL DE POVO

 

 

O Direito é “uma parte individualizada da vida do povo” e que “actua silenciosamente”, mas que brota das concepções populares, tal como a linguagem. Já de início, não há espaço para o direito “natural” ou “racional”, que surge como imposição a um povo, como apregoa o impulso cultural iluminista, através do legislador jusracionalista.

Assim, ao contrário de THIBAUT, SAVIGNY entendia como povo não a “comunidade dos cidadãos postos sob tutela”, mas a “tradição cultural”. “Povo não é, portanto, para SAVIGNY de modo algum a realidade política e social da nação histórica, mas um conceito cultural ideal – a comunidade espiritual e cultural ligada por uma cultura comum”[33].

Nesse sentido, SAVIGNY que fora criticado por voltar-se para o estudo do direito romano, na verdade agia com segurança e coerência, na medida em que concebia o povo como um conceito cultural e, nesse processo histórico-cultural, o direito romano já se havia tornado parte inseparável da vida jurídica alemã. A investigação do direito pátrio, bem como das codificações do direito romano, como o Corpus Iuris, parte de uma concepção de que ambos pertencem à história do direito alemão.

 Isso seria uma falsa profissão de fé no romantismo nacional das guerras de libertação ou uma mudança de convicção ou de táctica? Para WIEACKER[34], SAVIGNY “decidiu-se, no conflito entre a exigência de um futuro nacional e a tradição europeia, por uma assunção de responsabilidades perante a cultura comum europeia”.

 

 

5        A HISTORICIDADE DO DIREITO COMO FUNDAMENTO DO MÉTODO DE SAVIGNY

 

5.1 Os sentidos de Histórico e Sistemático: uma ideia herdada?

 

SAVIGNY, desde o começo, sublinhou a contraposição entre a consideração histórica e a consideração sistemática no Direito, mas para, em seguida, tomar os dois elementos na elaboração de sua interpretação do direito.

O sentido da historicidade para SAVIGNY tem contornos específicos desde a sua obra Teoria do Método de Marburgo, de 1803, como também no primeiro volume do “Sistema”, publicado em 1840. Segundo FIKENTSCHER, tanto o histórico como a concepção de sistema sofreram mudanças de conceitos nos dois momentos, primeiro influenciado por Kant e segundo pelas ideias de Hegel, o que se percebe através de um estudo mais detalhado, conforme obra específica do mesmo autor, aqui não consultada[35].

Como referido alhures, PÜTTER antecedera a SAVIGNY na questão da separação do método de trabalho histórico e sistemático e também na questão de perspectivar historicamente o direito, elemento de distinção entre o direito clássico romano do uso moderno[36].

Tais ideias teriam sido comuns aos antecessores imediatos de SAVIGNY, inclusive Gustav Hugo, tido como fundador da Escola Histórica e que alimentava “el ideal de una obra sobre el espíritu del Derecho Romano”[37].

Apesar desses antecessores, que apresentaram sugestões ou mesmo tiveram visão aproximada do problema, coube mesmo a SAVIGNY com êxito essa empreitada, a execução propriamente dita do programa do método histórico e sistemático.

 

 

 

5.2 O Conceito de Histórico na Teoria do Método de Marburgo (1803)[38].

 

Vê-se na obra de WIEACKER que há uma acentuada discussão sobre a real identificação do conceito do histórico que SAVIGNY desenvolveu na sua Teoria do Método de Marburgo, se se perseguiu a mesma linha de SCHELLING, para quem a “história servia para a indagação da matéria dada da ciência” ou no mesmo sentido de PÜTTER, na leitura do que GUSTAV HUGO denominava método “histórico-anticuario”.

De onde quer que venha o conceito primitivo de histórico de SAVIGNY, ele se caracteriza pela inclusão desse desenvolvimento histórico para o conhecimento do presente, quer seja como o elemento exemplar (KANT), quer seja como uma intuição da totalidade (SCHELLING).

Aqui WOLFGANG FIKENTSCHER parece sustentar que a única diferença do conceito que mais tarde vai aparecer em sua obra da maturidade é de que aí entrarão considerações de como o direito vai aparecer no futuro, referência que na sua obra juvenil não ocorre. Daí porque o mesmo autor equipara SAVIGNY a SCHELLING: “El joven SAVIGNY, al igual que Schelling, está “de espaldas ao futuro”, mientras que la Historia y el presente representan  una totalidad espiritual a contemplar”[39].

O facto é que, ainda que seja verdade a afirmação supra, a história agora não é considerada acriticamente como aconteceu no século XVI. Pelo contrário, a atitude dos históricos é no sentido de que ela via o caminho do passado ao futuro até hoje, apreciando-o criticamente.

O que se pode ficar é que o objecto de interesse histórico do SAVIGNY jovem era o direito positivo-legalista e não conceitos prévios como das instituições jurídicas ou outros elementos que ocuparão as páginas dos escritos do Sistema anos depois.

 

 

 

 

5.3 A Concepção de História em  System des heutigen Römischen Rechts.

 

Resta, agora, perguntar se a perspectiva anterior da história que se encontra na obra juvenil de SAVIGNY, ou seja, uma concepção da história pouco interessada no futuro, sectorial e não perspectivista,  encontra-se também na sua obra da maturidade “System des heutigen Römischen Rechts ».

FIKENTSCHER,  sustentado em COING[40], afirma que o SAVIGNY  posterior afasta do dado, do positivo, ao conceber a  historicidade  com o teoria do “espírito do povo” e com a idéia das instituições jurídicas dela abstraída. O histórico, as fontes e os critérios gerais  prévios ao Direito assumem um maior destaque.

Ora,  de facto SAVIGNY parece que nutria certa aversão pela actividade práctica de criação do Direito e pela busca  dos seus  fins. Para ele o sentido da ciência do direito se ligava ao processo de interpretar e explicar historicamente as relações do direito vigente com vistas à sua perfeição sistêmica. Assim, se é verdade que SAVIGNY  estava de costas para o futuro no início de sua caminhada científica, as mudanças de enfoque conceitual como acima visto, em sua obra da maturidade  não teriam o condão de alterar a perspectiva do Direito por ele concebido.

No entanto, é difícil imaginar SAVIGNY com um comprometimento tão acentuado ao estudo da ciência do direito, durante toda uma vida, de tal modo que tenha angariado um reonhecimento tão profundo de seus pares e contemporâneos, sendo afetado por uma alegação aparentemente frágil de que sua teoria estaria de costas para o futuro.

Ao considerar sua teoria sobre as situações em que admite a aplicação da analogia em que se admitem instituições jurídicas que se formam ex novo, SAVIGNY incorpora um entendimento que se abre para a renovação da ciência jurídica, em vista de novas situações a que o direito deve responder. E a isso não se pode dizer  estar de costas para o futuro.

 

 

 

 

6        A METODOLOGIA DE SAVIGNY

 

6.1 Retrospectiva Histórica da Interpretação aos Olhos de SAVIGNY[41]

 

Os séculos XII e XIII marcam o início da história da interpretação. Vai dos glosadores Irnério até Acúrsio. A interpretação do direito justiniano consiste em manter os textos tais quais foram transferidos. Embora dedicados, os glosadores eram limitados em outros conhecimentos.

