AS
LIÇÕES DE SAVIGNY
Henrique Olegário Pachêco[1]
“Mientras no tengamos conciencia de nuestra
conexión individual con el gran todo del mundo y su historia, tenemos
necesariamente que ver nuestras ideas bajo
Savigny[2]
1. Introdução 2. Vida e obra de Savigny 3. O Contexto
Sócio-Político-Cultural de Savigny 3.1 Escola Histórica 3.2 O Movimento da
Codificação
1 INTRODUÇÃO
As considerações que se seguem
circunscrevem-se ao tema delimitado no próprio título do trabalho, de maneira
singular na parte que se refere à metodologia desenvolvida por FRIEDRICH KARL
VON SAVIGNY, no curso de sua produção jurídico-literária, na primeira metade do
Século XIX.
SAVIGNY representa um rompimento com uma maneira de
trabalhar o material jurídico, propondo e aplicando, desde logo, uma nova
hermenêutica, que marcaria para sempre a ciência jurídica.
Conferida a importância real
devida àquele que, com justiça, foi considerado o cabeça da Escola Histórica, SAVIGNY igualmente deixou para a
posteridade uma reflexão metodológica imprescindível. De tal modo que os livros
de interpretação jurídica que se lhe sucederam seguem até os dias actuais repetindo
suas lições, e os Tribunais europeus de filiação hermenêutica romano-germânica
seguem aplicando seu método, com acréscimos incapazes de desfigurar o quadro
básico traçado por essa reflexão.
A importância desenhada no quadro histórico do
direito e seus reflexos na actualidade constituem a razão principal para trazer
referido autor para o centro do presente estudo. Até porque, sua importância é
tal que ele constitui a síntese de uma era e premissa de um novo tempo na
interpretação da ciência jurídica.
A pesquisa, de cunho
eminentemente bibliográfico apresenta os seguintes limites: não se valerá aqui
das obras escritas em alemão, por ser lamentavelmente um idioma estranho ao
pesquisador. Por isso, como fontes directas, deu-se preferência aos textos em
espanhol das três obras pilares para a compreensão do método de SAVIGNY – Metodología Jurídica, THIBAUT
SAVIGNY
Pela exiguidade temporal, a
pesquisa não irá além da proposta acima, sequer alcançará a denominada escola
da Jurisprudência dos Conceitos ou autores contemporâneos ou imediatamente
subsequentes, ainda que de reconhecida importância para a matéria nesse momento
posterior. Limita-se, portanto, ao caput
scholae da corrente histórica e ao aspecto metodológico de sua obra.
Para fins meramente de
contextualizar o mestre alemão, discorreu-se na primeira parte do trabalho uma
pouco sobre a Escola Histórica, em simultâneo com o movimento da codificação na
Alemanha, de forma singular, o confronto entre THIBAUT e SAVIGNY, havido em 1814. Para além
desse embate, só as lições de SAVIGNY.
FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY[3]
nasceu em 21 de Fevereiro de 1779
ERIK WOLF, mencionado por
WOLFGANG FIKENTSCHER[5],
traz duas notas sobre SAVIGNY:
tinha uma saúde delicada, mas um autodomínio muito grande com uma inteligente
distribuição de suas forças e em razão da perda tão “temprana” de sua família,
surgiu-lhe um piedoso respeito “hacia el espíritu del pasado y de los
antepasados”, o que teria sido a justificativa de sua determinação pelo método
de trabalho jurídico empreendido por ele.
Em 1795, entrou para a
Universidade de Marburg para estudar História e Ciência do Direito, onde teve
como professores Anton Bauer, um dos mais notáveis pioneiros da reforma do
Direito penal alemão, e Philipp Friedrich Weiss, destacado por seu conhecimento
em Direito medieval, e que teria transmitido suas inquietações científicas ao
jovem SAVIGNY.
SAVIGNY freqüentou diversas universidades,
notadamente a Universidade de Jena, a de Leipzig, a de Göttingen e a de Halle e
retornou a Marburg, onde se doutorou em 1800, com uma tese de Direito Penal,
“De concursu delictorum formali”.
Após viagem de pesquisas, retorna
a Marburgo, em 1802/1803, e aí se torna professor. Foi nessa época que ditou “
Também em 1803 veio à luz a obra
Über das Recht des Besitzes, considerada a obra-prima de SAVIGNY e que o tornou realmente
famoso. Dois elementos conferiram enorme fulgor ao seu tratado, quais sejam: a
separação das fontes antigas das modernas e o exame dos textos com base em suas
mudanças históricas de concepção. A novidade da obra de SAVIGNY, pelo que se abstrai de ERIK WOLF[7], foi o modo de tratar o tema, já que a questão
da separação das fontes já fora cogitada antes por PÜTTER e a segunda conquista
já era tema da jurisprudência elegante do Século XVI[8].
Apesar do círculo romântico
familiar próximo a SAVIGNY – pelo
lado da esposa Gunda com quem se casou em 1803 – foi Herder que mais o
influenciou, herdando deste a ideia de individualidade que se realiza na
totalidade da vida. “La individualidad histórica aparece en él como una vida
global que se desarrolla por si misma, unida al devenir orgânico de la
Naturaleza”[9].
Em 1808, passou a leccionar
Direito civil romano na Universidade bávara de Landshut, onde permaneceu um ano
e meio. Em 1810, aceitou o convite de Wilhelm von Humboldt para participar da fundação da nova
Universidade de Berlim e a ocupar a cadeira e Direito romano. Nos anos de 1812/1813, tornou-se reitor da
instituição, a que até sua morte se manteve apegado.
A sua obra programática, constante do Von
Beruf unserer Zeit für Gesetzgebung und Rechtswissenschaft (tida como uma
resposta a THIBAUT, que defendia a codificação) e a fundação da “Zeitsschrift
für geschichtliche Rechtswissenschaft”, o órgão da nova escola histórica, o
conduziram ao máximo destaque na Escola Histórica do Direito.
Esses
escritos constituem elementos que embalaram conrovérsias por mais de meio
século, na história do direito privado alemão. Eles revelam convicções, cujo
papel é norteador no programa de
renovação da ciência do direito positivo, “a partir dos dados irredutivelmente
históricos da matéria que lhe é pré-dada”[10].
Um
direito concebido “a-historicamente” é um direito arbitrário, elaborado a partir de si mesmo. A lição de SAVIGNY trazia a idéia de algo
construído no tempo, com pressupostos históricos, afastando a concepção de que
a natureza humana seja “perfeita, individual e isolada”. Se a matéria do
direito tem essa vinculação total com o passado de um povo (nação), ela só
poderia ser estudada, entendida, encontrada, por meio de uma ciência histórica,
como parte de uma cultura global.