Os dois séculos que seguiram (XIV e XV) foram dos comentadores. SAVIGNY é enfático. “Sin duda, eran peores que los glosadores, más o menos como la relación que existe ahora entre los prácticos  y los teóricos”.

Nos séculos XV e XVI, é que, pela primeira vez, se elaborou a jurisprudência em  forma científica. E o período dos humanistas franceses que vai até o século XVII. Dir-se-ia que os humanistas trataram com muita afoiteza a literatura clássica, embora tivessem todo o conhecimento de que os glosadores eram carentes. Mas ainda não apresentavam uma verdadeira interpretação. Não havia a ideia de sistema. “Mas descuidaron el sistema, porque no elaboraron lo que tenían como um todo. El método fue de digresiones, y no puramente exegético”.

O final do século XVII e o século XVIII constitui o período dos holandeses. Com eles surgiu a filologia, formando-se, na Holanda, notáveis filólogos. Mesmo sendo a erudição uma nota singular dos holandeses, eles não conseguiram ultrapassar os franceses.

A escola alemã (considerada à parte) não se ocupou da interpretação, com excepção de Leipzig. Mas imitaram os holandeses ou perderam-se em detalhes. O erro comum é que a preocupação que mais aflorava era com a erudição clássica. Ou seja, “una interpretación fundamental não dominó em ninguna escuela”.

JAKOB GOTHOFRED foi um jurista que não pertenceu a nenhuma escola, mas que é o único, segundo SAVIGNY, que merece menção. Nasceu em Genebra em 14 de Setembro de 1585, onde foi professor e político, tendo falecido em 24 de Junho de 1652. Escreveu Quattuor fontes juris civilis. Mas sua obra principal, um Comentário sobre o Codex Theodosianus, apareceu depois de sua morte, em 1665 e “es la única muestra de una perfecta interpretación”.

A opinião desse jurista é muito importante e merece ser estudada, especialmente a partir do seu Manuale juris em que propõe divisões do acto jurídico. No final, o mesmo GOTHOFRED já presente uma lacuna cuja resposta se encontraria em um sistema de política legislativa.

 

6.2 Filosofia e Sistema

 

SAVIGNY nos seus escritos iniciais afirma que a ciência da legislação – ou seja, a ciência do Direito – é primeiro uma ciência histórica, e depois, também, uma ciência filosófica, afirmando que a ciência do Direito é ao mesmo tempo histórica e filosófica. Nesse primeiro momento, SAVIGNY concebe o termo filosófico como sinónimo de sistemático, quando afirma que todo o sistema conduz a um ideal, a uma unidade, ou seja, à filosofia.[42].

Na verdade, segundo SAVIGNY, para o jurista a filosofia não se mostra necessária, nem mesmo como conhecimento prévio. Não se pode confundir o elemento filosófico da ciência do Direito como a aceitação de quaisquer princípios jusnaturalistas, mas apenas o que é comum entre a ciência do Direito e a filosofia, ou seja, a unidade imanente pressuposta por aquela.

Na obra, Metodología Jurídica, SAVIGNY apresenta a legislação historicamente como uma das categorias das actuações do Estado: a categoria do Estado como legislador. Nesse sentido, “el objetivo de la ciencia jurídica es, por tanto, presentar historicamente las funciones legislativas”[43], dividindo, para tanto, em ciência de direito privado ou civil do direito criminal ou público.

Da dupla função legislativa do Estado, extraem-se os seguintes princípios fundamentais:

 

1) a ciência legislativa é uma ciência histórica;

2) a ciência legislativa é também uma ciência filosófica;

3) ambas são históricas e filosóficas ao mesmo tempo.

 

A elaboração sistemática da jurisprudência requer uma unidade coerente. Para isso deve ter um conteúdo geral, como tarefa da ciência do direito e cada lei um conteúdo “que no este sujeto al azar”. Se existe esta elaboração sistemática da jurisprudência há uma fronteira comum com a filosofia, “la cual mediante uma completa deducción debe indicar todo el contenido de la tarea general”[44].

Para SAVIGNY, o particular, da elaboração filosófica, deve ser considerado como um todo na elaboração sistemática e novamente ser possível a decomposição da jurisprudência em seus elementos: ou seja, a jurisprudência leva em si a condição de uma elaboração interpretativa e filosófica. A legislação, embora concebida em dado período, relaciona-se com a história do povo e do Estado, já que ela é uma acção deste. Mas, além de se conceber o direito nesse aspecto, há também de se concebê-lo como um sistema de progresso constante.

Esse entendimento de SAVIGNY, que se pode colher em sua obra juvenil vai mudar substancialmente num segundo momento, quando se confere o primado ao costume. A legislação surge no tempo como uma actividade do Estado, o que leva a formar uma conjunção da história do Estado com a história dos povos.

Estas passagens da obra “Los fundamentos de la ciencia jurídica” demonstram-no claramente:

“Ley es el derecho positivo, encarnado en el lenguaje y provisto de poder absoluto del Estado”[45].

 

“Su contenido es el Derecho del Pueblo ya existente o, lo que es lo mismo, la ley es el órgano el Derecho del Pueblo”[46].

 

“A él hemos de considerar como el auténtico represenante del espíritu del Pueblo”[47], independentemente se foram ou não eleitos pelo povo.

 

Igualmente há uma distinção da elaboração interpretativa, da elaboração histórica e da elaboração filosófica (sistemática) do Direito. A interpretação tem como objecto “a reconstrução do pensamento que é expresso na lei, na medida em que seja cognoscível a partir da lei”[48]. Para que o intérprete faça seu trabalho, ele terá de se colocar na posição do legislador, tendo a ajuda dos elementos lógico, gramatical e histórico.

O “pensamento da lei” atinge-se, tomando em consideração as circunstâncias históricas em que a lei apareceu. De seguida, buscar-se-ão as particularidades (significado de cada texto para o conjunto). A legislação só é entendida no seu todo e esse todo exige um sistema para ser legitimamente reconhecido. Daí o grande significado dos elementos históricos e sistemáticos na interpretação da norma.

A elaboração histórica parte do sistema no seu todo “como algo progressivo” e a elaboração sistemática examina a pluralidade articulada, “interessando-lhe quer o desenvolvimento de conceitos, quer a exposição das regras jurídicas segundo o seu “nexo interno”, quer, por fim, o preenchimento das lacunas da lei – expressão que não se encontra ainda em SAVIGNY por intermédio da analogia”[49].

 

6.3 Rumo “Positivista-Legalista” dos Escritos da Juventude

 

KARL LARENZ[50] defende que SAVIGNY tomou um rumo “positivista-legalista” nos seus primeiros escritos, no sentido de que ele presume uma estrita vinculação do intérprete ao texto da lei. Chama em seu amparo a rejeição do que SAVIGNY considera interpretação “extensiva” e “restritiva”. Tal artifício estaria ampliando ou limitando a letra da lei, de acordo com a fim ou a razão de ser da lei, o que seria defeso ao intérprete.

JOACHIM RÜCKERT, na sua monografia, Idealismus, Jurisprudenz und Politik bei F. C. von SAVIGNY, 1984, citado por KARL LARENZ, no mesmo lugar acima, prefere qualificar a postura intelectual de SAVIGNY de “idealismo objectivo”, em uma acepção ampla e sem vinculação a um determinado sistema filosófico. RÜCKERT parece querer com isso evitar ligar a ideia de que o conteúdo da lei seria discricionariamente (“arbitrariamente”) estabelecido pelo legislador. O que de facto é estranho a SAVIGNY. De qualquer maneira, “positivista-legalista” ou “idealismo objectivo”, com os devidos decotes semânticos são adequados a essa fase de SAVIGNY.

O facto é que SAVIGNY parece ter tomado como objecto da interpretação apenas a reconstrução do pensamento expresso na lei, passível de ser extraído a partir da própria norma tão-somente. Para ele o dever do juiz se resume a executar a lei, e não aperfeiçoá-la de modo criador, tarefa esta que cabe tão-somente ao legislador.

 

6.4 Parte Filológica

 

A interpretação se pressupõe uma elaboração histórica e sistemática.

SAVIGNY afasta a divisão de interpretação em autêntica, doutrinal e usual. A primeira, tida como interpretação do legislador e as outras dos estudiosos.

A “authentica” trata-se, na verdade, de uma nova lei. Só se pode falar em interpretação doutrinal. A “usualis” contradiz a própria ciência: na medida em que se divide em extensiva e restrictiva, transcende o texto dado à interpretação. A disponibilização de um texto antigo já foi precedida de um processo de escolha da descoberta, chamado crítica diplomática.

SAVIGNY é claro no sentido de que o intérprete não pode ir além da lei. “El intérprete debe colocarse en el punto de vista del legislador y producir así artificialmente su pensamiento”[51]. Para tal, o intérprete tem uma tarefa tríplice: uma constituição lógica, gramatical e histórica. Todas concebidas para SAVIGNY, na Metodologia Jurídica, como classes de interpretação, conceito que veio a mudar para actividades interpretativas no Sistema, onde não fala mais em classes de interpretação, mas em elementos de interpretação:

 

 No se trata, por conseguiente, de cuatro clases de interpretación, entre las cuales se puede escoger según el gusto y el arbítrio personal, sino de difererentes actividades que deben cooperar para que la interpretación pueda dar êxito[52].

 

Condições para se ter êxito numa interpretação, condensando-se os quatro elementos supra:

 

1ª) A recapitulação mental do pensamento que dimana da expressão particular interpretanda;

2ª) A dominação do conjunto histórico-dogmático que alumia a disposição particular para relacionação com o texto presente[53].

O fim da interpretação “consiste en obtener de cada ley tantos conocimientos jurídicos reales como sea posible”[54].

Há uma reciprocidade entre a boa legislação e uma boa hermenêutica.

A lei tem que ser objectiva. Todos os elementos para a interpretação devem achar-se nela mesma. Só assim o intérprete pode colocar-se no ponto de vista da lei, que pode ou não estar de acordo com a intenção do legislador.

A parte lógica: identificação do conteúdo da lei em sua origem, sua genética e a relação entre as partes. Normas de linguagem se mostram presentes. A parte gramatical é condição necessária da lógica e com ela se relaciona. A parte histórica: processo de identificação do momento determinado e do povo determinado para captar o pensamento da lei.

Assim, SAVIGNY elabora o seguinte conceito: “Interpretación es reconstrucción del pensamiento (claro o oscuro es igual) expresado en la ley en cuanto sea conocible en la ley”[55].

A interpretação independe do conceito de ser ou não a lei obscura (“oscura”), embora sempre se entenda por interpretação “uma aclaración artificial de lea ley”. No caso de um texto “corrompido”, a crítica superior tem lugar para estabelecer de modo artificial o conteúdo da lei. A crítica superior também se vale dos mesmos elementos de toda interpretação: lógicos, gramaticais e históricos, sempre em busca de um todo orgânico.

A crítica pode ser revelada necessária a partir do próprio texto ou revelada a partir da interpretação. Toda crítica e toda interpretação pressupõem uma necessidade, logo devem trabalhar com a certeza ou pelo menos com essa ideia. A audácia e a arbitrariedade não coadunam com a crítica. A crítica superior é também “inadequadamente” chamada “crítica da conjectura” (não sem objecções) e é precedida pela crítica diplomática.

A certeza de que se falou é o resultado do conceito de um todo orgânico. No entanto, a aplicação desses princípios críticos (necessidade, certeza) traz uma certa insegurança. É que o que se apresenta como dado difere naturalmente do que se encontra através da crítica.

Daí a necessidade de “aclarar” a origem das “deformações”, se, por exemplo, advém de erros de copistas ou outras causas. Assim, é o seguinte exemplo fornecido pelo próprio SAVIGNY[56]:

“Aclaración de la ley 8, punto 1, de acquirrer dom. (D. 41, 1)”:

“Sed  et si in confinio lapis nascatur, et sunt pro indiviso communia praedia, tunc erit lapis indiviso communis, si terra exemptus sit”

(La comunidad de una piedra encontrada surge del hecho de que ella yace en el limite entre dos fundos).

 

SAVIGNY aponta a contradição e a falta de clareza do texto com a redacção dada acima, como se “o condomínio” da pedra surgisse pelo facto de ela encontrar-se na divisa e não do fato de que ambos os terrenos estão nessa condição jurídica. Assim, numa acção interpretativa, ele sugere a alteração da forma verbal do verbo ser (“essere”) da terceira pessoa do plural do presente do indicativo (“sunt”) para a terceira pessoa do plural do presente do Conjuntivo ou Subjuntivo (“sint”).

SAVIGNY sugere esse mesmo exercício com muitas passagens do Corpus Iuris Civilis, comprovando com comparações de edições correctas.

 

6.5 Interpretação de Leis Defeituosas [57]

 

 

Segundo SAVIGNY, em sua obra “los fundamentos de la ciencia jurídica”, os casos de leis defeituosas são:

 

I – Expressão indefinida que não conduz a nenhum pensamento acabado;

II – Expressão errónea, que nos remete a um pensamento diferente do pensamento da lei.

 

Para essas situações são previstos três  remédios:

1º) Os que se encontram no contexto intrínseco da legislação. Explicação pela mesma lei ou por outra lei próxima ou pertinente.

2º) Os que se encontram na coerência (“lazo”) da lei com seu fundamento. Não é meio muito seguro, mas dependerá da certeza que se tem do fundamento.

3º) Os resultantes do valor intrínseco do conteúdo, abstraído de um labor interpretativo. Embora seja perigoso, porque aqui facilmente o intérprete transpõe os limites de sua missão, portanto este remédio deve ser usado “cum grano salis”.

A EXPRESSÃO INDEFINIDA[58] pode surgir por: imperfeição ou ambiguidade de termo ou de construção. Dá-se uma imperfeição quando, por exemplo, uma lei exige testemunhas mas sem dizer quantas. Ou quando se refere a uma quantidade de dinheiro sem falar quanto, o que é mais comum em testamentos. Já a ambiguidade de termos ocorre com mais frequência em negócios jurídicos do que em leis. O exemplo de quando alguém deixa como legado o escravo Tício, só que quando do cumprimento dessa última vontade, verifica-se a existência de vários escravos com o nome Tício. A ambiguidade tem lugar ainda, quando o termo tem significado polissémico ou mesmo um sentido restrito e outro amplo.

A ambiguidade também pode ocorrer com construções jurídicas, tanto em lei quanto em negócios jurídicos. O que há em comum em todas essas variantes é que todas elas impedem de se descobrir o “pensamento acabado” da lei. 