SAVIGNY entende
a história como a “tradição espiritural entre o ontem e o hoje”, não como uma
evolução automática, determinista, mas inserindo-se a razão humana e a
liberdade. Na verdade, a história não é concebidia como um passado encerrado,
“mas a ordem jurídica da actualidade historicamente tornada positiva”. A
formação da matéria pertence à ordem jurídica, mas a sua conformação pertence à
ciência do direito.
Em 1815 publicou o primeiro
volume de Geschichte des römischen Rechts in Mittelalter (História do Direito
romano na Idade Média) tendo o seu último volume vindo à luz em
1831.
A
concepção desta obra pressupõe um
projeto concebido na primeira fase da vida intelectual de SAVIGNY, porquanto “as grandes recolhas
de material das bibliotecas do sul da Alemanha e em Paris (a partir de 1804) já
pressupõem este projecto”[11].
Essa obra tem uma ligação estreita com o projeto metodológico do seu autor. Ela
veio ao encontro da concepção fundamental de SAVIGNY
de que “a unidade da cultura jurídica europeia e da tradição constituíam uma
obra cultural e literária do passado”[12].
Essa obra constituiu por muito tempo um precioso material de pesquisa da
história da cultura e ensino jurídicos.
Nessa mesma ocasião, SAVIGNY provou que o texto descoberto
em Verona, Itália, por Niebuhr, em 1816, sugerido por este como de Ulpiano, após
avaliação do manuscrito que lhe foi entregue para análise, como sendo, na
verdade o manuscrito da Instituta de Gaius e não de Ulpiano[13].
Em 1817 ele foi designado membro
da comissão para a organização dos estados provinciais prussianos e também
membro do departamento de justiça do Staatsrath e em 1819 se tornou membro da
suprema corte de apelação para as Províncias do Reno. Em 1820 foi feito membro
da comissão para a revisão do código de Direito prussiano.
Em 1822 foi atacado por uma séria
doença nervosa que o obrigou a mudar-se para uma rotina mais intimista e
reflexiva, continuando, todavia na Academia Berlinense de Ciências e para a
coroa. Em 1835, quando se havia curado da enfermidade nervosa de que fora
vítima, começou a elaborar seu trabalho sobre Direito romano contemporâneo,
System des heutigen römischen Rechts, obra publicada entre os anos de 1840 e
1849[14]
e considerada o tronco de sua obra adulta.
Dos oito volumes da obra se
destacam o volume nº 1, que trata, entre outras coisas, da interpretação da
norma jurídica e o volume nº 8, que trata do Direito Privado Internacional,
cuja essência até hoje se mantém. Essa obra da maturidade não deixou de
registar que se mantinha no mesmo objectivo anunciado nas suas primeiras lições
e nunca abandonado: construcção de uma ciência jurídica em que se conjugassem
elaboração histórica e sistemática.
Apesar
do propósito, WIEACKER[15] aponta um desligamento do que chama da “desordem da tradição através de uma forte
estilização sistemática”. SAVIGNY
estaria seguindo a exegese práctica do usus
modernus: escolha consciente das fontes romanas em função de sua utilidade
para o sistema[16].
Sua actividade como professor foi
encerrada em Março de 1842, embora continuasse na vida pública até 1848. Em
1853 publicou seu tratado sobre Contratos (Das Obligationenrecht), um
suplemento para o seu trabalho sobre o Direito romano moderno.
SAVIGNY morreu em Berlim, em 1861, “rodeado pela
maior fama alemã e europeia; as três mais importantes revistas
histórico-jurídicas alemãs ostentam ainda o nome da Fundação SAVIGNY (SAVIGNY-Stifung) fundada em sua memória”[17].
SAVIGNY tornou-se um clássico da ciência do direito,
um idolatrado da ciência de sua época, num referencial da língua e da cultura
alemã. Pertencia à elite social e cultural da época, facto que o possibilitou
ter um papel fundamental na reorganização das universidades e academias. Desde
as suas primeiras manifestações, deixa claro o seu propósito a perseguir nas
lides científico-literárias. Os escritos programáticos registram uma política
jurídica e cultural, no sentido da renovação da ciência jurídica do direito
comum, o que ele perseguiu a vida inteira. O “tratamento histórico” da ordem
jurídica foi o balizamento, “no complemento empírico-positivo do tratamento
“filosófico””, ou seja, sistemático e jurídico-teórico” para que a “ciência da
legislação” (termo usado por SAVIGNY
na época) se tornasse efectivamente uma ciência.
Para SAVIGNY, o direito aparece como parte da cultura geral, de
que o mesmo faz parte. Segue os passos de Herder quando este afirma: “os povos
são executores de um plano de evolução da histórica da humanidade que aponta
para a realização plena da humanidade”[18].
SAVIGNY, de forma mais peculiar,
vê a cultura como uma tradição espiritual, ou mesmo como uma tradição
literária.
SAVIGNY tinha origem política, quer pela
ascendência, quer pela sua posição social. E ele fez uso de seu prestígio na
sua acção de renovação da ciência jurídica: isso foi um acto político. Segundo WIEACKER[19],
“desde a sua juventude cultural até aos seus dogmáticos trabalhos de velhice, SAVIGNY ateve-se à teoria do direito e
à ética da liberdade de Kant, enquanto que, de acordo com as suas convicções
políticas e religiosas, ele se inclinava para a conservação da ordem política e
eclesiástica existente e dos direitos históricos da coroa, da igreja, das
corporações e das ordens privilegiadas”.
Os trabalhos de SAVIGNY foram planeados desde cedo de
forma criteriosa, demonstrando uma invejável perseverança de propósitos de
pesquisa, como é o caso das obras Geschichte dês römischen Rechts im Mittelatlter
e o próprio “Direito romano actual”. Esse planeamento, essa perseverança,
combinados com uma metodologia já desde o começo firmada, lhe garantem a
ausência de contradição no seu conjunto.
As ideias fundamentais expostas
no “Beruf unserer Zeit” (1814), são anunciadas quatro anos antes, na carta de
13 de Abril de 1810[20].
Isso demonstra que, como SAVIGNY
tinha um estilo de planear tudo, que o texto que serviu de base para a
contestação a THIBAUT já estava “elaborado no espírito” do autor. O texto em favor
da codificação foi apenas a gota d’água para o nascimento da polémica que a
literatura jurídica cuida de registar.
O Direito para SAVIGNY exprime o sentimento e o
espírito do povo (Volksgeist)[21]
e se materializa nos costumes. Daí porque não é universal nem imutável,
tampouco criado arbitrariamente pelo legislador. O papel sistematizador que a
codificação exerce em outros países, na Alemanha, principalmente na primeira
metade do século XIX, é função da ciência do Direito.
3
O CONTEXTO SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL DE SAVIGNY[22]
Essa escola consistia num grupo
de professores, juristas, historiadores e linguistas, todos animados pela
possibilidade de se conseguir respostas globais para o presente investigando a
história antiga e moderna. Desenvolveu-se a concepção da história como um
instrumento de interpretação do presente.