Para a solução, qualquer dos três tipos de remédios podem ser úteis. Primeiro, na busca de dissipar a incerteza, lança-se mão dos elementos do contexto da própria legislação, se possível, caso em que se excluem os outros remédios. Em seguida, busca-se o fundamento da lei ou um fundamento que guarde similitude com o conteúdo da lei ou, sendo infrutífera ainda essa busca, um fundamento mais geral. Em terceiro lugar, a incerteza poderia ser erradicada pelo valor intrínseco do conteúdo atribuído à lei à guisa das possíveis explicações da lei, quer seja pelo conteúdo, pelo seu fim ou pela qualidade desse mesmo fim, por exemplo, se mais “benigno y suave que otra”.

A EXPRESSÃO ERRÓNEA consiste na situação de falsidade de um termo por designar imediatamente um pensamento que não corresponde ao pensamento real da lei. Logo, o trabalho de interpretação está em adaptar a expressão falsa.

Aqui, SAVIGNY já admite a ideia de interpretação extensiva ou restritiva no sentido de adequar a expressão errónea com o pensamento da lei, na medida em que a mesma pode conter mais ou menos o referido pensamento legal. Assim, ou a rectificação é restritiva ou explicativa, dependendo do contexto. Exemplo de uma interpretação restritiva é o caso clássico da viúva que, logo após a viuvez dá à luz um filho e então pode-se casar, durante o tempo de luto, sem incorrer na pena de infâmia, vez que, por uma interpretação restritiva do edito, não haveria a possibilidade da turbatio sanguinis.

Por outro lado, por exemplo, através do recurso “a contrario sensu”, pode-se introduzir uma interpretação extensiva, pela suposição e um termo indireto. Exemplo: “si el praetor introducía una acción com los termos ordinários: “intra annum judicium dabo”, ellos daban a entender que “post annum non dabo”.

Por fim, há de cuidar-se para que não haja uma confusão entre interpretação e elaboração do Direito, cuja fronteira às vezes é ténue e os romanos não sabem divisar com nitidez. A esse propósito, SAVIGNY em sua obra, cita várias passagens para demonstrar essa fragilidade do jurista romano[59].

 

 6.6 Parte Histórica

 

A história é investigada na medida em que a jurisprudência tenha um carácter histórico. Não consiste em investigar a história para saber sobre a jurisprudência.

A elaboração histórica é especialmente indispensável para a legislação justinianéia, cujo conteúdo está intimamente vinculado ao background histórico de antes da legislação, inclusive com indicação dos autores dos fragmentos. Na medida em que Justiniano se limita a compilar o rico material existente, “el todo histórico se conviertió nuevamente en ley”.

Para SAVIGNY, a elaboração histórica se faz primeiro com uma vinculação histórica e depois com uma separação histórica.

Vincular historicamente requer identificar o tratamento recebido por uma questão especial na legislação passada, mas considerando o sistema em sua totalidade, a fim de se evitarem erros. Aqui entra a importância da crítica diplomática para a elaboração e construção do material. Nesse passo, a história do direito é importante, em seu papel de investigação das fontes.

A falha constatada nos autores a partir do Século XVI consiste em que o trabalho se limitou a historiar a jurisprudência como meio e conhecimento prévio sem mais objectivos. SAVIGNY menciona GUSTAV HUGO, como excepção. “Solo la história del derecho de Hugo es una buena muestra para ver el sistema mismo presentado como historicamente progresivo”[60].

O segundo mecanismo de elaboração histórica é a separação. A jurisprudência deve tratar as suas fontes separadamente. SAVIGNY menciona como exemplo as fontes de direito penal. Muitos autores confundem, conferindo idêntico tratamento às fontes romanas e às alemãs ao apresentá-las historicamente na mesma linha. Supõem que o legislador romano e o alemão são o mesmo. Outros limitam-se a tratar o estudo histórico como se fosse somente uma preparação, desconsiderando o resultado prático para o juiz.

Por fim, o tratamento histórico da jurisprudência vincula-se com outras ciências, como a política e a histórica propriamente dita. “As máximas políticas são investigadas como fundamentação da lei”, como também são objecto de crítica por parte da jurisprudência. Por outro lado, a jurisprudência também é parte da história, basta dizer que por ocasião da caída do Império Romano, o direito romano não gozava do esplendor que usufruiu no período da República.

 

6.7 Parte Sistemática

 

A universalidade e a individualidade são fundamentais para a interpretação sistemática. O intérprete deve ter a habilidade de encontrar a individualidade daquele texto. O que só pode tirar dele, sabendo que ele é uma parte de um todo. Esse princípio é tanto mais aplicável quanto mais perfeita for formalmente a legislação. Como a legislação expressa um todo, a interpretação do particular deve moldar-se ao todo, sem o que não se mostra inteligível.

 SAVIGNY pressupõe duas situações:

 

1ª) A lei particular como parte de um todo maior, por exemplo um fragmento dos escritos de juristas antigos. Deve mostrar-se o lugar em todo o sistema ao qual o princípio particular pertence.

2º) A lei particular modificou um único ponto funcionando como fontes exclusivas. Neste caso, se deve considerar particularmente o novo que a lei traz. À luz da linha histórica, se deve perguntar: “¿Que es correcto antes en este caso? ¿Que es lo que há sido cambiado en el derecho anterior?”

           

Para SAVIGNY, o conteúdo do Sistema são os princípios do direito. O que se necessita é um meio formal lógico de identificá-los na legislação, quer individualmente (definições, distinções), quer as suas conexões.

Primeiramente, para conhecer um princípio particular do direito, deve-se desenvolver os conceitos contidos nele, ou seja, formar as definições e proceder às distinções necessárias. Todo conceito faz referência a um princípio e todo conceito determina o sistema. Daí que um conceito falso leva a interpretações falsas. Nesse passo, fica clara a necessidade do material histórico. Assim, a etimologia logo se afigura como meio essencial para se garantir a fidelidade da legislação.

Depois, deve-se ordenar os princípios do direito. A vinculação interna dos princípios do direito deve guardar fidelidade. Por exemplo, os princípios de direitos reais devem separar-se dos de direitos obrigacionais. Ademais, no método total nada deve ser considerado insignificante, mas atentando para que se dê preferência ao mais importante.

SAVIGNY critica os que buscam o conteúdo da legislação directamente, mas sem moldar ao sistema como resultado da busca às fontes. “En un sistema debe estar dado ya el contenido del todo, y no directamente el de lo particular”[61]. Como resultado de muitos desses escritos tem-se, por vezes, trabalhos eruditos, mas não sistemáticos, mais úteis a colecções metodológicas de fontes. Assim, esses estudiosos conseguem diversidade de material, mas não sua sistematização.

Outros juristas buscam uma unidade sistémica, mas não têm fidelidade à diversidade do material. Esses deixam-se guiar pela arbitrariedade, o que é uma verdadeira revolução contra a legislação e o sistema se lhes escapa.

SAVIGNY afirma que todo o sistema leva à filosofia. “La presentación de un sistema meramente histórico conduce a una unidad, a un ideal sobre el cual se funda. Y esto es filosofia”[62].

Mas, enquanto que a filosofia somente influenciou o sistema quanto à forma, não tendo efeitos senão efémeros, as elaborações históricas perduraram. Na verdade, SAVIGNY considera a filosofia como desnecessária para o jurista. A ciência do direito sempre desenvolveu-se sem a filosofia, que nem sequer como conhecimento prévio é necessária.

 

6.8 A Comum Convicção Jurídica do Povo. A Instituição e as Regras Jurídicas[63]

 

SAVIGNY refere-se à fonte originária do Direito como sendo não a lei mas a comum convicção jurídica do povo, o “espírito do povo” em sua obra Vom Beruf unserer Zeit, em 1814. Essa convicção constitui-se não por uma dedução lógica mas na forma de um sentimento e intuição imediatos. Esse sentimento e essa intuição não provêm ou estão contidos em uma norma ou regra geral e abstracta. Esse sentimento e essa intuição têm por objecto “as concretas e ao mesmo tempo típicas formas de conduta que, justamente pela consciência da sua ‘necessidade intrínseca’, são observadas pelo conjunto dos cidadãos, ou seja, as próprias relações da vida reconhecidas como típicas do ponto de vista do Direito”.

Essas relações da vida reconhecidas como típicas do Direito (por exemplo, o matrimónio, a propriedade imobiliária, a patria potestas e a compra e venda), pensadas e organizadas como uma ordem juridicamente vinculante são “os institutos jurídicos”. Nesse sentido, tais institutos jurídicos são a origem e o fundamento de toda a evolução do Direito.

No Sistema, SAVIGNY refere-se à “natureza orgânica” tanto no “nexo vital dos elementos que o constituem como na sua evolução progressiva”. Nas palavras de KARL LARENZ, “o instituto jurídico é pois um todo, pleno de sentido e que se transforma no tempo, de relações humanas consideradas como típicas, nunca logrando, por isso, ser exposto inteiramente pelo somatório das normas que lhe dizem respeito”.

As regras jurídicas, por um processo de “abstracção” são extraídas, “artificialmente” da “instituição global” dos mesmos institutos, organicamente considerados. As regras encontram o seu fundamento último na “intuição do instituto jurídico”.

 

6.9 Interpretação das Regras Contidas na Lei

 

Segundo a perspectiva constante do Sistema, as regras só podem compreender-se pela intuição do instituto jurídico. A mesma bússola pela qual se guiou o legislador ao formular tais regras.

Segundo SAVIGNY, existe sempre um desajustamento entre a intuição do instituto jurídico e a forma abstracta de cada regra, no único aspecto, artificialmente isolado da relação. Esse desajustamento constitui um desafio constante à Ciência Jurídica. Assim, o legislador parte da intuição integral do instituto jurídico como todo orgânico, para, por um processo artificial estabelecer a preceituação abstracta da lei. A aplicação da lei, por seu turno, requer um processo inverso para lhe restituir o nexo orgânico de que a lei é uma simples secção.

“Isso quer dizer que o pensamento jurídico não pode mover-se a um nível único, que tem sempre de conciliar intuição e conceito: pois, se a intuição lhe representa o todo, o conceito (e a regra através dele constituído) só consegue abranger um aspecto parcial, e, por isso, precisa de ser constantemente alargado e rectificado de novo por intermédio da intuição”.

 

6.10 Pontos Específicos da Interpretação no Sistema X Escritos da Juventude

 

Também no sistema, o objecto da interpretação da lei é “a reconstrução do pensamento ínsito na lei”. O intérprete deve colocar-se “em espírito na posição do legislador, e repetir em si, artificialmente, a actividade deste, ou seja, deixar que a lei brote como que de novo no seu pensamento”. No Sistema, volta a indicar os quatro “elementos” da interpretação: o gramatical, o lógico, o histórico e o sistemático. A diferença é que aqui não se constituem espécies de interpretação, mas de “diferentes actividades que têm de proceder em conjunto, se se pretende que a interpretação chegue a seu termo”.

O elemento sistemático tem a ver com “o nexo interno que liga em uma grande unidade todos os institutos e regras jurídicas”.

No dizer de KARL LARENZ, quando se confronta com os primeiros escritos, “verifica-se assim que o acento aqui se desloca, com maior nitidez, da “expressão” para as “ideias” e para a “actividade do espírito” – orientada, em última instância, para uma “intuição” global – de que brota a regra jurídica; no que exprime o afastamento do positivismo legalista estrito das obras da juventude, determinado pela nova teoria das fontes do Direito”

 

6.10.1 Interpretação teleológica

 

SAVIGNY rejeita, inicialmente, uma interpretação teleológica, sob o argumento de que o fim ou a razão não faz parte, por via de regra, do conteúdo da norma. Excepcionalmente, quando o legislador indicou a razão da lei, fê-lo como meio de esclarecimento da regra constituída. Assim, o juiz deve atender só o que o legislador preceituou e não o que o legislador busca atingir. O aperfeiçoamento da lei não é tarefa do juiz e sim do próprio legislador. O papel do juiz consiste em identificar o conteúdo da lei, segundo o seu sentido lógico, gramatical e extraído da sua conexão sistemática.

Já em sua obra da maturidade um afastamento nítido do pensamento inicial de SAVIGNY pode-se abstrair de suas afirmações sobre “a razão de ser da lei”, ou seja, o fim da lei. Ele distingue o fim do conteúdo da lei, para concluir que o fim não é um elemento da mesma lei. Isso posto, ele permite utilizar o elemento “razão de ser da lei” no trabalho interpretativo, mas sempre “com grande precaução”. Cita como situação de se lançar mão do fim especial da lei, ou mesmo “razão geral”, se comprovável, no caso de ser indeterminada a expressão usada na lei, mas antes apelando-se para “o nexo interno da legislação”.

 

6.10.2 Interpretação extensiva e restritiva

 

A teoria da interpretação extensiva e restritiva, consistente na operação formal de complementar ou eliminar algo do sistema é reprovada por SAVIGNY, na sua obra Metodologia Jurídica. A operação judicial de agregar algo à lei não é tida aí como uma verdadeira interpretação, pois está fora da lei e lhe falta objectividade legal. Ao contrário, uma acção assim traria insegurança jurídica e se é uma operação “accidental” não pode ter aplicação na ciência do direito.

Na maturidade, porém, SAVIGNY irá rever essa concepção, passando a admitir o uso de uma interpretação extensiva ou restritiva, mas com o objectivo de rectificar uma expressão defeituosa do texto[64].

Lança-se mão de um trabalho de busca de elementos históricos, para identificar a intenção do legislador, quando empregou a expressão imperfeita. Em seguida, retorna-se a um trabalho semelhante ao item anterior (fim da lei), quando simultaneamente ao “nexo interno”, busca-se identificar a razão especial de ser da lei. Mas, com a diferença de que aqui SAVIGNY volta a não admitir que a expressão da lei seja rectificada com base numa pura “razão geral”, ou seja, “numa ideia jurídica geral”, por consistir esse recurso “o carácter de um aperfeiçoamento do Direito distinto da interpretação”.

A atenção deve ser centrada no sentido de se conhecer “o verdadeiro pensamento da lei”, antes de se proceder à rectificação da expressão defeituosa. Mesmo assim, devendo-se estar atento para que essa rectificação guie-se em consonância com o fim da norma e nos limites da sua aplicação.