O historicismo, com a denominada
Escola Histórica do Direito, de que SAVIGNY
é expoente[23],
marca o pensamento alemão do fim do século XVIII e início do século XIX. A referida
escola nasce inspirada no contexto do romanticismo e do classicismo da época.
Veio valorizar a tradição, o sentimento, a sensibilidade, as manifestações
espontâneas. Confere ênfase à individualidade, procurando ao mesmo tempo, no
passado, explicação do presente, e também motivações para o futuro. Nesse
contexto, o direito é produzido na espontaneidade e no histórico de cada povo.
Ao substituir o abstracto e o
universal pelo particular e pelo concreto, pode-se dizer que a escola histórica do Direito é
eminentemente anti-racionalista, opondo-se à filosofia iluminista. Ao criticar
radicalmente o jusnaturalismo, a escola histórica abre caminho para o
desenvolvimento do positivismo jurídico na Alemanha.
3.2 O Movimento da Codificação
A codificação é a marca da
transição para o século XIX. Teve inspiração claramente iluminista[24].
Buscava a positivação do direito natural, através de um código produto do
Estado, representante de um direito único para todos. Em consequência, rejeita
o direito consuetudinário, por considerá-lo ligado à ideia de irracionalidade
da tradição, e, por conseguinte, contrário aos princípios da civilização. Esse
pensamento extremado de racionalismo cristalizou-se através do Código napoleónico,
que, por sua vez, orientou toda a actuação da escola da exegese, que se seguiu
a essa codificação.
A Alemanha do início do século
XIX tinha um ambiente cultural bem diverso da França. Em 1814, quando do ápice
da discussão acerca da codificação, o país vinha de um processo de fragmentação
territorial muito acentuado. Sua situação político-social era bem diversa da
francesa de modo que a proposta de se criar um direito único, inspirado nos
moldes do Código de Napoleão (Code), iria gerar inúmeras controvérsias entre os
alemães, como se pode ver através do debate entre THIBAUT e SAVIGNY.
A teoria de THIBAUT consistia em
elaborar açodadamente um código para a Alemanha nos moldes do Code ou da
Áustria ou Prússia, com tendência para aceitar o primeiro, criticando o direito
romano fortemente.
A teoria de SAVIGNY foi mais elaborada, tendo
merecido um tratado específico sobre a matéria, profundo conhecedor que era do
Direito Romano. Suas colocações são recheadas de exemplos como sobre a
propriedade e as obrigações, mostrando que os romanos haviam atingido um nível
de aperfeiçoamento jurídico muito superior a qualquer povo e por um período
vastíssimo na história. Elabora uma teoria da ciência do direito em que
basicamente defende que o direito se faz historicamente e não pode ser imposto
abruptamente.
Defendeu a conciliação do direito
romano com o direito comum germânico, mas disse que não havia na altura nenhum
jurista capaz de elaborar um Código que conseguisse coligir toda a literatura
jurídica produzida, todo o espírito do direito. Defendeu que não houvesse a
elaboração do Código e que, ao contrário, fosse enfatizado o estudo do direito
em toda a sua amplitude histórica, sem desprezar a contribuição da época.
SAVIGNY escreveu com muita serenidade e domínio
sobre a matéria da ciência do direito, opondo-se à aspiração do Colega THIBAUT
e de tantos outros de sua época das mais distintas correntes espirituais
(estadistas, poetas, sabios y juristas teóricos e prácticos)[26],
em relação ao movimento da codificação.
Sua obra “De la vocación de
nuestra época para la legislación y la ciencia del Derecho” constitui “la
primera manifestación programática de uma dirección que, trás expulsar no solo
de la ciência, sino también de la práctica, las nocivas concepciones
jursnaturalistas dominantes hasta entonces, señaló el campo que había de
conducir nuevamente a la ciencia del Derecho a um desarollo esplendoroso”[27].
THIBAUT, embalado pelo espírito
nacionalista que envolvia toda a Alemanha em 1814 (derrota de Napoleão
Bonaparte um ano antes na Batalha de Leipzig, também conhecida como Batalha das
Nações), e convencido de que era possível melhorar a situação jurídica da
Alemanha, como ele mesmo diz, em menos de catorze dias – “con todo entusiasmo
de mi corazón”, escreve uma pequena obra sobre a necessidade de um Direito
Civil geral para a Alemanha, partindo da premissa de que o direito positivo
baseado no direito de Justiniano não se adaptava nem material nem formalmente à
realidade da época. Para tanto defendia um trabalho compilado resultante do
esforço combinado dos juristas mais instruídos, “pero en el que cada país
pudiera conservar, sin embargo, las peculiaridades que exigiese su
idiosincrasia”[28].
O confronto entre SAVIGNY X THIBAUT estampa situações
directamente ligadas a cada um: cultura aristocrática x política democrática;
tradição europeia x novo sentimento nacional; ciência x prática activa.
A tese da não codificação na
Alemanha acabou por ser acolhida, naquele momento, o que só viria a ocorrer
a partir da segunda metade do século
XIX.
3.4.1
Articulação das ideias de THIBAUT
·
Em
relação ao direito alemão alega que “todo nuestro Derecho autóctono es un
amontonamiento informe de preceptos abigarrados y contradictorios”[29].
Por isso, são forçados a recorrer ao direito romano e por vezes ao canónico,
permanecendo, no entanto, a confusão de conceitos e as obscuridades presentes
no direito alemão.
·
Relativamente
ao direito romano, considera que não possuem um texto autêntico e suas inúmeras
versões conduzem a uma insegurança jurídica. É necessário debelar essa
“tradição erudita morta” em nome de um património político vivo da Alemanha.
·
As
concepções jurídicas romanas de um lado e as concepções alemãs de outro
impossibilitam a compilação em um todo único e só um código nacional permitiria
uma visão de todo o Direito, o que agradaria ao jurista e facilitaria o
processo de ensino académico em seu aspecto prático.
·
Alega
que a positivação (codificação) permitiria superar o quadro traçado acima e
configuraria um passo decisivo para a futura unificação da Alemanha,
despertando a consciência de nação em um país dividido em dinastias
territoriais. Haveria, assim, dois ganhos: um jurídico e outro político.
A história se encarrega de
mostrar que o projecto de THIBAUT não vingou naquele momento. Apenas voltou à
luz em 1848 e efectivamente só se tornou realidade no final do século XIX.
No entanto, a semente da
discussão sobre o código geral para a Alemanha, com argumentos fortes de
unidade do Direito civil com abrangência nacional, havia sido lançada. Nisso o
grande mérito de THIBAUT.
3.4.2 Articulação das ideias de SAVIGNY
SAVIGNY, por seu lado, sentiu-se impulsionado pela
obra de THIBAUT e expôs suas ideias no texto “Da vocação de nossa época para a
legislação e para a ciência do Direito”[30].
Nesse manifesto, SAVIGNY se opôs à codificação proposta
com dois fundamentos:
1º) que o dano causado pela negligência de gerações
anteriores de juristas demandaria tempo para ser revisto;
2º) que o chamado Direito natural, na verdade,
constituiria um perigo nessa empreitada.
A importância imediata dessa obra
é que ela provou que um estudo histórico do Direito positivo era uma condição
essencial para o correcto entendimento da ciência de todo o Direito.
Seguem
alguns pontos destacados das suas ideias:
·
o direito se concebe, ao contrário, não a partir de
uma existência independente e autónoma. Ele é resultado da convicção comum de
um povo, ao lado de seu idioma, seus costumes e sua organização. Não surge
casual e arbitrariamente. O Direito não é estanque e, ordinariamente, suas
regras se materializam em ações simbólicas dos povos, as quais, em determinadas
situações, são traduzidas em sede de representação por juristas, numa
composição do elemento político mais
elemento técnico do direito.
·
a concepção excepcional de influência da legislação
sobre o direito só se admite em três fundamentos: a) vontade do legislador de
alcançar fins políticos mais elevados; b) eliminação de dúvidas e obscuridades
jurídicas existentes; c) codificação pelo Estado ou por juristas individuais de
todo o corpo do Direito provada sua utilidade, quer seja internamente (maior
certeza jurídica), quer externamente (correção e retificação dos direitos
locais e aplicação para toda a Alemanha).
·
Sobre o Direito Romano, SAVIGNY afirma que foi o único direito de um grande povo, de
existência longa e ininterrupta, cultivado “com extraordinario amor en todos
los períodos de la vida de este pueblo”. Tem uma excelente linguagem técnica,
perfeitamene coordenada com a ciência. A teoria e a práctica estão umbilicalmente ligadas, de forma que
uma não caminha sem a outra.
·
O valor peculiar do Direito Romano está na facilidade
em que vão do preceito fundamental à aplicação de um caso litigioso, passando
com maestria do geral para o particular e deste para o geral.
·
O invejável desenvolvimento do Direito Romano no
século III da Era Cristã não pode ser visualizado sem conexão com sua própria
história. Concebido de dentro para fora, como Direito Consuetudinário, conservou sua vitalidade e um progresso vivo,
sem necessidade de nenhum código, mesmo quando a situação se mostrava
favorável, como na época dos célebres juristas Papiano, Ulpiano e Paulo.
·
Afasta as críticas sobre as alegações de que o Direito
Civil na Alemanha é culpado pela duração excessiva dos processos, a que se
debita a má gestão judicial e, ao contrário de THIBAUT, vê nas diversidades de
direitos territoriais não um defeito, mas uma vantagem “que promueve la
individualidad en la formación del Derecho”
·
Alega falta de domínio da comunidade jurídica de
então, quanto ao conteúdo da ciência
jurídica, bem como da linguagem própria da lei, concluindo que não há juristas
capazes para a elaboração de um bom
código.
·
Defende o ensino e a investigação do Direito antigo e
suas fontes, mas historicamente. Admite,
no entanto, a codificação para a posteridade, dependendo do “concurso de las
más raras y felices circunstancias”.
·
SAVIGNY ressalta que o
mal não está nas fontes do Direito, “sino em nosotros”, pelo que um código não resolveria a situação, a qual
viria através da implantação de uma ciência orgânica jurídica progressiva.
·
Todas as codificações seriam “inorgânicas”, logo,
prejudiciais ou inúteis e o direito só se formaria de forma “orgânica” a partir
das convicções do povo, ou seja, através dos costumes, da ciência e da
práctica.
SAVIGNY, embora compartilhe com os defensores da
codificação a exigência de formular-se um direito mais sistemático para pôr
ordem ao caos jurídico, defende
que as condições político-culturais da Alemanha, pelas razões
expostas, não são propícias ao
desenvolvimento de uma codificação, para concluir que a melhor solução para sanar tais defeitos
estaria na própria ciência do Direito.
Além do
mais, a ciência do Direito além de produzir os efeitos de unidade e sistematização
creditados à codificação ainda tem
vantagem de tornar o Direito mais maleável e adaptável, sem a rigidez de um
código.
THIBAUT envereda-se na linha
crítica do direito romano-canônico, defendendo a codificação, enquanto Savigny
opta pela ciência jurídica, propondo uma tarefa cujas premissas epistemológicas
são incompatíveis com o projecto da codificação[31].
Tomando palavras de WIEACKER, “a
história do Século XIX deu razão quer a THIBAUT, quer a SAVIGNY: a THIBAUT, na sua exigência de um código comum como
garantia da unidade e liberdade nacionais; a SAVIGNY,
na sua afirmação de que só através de uma ciência jurídica renovada, i. e., de uma cultura científica, a Alemanha estaria pronta para um tal código”[32].
O Direito é “uma parte
individualizada da vida do povo” e que “actua silenciosamente”, mas que brota
das concepções populares, tal como a linguagem. Já de início, não há espaço
para o direito “natural” ou “racional”, que surge como imposição a um povo,
como apregoa o impulso cultural iluminista, através do legislador
jusracionalista.
Assim, ao contrário de THIBAUT, SAVIGNY entendia como povo não a
“comunidade dos cidadãos postos sob tutela”, mas a “tradição cultural”. “Povo
não é, portanto, para SAVIGNY de
modo algum a realidade política e social da nação histórica, mas um conceito
cultural ideal – a comunidade espiritual e cultural ligada por uma cultura
comum”[33].
Nesse sentido, SAVIGNY que fora criticado por
voltar-se para o estudo do direito romano, na verdade agia com segurança e
coerência, na medida em que concebia o povo como um conceito cultural e, nesse
processo histórico-cultural, o direito romano já se havia tornado parte inseparável
da vida jurídica alemã. A investigação do direito pátrio, bem como das
codificações do direito romano, como o Corpus
Iuris, parte de uma concepção de que ambos pertencem à história do direito
alemão.
Isso seria uma falsa profissão de fé no romantismo
nacional das guerras de libertação ou uma mudança de convicção ou de táctica?
Para WIEACKER[34],
SAVIGNY “decidiu-se, no conflito
entre a exigência de um futuro nacional e a tradição europeia, por uma assunção
de responsabilidades perante a cultura comum europeia”.
5
A HISTORICIDADE DO DIREITO COMO FUNDAMENTO DO
MÉTODO DE SAVIGNY
5.1 Os sentidos de Histórico e Sistemático:
uma ideia herdada?
SAVIGNY, desde o começo, sublinhou a contraposição
entre a consideração histórica e a consideração sistemática no Direito, mas
para, em seguida, tomar os dois elementos na elaboração de sua interpretação do
direito.