Aqui o Direito vai além da soma de normas em sua literalidade, para conter a ideia de um conjunto de institutos jurídicos presentes no espírito do povo, cuja apreensão pressupõe uma intuição daquilo que é jurídico, e não um mero racionalismo dedutivo.

 

 

 

 

6.10.3 Integração das lacunas por analogia

 

Em suas lições iniciais, SAVIGNY admite a analogia, no direito civil, mas através de aplicação de uma regra geral extraída da própria legislação e não fora dela. Consiste a analogia em descobrir na lei, ante um caso concreto não regulado por ela, uma regra especial que se aplica a um caso análogo, e reduzi-la a uma “regra superior” que, então, se aplicará ao caso não regulado. No direito penal, sequer a analogia é cabível, porquanto nessa seara se a lei é silente, não se pode falar em punibilidade advinda de uma aplicação analógica.

Aqui se difere da interpretação restritiva ou extensiva, porque, neste caso, é “a legislação que por si própria se complementa”[65]. A regra especial, vista como expressão de uma regra geral, mostra-se como o produto do espírito da lei, alcançado através de um processo analógico. Neste ponto, SAVIGNY parece ter sido alvo de crítica por valer-se de concepção jusnaturalista, “de que as regras “especiais” contidas na lei devem ser entendidas como consequências de certos princípios mais gerais e mais amplos.

SAVIGNY, no entanto, no Sistema, ao invés de manter o ensinamento anterior de que, ante a regra especial, se deve remeter à regra “superior”, contida implicitamente na regra especial, ensina agora o regresso à intuição global do instituto jurídico correspondente.

A exigência da “completude hermética” das fontes jurídicas é tão incondicional quanto a da unidade. Assim, havendo lacuna, só resta a dúvida como preenchê-la. A primeira doutrina, que deve ser rechaçada,  consiste em lançar mão de forma subsidiária do Direito natural. A outra, em lançar mão do próprio Direito positivo, “por meio de uma supuesta fuerza orgánica productiva”. Esse é o recurso tido como acertado por SAVIGNY, uma vez que as instituições se convalidam em sua consistência e coerência sistemática, em processo idêntico à eliminação das contradições.

Esse  processo de buscar as regras jurídicas no direito dado para completar as lacunas se chama analogia. Em duas situações se dá o descobrimentodo Direito:

 

1) quando surge uma relação jurídica nova e até então desconhecida e para a qual não existe uma instituição jurídica como modelo no Direito positivo em sua forma actual. Nessa situação, a analogia se fará a partir da instituição jurídica pela lei do parentesco.

 

2) quando dentro de uma instituição jurídica já conhecida, surge um novo problema jurídico particular. Analogamente à solução acima, também aqui se aplica a lei do parentesco, mas desta vez a partir das proposições jurídicas dentro da mesma instituição jurídica já conhecida.

 

Esse processo de desenvolvimento do Direito analógico, segundo SAVIGNY, pode “existir como motivo del desenvolvimiento del Derecho”[66] ou “como una clase de interpretación pura”[67]. No primeiro caso, frente ao legislador, tendo até mais liberdade, neste último, quando se apresenta a um juiz uma nova relação jurídica ou um novo problema.

A analogia parte sempre de algo dado para ampliar e resolver o problema. Apresenta-se como uma consequência interna “numa relação entre fundamento e conclusão”, mas também como consequência orgánica resultante das relações jurídicas e de seus modelos[68].

 

 

7        PALAVRAS FINAIS

 

 

Uma nota constante em SAVIGNY é que, desde os seus primeiros escritos, ele persegue persistente e obstinadamente a combinação dos métodos “histórico” e “sistemático”. O primeiro, ao situar a formação de cada lei dentro de um momento histórico e o segundo, pela compreensão englobante da totalidade das normas e institutos jurídicos subjacentes.

Os escritos da juventude concebem o sistema jurídico como um sistema de regras jurídicas, numa ligação lógica. Nesse raciocínio as regras especiais são abstraídas das regras gerais, podendo, inclusive, ocorrer o processo inverso.

A obra da maturidade sedimenta a ideia do “nexo orgânico” entre os “institutos jurídicos”. Desses “institutos jurídicos”, elaborados historicamente na consciência comum do povo, por um processo de abstracção, é que se extraem as regras jurídicas particulares. Essa é a razão por que o intérprete tem que “intuir” constantemente os “institutos jurídicos” para que possa compreender todo o alcance da norma particular. Nesse momento de maturidade, SAVIGNY deixa a questão da estrita vinculação à literalidade da lei, próprio dos seus primeiros escritos, fixando-se em considerações voltadas para o fim da lei e para o nexo de significações abstraídas pela intuição global do instituto.

Segundo KARL LARENZ[69], SAVIGNY “não esclarece, no entanto, como é possível reconduzir de novo a regra jurídica particular surgida por “abstracção” à unidade de sentido do instituto jurídico correspondente, e tirar desta unidade quaisquer determinações, quando tal unidade se oferece de modo intuitivo, não sendo acessível ao pensamento conceitual.” Para concluir que essa  falta de clareza  teria sido a causa da pouca repercussão da metodologia proposta por SAVIGNY, em proporção com o grande prestígio que pessoalmente usufruiu em toda a sua vida.

Embora SAVIGNY defendesse a existência de um Direito espontâneo, baseado no Wolksgeist, no que tange à influência exercida pelo autor no pensamento jurídico alemão subseqüente, o fator sistemático e cientificista de sua teoria termina por prevalecer sobre o fator historicista, permitindo com isso o desenvolvimento do formalismo jurídico na Alemanha através da jurisprudência dos conceitos (Begriffsjurisprudenz), cuja consequência (a da “esterilização da ciência do Direito”) não se deve, a não ser indirectamente a SAVIGNY, porquanto “o seu propósito era a desenvoltura orgânica do Direito”[70]

Para além das lições do método, SAVIGNY deixa para a comunidade jurídica lições de obstinação, de persistência, de objectividade e de amor à vida[71]. Aliás, a própria vida de SAVIGNY é um método perfeito. Ele, tendo perdido prematuramente seus pais e irmãos,  colheu dos seus mestres, a começar pelo tutor, KONSTANTIN VON NEURATHS, depois pelo seu professor de Direito Penal, PHILIPP FRIEDRICH WEISS,  a ideia do caminho a seguir. Aprendeu com eles o que tinham a oferecer. Com determinação e, à moda dos estudantes da época, percorreu várias universidades de seu país, doutorando-se aos 21 anos de idade. Consciente de que possuía luz própria, começou, com rigoroso “planeamento”, a carreira solitária e vitoriosa de cientista, com invejável coerência e sabedoria suficientes para rever seus próprios escritos, conforme se verifica no percurso de sua obra.

A história de vida e de produção jurídico-literária de SAVIGNY desautoriza a interpretação, salvo leitura equivocada, de alguns autores[72] de que ele estava de “espaldas al futuro”. Se, no primeiro momento de sua vida intelectualmente produtiva, ele parece com justeza mais “positivista-legalista”, o que se seguiu, nomeadamente em sua abordagem a respeito da analogia, foi que o futuro não lhe era estranho, como não são estranhas ao maestro do coral as pessoas para quem ele vira as costas.