O sentido da historicidade para SAVIGNY tem contornos específicos desde
a sua obra Teoria do Método de Marburgo, de 1803, como também no primeiro
volume do “Sistema”, publicado em 1840. Segundo FIKENTSCHER, tanto o histórico
como a concepção de sistema sofreram mudanças de conceitos nos dois momentos,
primeiro influenciado por Kant e segundo pelas ideias de Hegel, o que se
percebe através de um estudo mais detalhado, conforme obra específica do mesmo
autor, aqui não consultada[35].
Como referido alhures, PÜTTER
antecedera a SAVIGNY na questão
da separação do método de trabalho histórico e sistemático e também na questão
de perspectivar historicamente o direito, elemento de distinção entre o direito
clássico romano do uso moderno[36].
Tais ideias teriam sido comuns
aos antecessores imediatos de SAVIGNY,
inclusive Gustav Hugo, tido como fundador da Escola Histórica e que alimentava
“el ideal de una obra sobre el espíritu del Derecho Romano”[37].
Apesar desses antecessores, que
apresentaram sugestões ou mesmo tiveram visão aproximada do problema, coube
mesmo a SAVIGNY com êxito essa
empreitada, a execução propriamente dita do programa do método histórico e
sistemático.
5.2 O Conceito de Histórico na Teoria
do Método de Marburgo (1803)[38].
Vê-se na obra de WIEACKER que há
uma acentuada discussão sobre a real identificação do conceito do histórico que
SAVIGNY desenvolveu na sua Teoria
do Método de Marburgo, se se perseguiu a mesma linha de SCHELLING, para quem a
“história servia para a indagação da matéria dada da ciência” ou no mesmo
sentido de PÜTTER, na leitura do que GUSTAV HUGO denominava método
“histórico-anticuario”.
De onde quer que venha o conceito
primitivo de histórico de SAVIGNY,
ele se caracteriza pela inclusão desse desenvolvimento histórico para o
conhecimento do presente, quer seja como o elemento exemplar (KANT), quer seja
como uma intuição da totalidade (SCHELLING).
Aqui WOLFGANG FIKENTSCHER parece
sustentar que a única diferença do conceito que mais tarde vai aparecer em sua
obra da maturidade é de que aí entrarão considerações de como o direito vai
aparecer no futuro, referência que na sua obra juvenil não ocorre. Daí porque o
mesmo autor equipara SAVIGNY a
SCHELLING: “El joven SAVIGNY, al
igual que Schelling, está “de espaldas ao futuro”, mientras que
O facto é que, ainda que seja
verdade a afirmação supra, a história agora não é considerada acriticamente
como aconteceu no século XVI. Pelo contrário, a atitude dos históricos é no
sentido de que ela via o caminho do passado ao futuro até hoje, apreciando-o
criticamente.
O que se pode ficar é que o
objecto de interesse histórico do SAVIGNY
jovem era o direito positivo-legalista e não conceitos prévios como das
instituições jurídicas ou outros elementos que ocuparão as páginas dos escritos
do Sistema anos depois.
Resta,
agora, perguntar se a perspectiva anterior da história que se encontra na obra
juvenil de SAVIGNY, ou seja, uma
concepção da história pouco interessada no futuro, sectorial e não
perspectivista, encontra-se também na
sua obra da maturidade “System des heutigen Römischen Rechts ».
FIKENTSCHER, sustentado em COING[40],
afirma que o SAVIGNY posterior afasta do dado, do positivo, ao
conceber a historicidade com o teoria do “espírito do povo” e com a
idéia das instituições jurídicas dela abstraída. O histórico, as fontes e os
critérios gerais prévios ao Direito
assumem um maior destaque.
Ora, de facto SAVIGNY
parece que nutria certa aversão pela actividade práctica de criação do Direito
e pela busca dos seus fins. Para ele o sentido da ciência do
direito se ligava ao processo de interpretar e explicar historicamente as
relações do direito vigente com vistas à sua perfeição sistêmica. Assim, se é
verdade que SAVIGNY estava de costas para o futuro no início de
sua caminhada científica, as mudanças de enfoque conceitual como acima visto,
em sua obra da maturidade não teriam o
condão de alterar a perspectiva do Direito por ele concebido.
No
entanto, é difícil imaginar SAVIGNY
com um comprometimento tão acentuado ao estudo da ciência do direito, durante
toda uma vida, de tal modo que tenha angariado um reonhecimento tão profundo de
seus pares e contemporâneos, sendo afetado por uma alegação aparentemente
frágil de que sua teoria estaria de costas para o futuro.
Ao
considerar sua teoria sobre as situações em que admite a aplicação da analogia
em que se admitem instituições jurídicas que se formam ex novo, SAVIGNY
incorpora um entendimento que se abre para a renovação da ciência jurídica, em
vista de novas situações a que o direito deve responder. E a isso não se pode
dizer estar de costas para o futuro.
6.1 Retrospectiva Histórica da Interpretação
aos Olhos de SAVIGNY[41]
Os séculos XII e XIII marcam o
início da história da interpretação. Vai dos glosadores Irnério até Acúrsio. A
interpretação do direito justiniano consiste em manter os textos tais quais
foram transferidos. Embora dedicados, os glosadores eram limitados em outros
conhecimentos.
Os dois séculos que seguiram (XIV
e XV) foram dos comentadores. SAVIGNY
é enfático. “Sin duda, eran peores que los glosadores, más o menos como la
relación que existe ahora entre los prácticos
y los teóricos”.
Nos séculos XV e XVI, é que, pela
primeira vez, se elaborou a jurisprudência em forma científica. E o período dos humanistas
franceses que vai até o século XVII. Dir-se-ia que os humanistas trataram com
muita afoiteza a literatura clássica, embora tivessem todo o conhecimento de
que os glosadores eram carentes. Mas ainda não apresentavam uma verdadeira
interpretação. Não havia a ideia de sistema. “Mas descuidaron el sistema,
porque no elaboraron lo que tenían como um todo. El método fue de digresiones,
y no puramente exegético”.
O final do século XVII e o século
XVIII constitui o período dos holandeses. Com eles surgiu a filologia,
formando-se, na Holanda, notáveis filólogos. Mesmo sendo a erudição uma nota
singular dos holandeses, eles não conseguiram ultrapassar os franceses.
A escola alemã (considerada à
parte) não se ocupou da interpretação, com excepção de Leipzig. Mas imitaram os
holandeses ou perderam-se
JAKOB GOTHOFRED foi um jurista
que não pertenceu a nenhuma escola, mas que é o único, segundo SAVIGNY, que merece menção. Nasceu em
Genebra em 14 de Setembro de 1585, onde foi professor e político, tendo falecido
em 24 de Junho de 1652. Escreveu Quattuor
fontes juris civilis. Mas sua obra principal, um Comentário sobre o Codex
Theodosianus, apareceu depois de sua morte, em 1665 e “es la única muestra de
una perfecta interpretación”.
A opinião desse jurista é muito
importante e merece ser estudada, especialmente a partir do seu Manuale juris em que propõe divisões do
acto jurídico. No final, o mesmo GOTHOFRED já presente uma lacuna cuja resposta
se encontraria em um sistema de política legislativa.
SAVIGNY nos seus escritos iniciais afirma que a ciência
da legislação – ou seja, a ciência do Direito – é primeiro uma ciência
histórica, e depois, também, uma ciência filosófica, afirmando que a ciência do
Direito é ao mesmo tempo histórica e filosófica. Nesse primeiro momento, SAVIGNY concebe o termo filosófico como sinónimo de sistemático, quando afirma que todo o
sistema conduz a um ideal, a uma unidade, ou seja, à filosofia.[42].
Na verdade, segundo SAVIGNY, para o jurista a filosofia não
se mostra necessária, nem mesmo como conhecimento prévio. Não se pode
confundir o elemento filosófico da ciência do Direito como a aceitação de
quaisquer princípios jusnaturalistas, mas apenas o que é comum entre a
ciência do Direito e a filosofia, ou seja, a unidade imanente
pressuposta por aquela.
Na obra, Metodología Jurídica, SAVIGNY apresenta a legislação
historicamente como uma das categorias das actuações do Estado: a categoria do
Estado como legislador. Nesse sentido, “el objetivo de la ciencia jurídica es,
por tanto, presentar historicamente las funciones legislativas”[43],
dividindo, para tanto, em ciência de direito privado ou civil do direito
criminal ou público.
Da dupla função legislativa do
Estado, extraem-se os seguintes princípios fundamentais:
1) a ciência legislativa é uma ciência histórica;
2) a ciência legislativa é também uma ciência
filosófica;
3) ambas são históricas e filosóficas ao mesmo tempo.
A elaboração sistemática da
jurisprudência requer uma unidade coerente. Para isso deve ter um conteúdo
geral, como tarefa da ciência do direito e cada lei um conteúdo “que no este
sujeto al azar”. Se existe esta elaboração sistemática da jurisprudência há uma
fronteira comum com a filosofia, “la cual mediante uma completa deducción debe
indicar todo el contenido de la tarea general”[44].
Para SAVIGNY, o particular, da elaboração filosófica, deve ser
considerado como um todo na elaboração sistemática e novamente ser possível a
decomposição da jurisprudência em seus elementos: ou seja, a jurisprudência
leva em si a condição de uma elaboração interpretativa e filosófica. A
legislação, embora concebida em dado período, relaciona-se com a história do
povo e do Estado, já que ela é uma acção deste. Mas, além de se conceber o
direito nesse aspecto, há também de se concebê-lo como um sistema de progresso
constante.
Esse entendimento de SAVIGNY, que se pode colher em sua obra
juvenil vai mudar substancialmente num segundo momento, quando se confere o
primado ao costume. A legislação surge no tempo como uma actividade do Estado,
o que leva a formar uma conjunção da história do Estado com a história dos povos.
Estas passagens da obra “Los
fundamentos de la ciencia jurídica” demonstram-no claramente:
“Ley es el derecho positivo, encarnado en el lenguaje
y provisto de poder absoluto del Estado”[45].
“Su contenido es el Derecho del Pueblo ya existente
o, lo que es lo mismo, la ley es el órgano el Derecho del Pueblo”[46].
“A él hemos de considerar como el auténtico
represenante del espíritu del Pueblo”[47],
independentemente se foram ou não eleitos pelo povo.
Igualmente há uma distinção da
elaboração interpretativa, da elaboração histórica e da elaboração filosófica
(sistemática) do Direito. A interpretação tem como objecto “a reconstrução do
pensamento que é expresso na lei, na medida em que seja cognoscível a partir da
lei”[48].
Para que o intérprete faça seu trabalho, ele terá de se colocar na posição do
legislador, tendo a ajuda dos elementos lógico, gramatical e histórico.
O “pensamento da lei” atinge-se,
tomando em consideração as circunstâncias históricas em que a lei apareceu. De
seguida, buscar-se-ão as particularidades (significado de cada texto para o
conjunto). A legislação só é entendida no seu todo e esse todo exige um sistema
para ser legitimamente reconhecido. Daí o grande significado dos elementos
históricos e sistemáticos na interpretação da norma.
A elaboração histórica parte do
sistema no seu todo “como algo progressivo” e a elaboração sistemática examina
a pluralidade articulada, “interessando-lhe quer o desenvolvimento de
conceitos, quer a exposição das regras jurídicas segundo o seu “nexo interno”,
quer, por fim, o preenchimento das lacunas da lei – expressão que não se
encontra ainda em SAVIGNY – por intermédio da analogia”[49].
6.3 Rumo “Positivista-Legalista” dos Escritos
da Juventude
KARL LARENZ[50]
defende que SAVIGNY tomou um rumo
“positivista-legalista” nos seus primeiros escritos, no sentido de que ele
presume uma estrita vinculação do intérprete ao texto da lei. Chama em seu
amparo a rejeição do que SAVIGNY
considera interpretação “extensiva” e “restritiva”. Tal artifício estaria
ampliando ou limitando a letra da lei, de acordo com a fim ou a razão de ser da
lei, o que seria defeso ao intérprete.
JOACHIM RÜCKERT, na sua
monografia, Idealismus, Jurisprudenz und
Politik bei F. C. von SAVIGNY,
1984, citado por KARL LARENZ, no mesmo lugar acima, prefere qualificar a
postura intelectual de SAVIGNY de
“idealismo objectivo”, em uma acepção ampla e sem vinculação a um determinado
sistema filosófico. RÜCKERT parece querer com isso evitar ligar a ideia de que
o conteúdo da lei seria discricionariamente (“arbitrariamente”) estabelecido
pelo legislador. O que de facto é estranho a SAVIGNY.
De qualquer maneira, “positivista-legalista” ou “idealismo objectivo”, com os
devidos decotes semânticos são adequados a essa fase de SAVIGNY.
O facto é que SAVIGNY parece ter tomado como objecto
da interpretação apenas a reconstrução do pensamento expresso na lei, passível
de ser extraído a partir da própria norma tão-somente. Para ele o dever do juiz
se resume a executar a lei, e não aperfeiçoá-la de modo criador, tarefa esta
que cabe tão-somente ao legislador.
A interpretação se pressupõe uma
elaboração histórica e sistemática.
SAVIGNY afasta a divisão de interpretação em
autêntica, doutrinal e usual. A primeira, tida como interpretação do legislador
e as outras dos estudiosos.
A “authentica” trata-se, na
verdade, de uma nova lei. Só se pode falar em interpretação doutrinal. A
“usualis” contradiz a própria ciência: na medida em que se divide em extensiva
e restrictiva, transcende o texto dado à interpretação. A disponibilização de
um texto antigo já foi precedida de um processo de escolha da descoberta,
chamado crítica diplomática.
SAVIGNY é claro no sentido de que o intérprete não
pode ir além da lei. “El intérprete debe colocarse en el punto de vista del
legislador y producir así artificialmente su pensamiento”[51].