O foco no aspecto ontologicamente histórico do direito e a concentração analítica nos elementos normativos detectados no presente mostram muito mais uma postura segura e menos exposta ao “azar” do que dos outros “aventureiros codificadores” da época. A própria história mostra que o correcto emprego de suas ideias faria da Alemanha no futuro (hoje presente) um centro irradiador e  referencial para a ciência do direito.

Talvez hoje seja válido afirmar que quem quis cuidar do futuro, descurando-se do passado, nem sequer estivesse a cuidar bem do presente. Isso, seguramente, valeu para a Alemanha, no processo de codificação. Naquele espaço e naquele tempo, com certeza SAVIGNY estava mais certo do que THIBAUT: ainda era tempo de plantar. Mais uma vez a história lhe deu razão.

Mérito para além da vitória no Beruf, foi a força arregimentadora automática, própria dos líderes, demonstrada por SAVIGNY, ao convencer, pela força de seus escritos e do seu entusiasmo, a comunidade científica de sua época, de que primeiro era necessário voltarem-se para as fontes do direito, com uma correcta e crítica separação do material histórico dado, de uma lado o contributo romano, de outro lado, o direito alemão, propriamente dito, conferindo a ambos o tratamento interpretativo respectivo. Essa visão seguramente faltou a THIBAUT no seu escrito ligeiro pró-codificação em 1814, mais preocupado em responder aos anseios de unificação do povo germânico do pós-guerra do que com uma proposta para o direito alemão  enquanto ciência.

 

 


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[1] Pesquisador em Ciências Jurídico-Civilísticas e Doutorando pela Universidad del Museo Social Argentino.

[2]De la vocación de nuestra época para la legislación y la ciencia del derecho”, em: U.F.T.THIBAU. und F.C.V. SAVIGNY. LA CODIFICATIONuma controversia programatica basada en obras de thibaut y savigny.  Traducción del alemán de José Diaz Garcia.Madrid: Aguilar, 1970,  p. 134.

 

[3] U.F.T.THIBAU. und F.C.V. SAVIGNY. LA CODIFICATIONuma controversia programatica basada en obras de thibaut y savigny. Traducción del alemán de José Diaz Garcia.Madrid: Aguilar, 1970,  p. XLI: “El apellido Savigny se acentúa en la primera sílaba, pronunciándose,por tanto “Savigny”, no “Savigny”, cf. Brandenburgia, año 19, pág. 384”.

[4] Wolfgang Fikentscher,  em  « La concepción de la historia y del sistema en SAVIGNY », em:  SAVIGNY e la Ciencia Jurídica del Siglo XIX, Anales de la Catedra Francisco Suares nº 18-19-1978-1979, Universidad de Granada, p.50: segundo esse autor, SAVIGNY teria ficado órfão aos onze anos, quando perdeu seu pai, um alto funcionário da cidade imperial, e seus irmãos.

[5] ERIK WOLF, em: Wolfgang Fikentscher « La concepción…, cit., p.50

[6] Wolfgang Fikentscher, « La concepción…, cit., p. 51, nota 11: Fue editada por Wesenberg en el año de 1951 segun los apuntes de uno de sus primeros alaumnos, Jakob Grimm; com razón atribuye Larenz a esta obra temprana un gran valor científico, Methodenlehre der Rechtswissenschaft, Berlín-Heidelberg-New York, 1960, 4ª edic. 1979, pág. 11.

[7] Idem, Ibidem, p.52.

[8] No mesmo sentido Wieacker: A obra “não deve a sua constante justificada fama nem ao seu objecto ou à sua teoria dogmática particular, mas à sua forma expositiva que, pela primeira vez, realizou o ideal da nova ciência jurídica, superando a investigação antiquarista dos juristas elegantes e as abstracções jusnaturalistas, e construiu a unidade orgânica e harmónica de uma instituição, em relação a um tema difícil e exemplar; não mais a exegese no estilo do usus modernus, nem a investigação propriamente histórico-jurídica das antigas fontes, mas a construção intelectual, mesmo artificiosa, a partir do princípio construtivo unitário da “vontade de possuir”, que é desenvolvido, com a cultura hermenêutica e com o sentido do equilíbrio de SAVIGNY, à maneira de um tema musical” (Franz Wieacker. História do Direito Privado Moderno. Tradução de A. M. Botelho Hespanha, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. Pág. p. 441).

[9] Erik Wolf, citado por Wolfgang Fikentscher,   « La concepción…, cit., p. 51, nota 7.

[10] FRANZ WIEACKER. História do …, cit., p. 443.

[11] Idem, ibidem, p. 442,  nota 37.

[12] Idem, ibidem, p. 442.

[13] U.F.T.THIBAUT. und F.C.V. SAVIGNY. LA CODIFICATIONuma controversia…,cit., p. XLIV.

[14]  Nos trabalhos de pesquisa para os presentes escritos, foram encontradas duas versões de System des heutigen Römischen Rechts para o Castelhano. Uma tradução havida directamente do alemão, realizada por Werner Goldschmidt, de 1949, intitulada “Los fundamentos de la ciencia jurídicae outra, vertida ao castelhano, indirectamente, da tradução francesa  de M. CH. GUENOUX, por Jacinto Mesía Y Manuel Poley, Edição de 2005, com o título “Sistema Del Derecho Romano Actual”. Sem nenhum juízo de valor, deu-se preferência à primeira versão, vez que feita directamente do original.

[15] Franz Wieacker. História do…., cit., p. 443.

[16] O mesmo autor aponta que a obra serve para a construção de uma teoria geral do direito em substituição ao jusnaturalismo, construindo ao mesmo tempo uma “filosofia do direito positivo”, com base na teoria jurídica de KANT: - a “existência autónoma” do direito que não deve forçar a eticidade autónoma da pessoa, mas antes a deve possibilitar; - o direito subjectivo como espaço da liberdade que possa coexistir com a liberdade dos outros; - o negócio jurídico e a vontade negocial como espaço de acção da personalidade autónoma. (Franz Wieacker. História do…, cit., p. 453.

[17] Idem, ibidem, p. 437.

[18] Idem, ibidem, p.  439.

[19] Idem, ibidem, p. 439

[20] Segundo o que consta em Franz Wieacker. Idem, ibidem, p. 443: “a carta de 13.04.1810 a Bang e de 4.7.1814 a Zimmer, editor de Heidelberg”.

[21] Para Herder e Savigny, o povo é um elemento vivo,  cujas forças  interiores revelam silenciosamente uma espécie  de consciência popular, denominado por eles de espírito do povo (Volksgeist).   O povo é anterior ao Estado e superior a ele. Nesse sentido, o costume que traduz o que emana do espírito do povo, afigura-se mais importante do que a lei, porque esta é uma concepção estadual e aquele é fruto dessa força interior, irreversível e silenciosa que vem do “espírito do povo”. Montesquieu, em 1748, publicara o livro L'Esprit des lois,  obra que inspirou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,  em 1789. Como suas  teorias exerceram profunda influência no pensamento político moderno,  é provável que tenha, mutatis mutandis,  igualmente influenciado o conceito elaborado pela Escola Histórica, muito tempo depois.

 

[22] A grafia do nome de SAVIGNY apresentará variações nas citações bibliográficas, consoante se refira à obra em português, espanhol ou no original alemão. Assim, embora pareça desaconselhável, mantiveram-se tais diferenças, em nome da fidelidade às fontes pesquisadas.