Para tal, o intérprete tem uma tarefa tríplice: uma constituição lógica,
gramatical e histórica. Todas concebidas para SAVIGNY,
na Metodologia Jurídica, como classes de interpretação, conceito que veio a
mudar para actividades interpretativas no Sistema, onde não fala mais em
classes de interpretação, mas em elementos de interpretação:
No se trata,
por conseguiente, de cuatro clases de interpretación, entre las cuales se puede
escoger según el gusto y el arbítrio personal, sino de difererentes actividades
que deben cooperar para que la interpretación pueda dar êxito[52].
Condições para se ter êxito numa
interpretação, condensando-se os quatro elementos supra:
1ª) A recapitulação mental do pensamento
que dimana da expressão particular interpretanda;
2ª) A dominação do conjunto
histórico-dogmático que alumia a disposição particular para relacionação com o
texto presente[53].
O fim da interpretação “consiste
en obtener de cada ley tantos conocimientos jurídicos reales como sea posible”[54].
Há uma reciprocidade entre a boa
legislação e uma boa hermenêutica.
A lei tem que ser objectiva.
Todos os elementos para a interpretação devem achar-se nela mesma. Só assim o
intérprete pode colocar-se no ponto de vista da lei, que pode ou não estar de
acordo com a intenção do legislador.
A parte lógica: identificação do
conteúdo da lei em sua origem, sua genética e a relação entre as partes. Normas
de linguagem se mostram presentes. A parte gramatical é condição necessária da
lógica e com ela se relaciona. A parte histórica: processo de identificação do
momento determinado e do povo determinado para captar o pensamento da lei.
Assim, SAVIGNY elabora o seguinte conceito: “Interpretación es
reconstrucción del pensamiento (claro o oscuro es igual) expresado en la ley en
cuanto sea conocible en la ley”[55].
A interpretação independe do
conceito de ser ou não a lei obscura (“oscura”), embora sempre se entenda por
interpretação “uma aclaración artificial de lea ley”. No caso de um texto
“corrompido”, a crítica superior tem lugar para estabelecer de modo artificial
o conteúdo da lei. A crítica superior também se vale dos mesmos elementos de
toda interpretação: lógicos, gramaticais e históricos, sempre em busca de um
todo orgânico.
A crítica pode ser revelada
necessária a partir do próprio texto ou revelada a partir da interpretação.
Toda crítica e toda interpretação pressupõem uma necessidade, logo devem
trabalhar com a certeza ou pelo menos com essa ideia. A audácia e a arbitrariedade
não coadunam com a crítica. A crítica superior é também “inadequadamente”
chamada “crítica da conjectura” (não sem objecções) e é precedida pela crítica
diplomática.
A certeza de que se falou é o
resultado do conceito de um todo orgânico. No entanto, a aplicação desses
princípios críticos (necessidade, certeza) traz uma certa insegurança. É que o
que se apresenta como dado difere naturalmente do que se encontra através da
crítica.
Daí a necessidade de “aclarar” a
origem das “deformações”, se, por exemplo, advém de erros de copistas ou outras
causas. Assim, é o seguinte exemplo fornecido pelo próprio SAVIGNY[56]:
“Aclaración de la ley 8, punto 1,
de acquirrer dom. (D. 41, 1)”:
“Sed et si in confinio lapis nascatur, et sunt pro
indiviso communia praedia, tunc erit lapis indiviso communis, si terra exemptus
sit”
(La comunidad de una piedra
encontrada surge del hecho de que ella yace en el limite entre dos fundos).
SAVIGNY aponta a contradição e a falta de clareza do
texto com a redacção dada acima, como se “o condomínio” da pedra surgisse pelo
facto de ela encontrar-se na divisa e não do fato de que ambos os terrenos
estão nessa condição jurídica. Assim, numa acção interpretativa, ele sugere a
alteração da forma verbal do verbo ser (“essere”) da terceira pessoa do plural
do presente do indicativo (“sunt”) para a terceira pessoa do plural do presente
do Conjuntivo ou Subjuntivo (“sint”).
SAVIGNY sugere esse mesmo exercício com muitas
passagens do Corpus Iuris Civilis, comprovando com comparações de edições correctas.
6.5 Interpretação de Leis Defeituosas [57]
Segundo SAVIGNY, em sua obra “los fundamentos de la ciencia
jurídica”, os casos de leis defeituosas são:
I – Expressão indefinida que não conduz a nenhum
pensamento acabado;
II – Expressão errónea, que nos remete a um
pensamento diferente do pensamento da lei.
Para essas situações são previstos três remédios:
1º) Os que se encontram no contexto intrínseco da
legislação. Explicação pela mesma lei ou por outra lei próxima ou pertinente.
2º) Os que se encontram na coerência (“lazo”) da lei
com seu fundamento. Não é meio muito seguro, mas dependerá da certeza que se
tem do fundamento.
3º) Os resultantes do valor intrínseco do conteúdo,
abstraído de um labor interpretativo. Embora seja perigoso, porque aqui
facilmente o intérprete transpõe os limites de sua missão, portanto este remédio
deve ser usado “cum grano salis”.
A EXPRESSÃO INDEFINIDA[58]
pode surgir por: imperfeição ou ambiguidade de termo ou de construção. Dá-se
uma imperfeição quando, por exemplo, uma lei exige testemunhas mas sem dizer
quantas. Ou quando se refere a uma quantidade de dinheiro sem falar quanto, o
que é mais comum
A ambiguidade também pode ocorrer
com construções jurídicas, tanto em lei quanto em negócios jurídicos. O que há
em comum em todas essas variantes é que todas elas impedem de se descobrir o
“pensamento acabado” da lei.
Para a solução, qualquer dos três
tipos de remédios podem ser úteis. Primeiro, na busca de dissipar a incerteza,
lança-se mão dos elementos do contexto da própria legislação, se possível, caso
em que se excluem os outros remédios. Em seguida, busca-se o fundamento da lei
ou um fundamento que guarde similitude com o conteúdo da lei ou, sendo
infrutífera ainda essa busca, um fundamento mais geral. Em terceiro lugar, a
incerteza poderia ser erradicada pelo valor intrínseco do conteúdo atribuído à
lei à guisa das possíveis explicações da lei, quer seja pelo conteúdo, pelo seu
fim ou pela qualidade desse mesmo fim, por exemplo, se mais “benigno y suave
que otra”.
A EXPRESSÃO ERRÓNEA consiste na
situação de falsidade de um termo por designar imediatamente um pensamento que
não corresponde ao pensamento real da lei. Logo, o trabalho de interpretação
está em adaptar a expressão falsa.
Aqui, SAVIGNY já admite a ideia de interpretação extensiva ou
restritiva no sentido de adequar a expressão errónea com o pensamento da lei,
na medida em que a mesma pode conter mais ou menos o referido pensamento legal.