[23] Franz Wieacker. História do…, pág. 409: “Para os mais antigos, SAVIGNY foi um romântico de raça; a partir do grande fresco de Landsberg (1890), começaram a despertar maior atenção os contornos clássicos e classicistas de SAVIGNY e hoje predomina a classificação do principal ramo romanístico da escola como pertencente ao classicismo alemão”

[24] Na verdade, a legislação civil bávara do século XVIII parece ter surgido como precursora da codificação. Ainda sem as preocupações típicas do jusracionalismo, mas já se buscava a unificação do direito territorial e a decisão de questões controversas de direito comum. Assim, sem influência do iluminismo, o primeiro dos novos códigos, o Codex Juris Bavarici Criminalis foi publicado em 1751 e ainda com os crimes de feitiçaria, tortura e penas cruéis. Após, em 1753 publica-se “uma primorosa ordenação do direito civil que o disciplina e o aperfeiçoa, o Codex Juris Bavarici Judicialis e, por último em 1756, a mais importante secção do Código Civil, o Codex Maximilianeus Bavaricus Civilis”. Franz Wieacker. História do…., cit. p 370.

[25] Savigny era um clássico e tinha um pensamento conservador. Pertencia à elite social e cultural de sua época. Não estava disposto a mudanças abruptamente. Não queria mudanças de classes. A razão racionalista levava ao terror: a revolução francesa  inicialmente levou terror. O racionalismo inicialmente mexeria com as classes sociais, unificando os direitos e Savigny pertencia a uma casta privilegiada. Já Thibaut foi discípulo de Christian Wolf, que por sua vez tinha sofrido grande influência de Pufendorf. A linha de Thibau era a mesma de Cristian Wolf (do racionalismo  alemão). Linha racionalista, que, na sequência do pensamento racionalista, defendia a codificação, de forma coerente. No fundo recuperou esse sistema wolfiano.

 

[26] U.F.T.THIBAUT. und F.C.V. SAVIGNY. LA CODIFICATIONuma controversia…, cit., p. XX, nota 1.

[27] Idem, ibidem, p. XXI.

[28] Idem, ibidem, p. XXIII.

[29] Idem, ibidem, p. XXIV.

[30]Ao tempo em que expôs as ideias que formam a teoria da escola histórica, seu discípulo mais conhecido, Rudolf Von Ihering, ter-se-ia expressado sobre a obra: “La importancia duradera de esa obra está en el  aparato de ideas generales que SAVIGNY  consideró necesario poner en movimiento contra su adversário: una teoría sobre la naturaleza histórica del Derecho, unida a un esquema de los momentos principales de la hisitoria  de su desarrollo y contrapuesta, como concepción ‘histórica’, a la concepción racionalista dominante hasta entonces”. Jahrbücher  für Dogmatik, v. 364 em: U.F.T.THIBAUT. und F.C.V. SAVIGNY. LA CODIFICATIONuma controversia…, cit., p. XXVI.

 

[31] MARQUES, Mário Reis. Codificação e Paradigmas da Modernidade. Coimbra: Coimbra editora. 2003, p. 11-12

[32] Franz Wieacker. História do…., cit. p. 452.

[33]  Idem, ibidem, p. 448.

[34] Idem, ibidem, p. 449

[35] Referência a obra Methoden dês Rechts, t. IV, Tübingen, 1977, cap. 30, III-IV, que trata da estreita conexão entre conceito de História e conceito de Sistema, mencionado em Wolfgang Fikentscher,  « La concepción…, cit., p.55,  nota 21.

[36] Idem, ibidem, p. 56: “la separación como tal de los tratamientos históricos y sistemático era ya conocida a partir de los círculos de profesores postrereformadores de Basilea, Paris, Leyden desde la mitad del siglo XVI.”

[37] Idem, ibidem, p. 57 e nota 27.

[38] A obra muitas vezes referida como “Teoria do Método de Marburgo” é para efeito do que aqui se escreve a mesma a que se teve acesso para confecção deste trabalho e intitulada como “Metodología Jurídica”, constante da bibliografia final.

[39] WOLFGANG FIKENTSCHER « La concepción…, cit., p. 58/59.

[40] Idem, ibidem, p. 59.

 

[41] As citações entre aspas deste item referem-se à seguinte obra: Friedrich Karl Von Savigny. Metodología Jurídica. Buenos Aires: Valletta Ediciones S.R.L.2004,  p. 36-38.

[42] Idem, ibidem, p. 21. 

[43] Idem, ibidem, p. 17.

[44] Idem, ibidem, p. 21.

[45] Federico Carlos Von SAVIGNY. los fundamentos de la ciencia jurídica. Trad. directa do original System des heutigen Römischen Rechts, 1ª ed. (1840), por  Werner Goldschmidt, 1ª ed. Castelhana, 1949, em: La Ciencia del Derecho. SAVIGNY ET ALL. EDITORIAL LOSADA, S.A. BUENOS AIRES, 1949, p. 54.

[46] Idem, ibidem, p. 54.

[47] Idem, ibidem, p. 55.

[48] Karl Larenz. Metodologia da Ciência do Direito, 3ª edição, Tradução de José Lamego, Fundação Calouste Guldenkian, Lisboa. p. 10

[49] Idem, ibidem, p. 11.

[50] Idem, ibidem, p. 11.

[51] Friedrich Karl Von Savigny. Metodología ...., cit., p. 24.

[52] Federico Carlos Von SAVIGNY. los fundamentos…, cit., p. 84.

[53] Idem, ibidem, p. 24

[54] Idem, ibidem, p. 85.

[55] Friedrich Karl Von  SAVIGNY.  Metodología…, cit., p. 26.

[56] Idem, ibidem, p. 28.

[57] Federico Carlos Von SAVIGNY. Los fundamentos…, cit., p. 90.

[58] Idem, ibidem, p. 93.

 

[59] Idem, ibidem, p. 104, nota q.

[60] Friedrich Karl Von SAVIGNY. Metodología…, cit. p. 42-43.

[61] Idem, ibidem, p. 47.

[62] Idem, ibidem, p. 61.

[63] Todas as citações entre aspas, em português, cuja fonte não se encontra mencionada, constantes dos itens 6.8, 6.9 e 6.10 foram extraídas da obra de karl larenz, Metodologia da Ciência…, cit., p.  9-19.

[64] Sobre esse tema já se manifestou no item abordado anteriormente sobre expressão errónea.

[65] Federico Carlos Von SAVIGNY. los fundamentos…, cit., p. 42.

[66] Idem, ibidem, p. 148.

[67] Idem, ibidem, p. 148.

[68] Idem, ibidem, p. 149.

[69] Karl Larenz. Metodologia da Ciência…, cit., p. 19. 

[70] KRIELE (Theorie der Rechtsgewinnung, 2ª ed., 1976, pág. 71, em Karl Larenz. Metodologia da Ciência…, cit. p. 19, nota 6.

[71] SAVIGNY tinha saúde precária, mas com inteligência e equilíbrio, consegue alcançar seus planos acadêmicos, conciliando-os com a vida pessoal,  até o fim da vida, ou, nas palavras já mencionadas de ERIK WOLF, “tinha uma saúde delicada, mas um autodomínio muito grande com uma inteligente distribuição de suas forças”.

[72] Por exemplo, Wieacker e, em parte,  Wolfgang Fikentscher, como se pode ver neste texto alhures.