Assim, ou a rectificação é restritiva ou explicativa, dependendo do contexto.
Exemplo de uma interpretação restritiva é o caso clássico da viúva que, logo
após a viuvez dá à luz um filho e então pode-se casar, durante o tempo de luto,
sem incorrer na pena de infâmia, vez que, por uma interpretação restritiva do
edito, não haveria a possibilidade da turbatio
sanguinis.
Por outro lado, por exemplo,
através do recurso “a contrario sensu”, pode-se introduzir uma interpretação
extensiva, pela suposição e um termo indireto. Exemplo: “si el praetor
introducía una acción com los termos ordinários: “intra annum judicium dabo”,
ellos daban a entender que “post annum non dabo”.
Por fim, há de cuidar-se para que
não haja uma confusão entre interpretação e elaboração do Direito, cuja
fronteira às vezes é ténue e os romanos não sabem divisar com nitidez. A esse
propósito, SAVIGNY em sua obra,
cita várias passagens para demonstrar essa fragilidade do jurista romano[59].
A história é investigada na
medida em que a jurisprudência tenha um carácter histórico. Não consiste em investigar
a história para saber sobre a jurisprudência.
A elaboração histórica é
especialmente indispensável para a legislação justinianéia, cujo conteúdo está
intimamente vinculado ao background histórico de antes da legislação, inclusive
com indicação dos autores dos fragmentos. Na medida
Para SAVIGNY, a elaboração histórica se faz primeiro com uma
vinculação histórica e depois com uma separação histórica.
Vincular historicamente requer
identificar o tratamento recebido por uma questão especial na legislação
passada, mas considerando o sistema em sua totalidade, a fim de se evitarem
erros. Aqui entra a importância da crítica diplomática para a elaboração e
construção do material. Nesse passo, a história do direito é importante, em seu
papel de investigação das fontes.
A falha constatada nos autores a
partir do Século XVI consiste em que o trabalho se limitou a historiar a
jurisprudência como meio e conhecimento prévio sem mais objectivos. SAVIGNY menciona GUSTAV HUGO, como
excepção. “Solo la história del derecho de Hugo es una buena muestra para ver
el sistema mismo presentado como historicamente progresivo”[60].
O segundo mecanismo de elaboração
histórica é a separação. A jurisprudência deve tratar as suas fontes
separadamente. SAVIGNY menciona
como exemplo as fontes de direito penal. Muitos autores confundem, conferindo
idêntico tratamento às fontes romanas e às alemãs ao apresentá-las
historicamente na mesma linha. Supõem que o legislador romano e o alemão são o
mesmo. Outros limitam-se a tratar o estudo histórico como se fosse somente uma
preparação, desconsiderando o resultado prático para o juiz.
Por fim, o tratamento histórico
da jurisprudência vincula-se com outras ciências, como a política e a histórica
propriamente dita. “As máximas políticas são investigadas como fundamentação da
lei”, como também são objecto de crítica por parte da jurisprudência. Por outro
lado, a jurisprudência também é parte da história, basta dizer que por ocasião
da caída do Império Romano, o direito romano não gozava do esplendor que
usufruiu no período da República.
A universalidade e a
individualidade são fundamentais para a interpretação sistemática. O intérprete
deve ter a habilidade de encontrar a individualidade daquele texto. O que só
pode tirar dele, sabendo que ele é uma parte de um todo. Esse princípio é tanto
mais aplicável quanto mais perfeita for formalmente a legislação. Como a
legislação expressa um todo, a interpretação do particular deve moldar-se ao
todo, sem o que não se mostra inteligível.
SAVIGNY pressupõe duas situações:
1ª) A lei particular como parte de um todo maior, por
exemplo um fragmento dos escritos de juristas antigos. Deve mostrar-se o lugar
em todo o sistema ao qual o princípio particular pertence.
2º) A lei particular modificou um único ponto
funcionando como fontes exclusivas. Neste caso, se deve considerar
particularmente o novo que a lei traz. À luz da linha histórica, se deve
perguntar: “¿Que es correcto antes en este caso? ¿Que es lo que há sido cambiado
en el derecho anterior?”
Para SAVIGNY, o conteúdo do Sistema são os princípios do direito.
O que se necessita é um meio formal lógico de identificá-los na legislação,
quer individualmente (definições, distinções), quer as suas conexões.
Primeiramente, para conhecer um
princípio particular do direito, deve-se desenvolver os conceitos contidos
nele, ou seja, formar as definições e proceder às distinções necessárias. Todo
conceito faz referência a um princípio e todo conceito determina o sistema. Daí
que um conceito falso leva a interpretações falsas. Nesse passo, fica clara a
necessidade do material histórico. Assim,
a etimologia logo se afigura como meio essencial para se garantir a fidelidade
da legislação.
Depois, deve-se ordenar os
princípios do direito. A vinculação interna dos princípios do direito deve
guardar fidelidade. Por exemplo, os princípios de direitos reais devem
separar-se dos de direitos obrigacionais. Ademais, no método total nada deve
ser considerado insignificante, mas atentando para que se dê preferência ao
mais importante.
SAVIGNY critica os que buscam o conteúdo da
legislação directamente, mas sem moldar ao sistema como resultado da busca às
fontes. “En un sistema debe estar dado ya el contenido del todo, y no
directamente el de lo particular”[61].
Como resultado de muitos desses escritos tem-se, por vezes, trabalhos eruditos,
mas não sistemáticos, mais úteis a colecções metodológicas de fontes. Assim,
esses estudiosos conseguem diversidade de material, mas não sua sistematização.
Outros juristas buscam uma
unidade sistémica, mas não têm fidelidade à diversidade do material. Esses
deixam-se guiar pela arbitrariedade, o que é uma verdadeira revolução contra a
legislação e o sistema se lhes escapa.
SAVIGNY afirma que todo o sistema leva à filosofia.
“La presentación de un sistema meramente histórico conduce a una unidad, a un
ideal sobre el cual se funda. Y esto es filosofia”[62].
Mas, enquanto que a filosofia
somente influenciou o sistema quanto à forma, não tendo efeitos senão efémeros,
as elaborações históricas perduraram. Na verdade, SAVIGNY considera a filosofia como desnecessária para o
jurista. A ciência do direito sempre desenvolveu-se sem a filosofia, que nem
sequer como conhecimento prévio é necessária.
SAVIGNY refere-se à fonte originária do Direito como
sendo não a lei mas a comum convicção jurídica do povo, o “espírito do povo” em
sua obra Vom Beruf unserer Zeit, em 1814. Essa convicção constitui-se não por
uma dedução lógica mas na forma de um sentimento e intuição imediatos. Esse
sentimento e essa intuição não provêm ou estão contidos em uma norma ou regra
geral e abstracta. Esse sentimento e essa intuição têm por objecto “as
concretas e ao mesmo tempo típicas formas de conduta que, justamente pela
consciência da sua ‘necessidade intrínseca’, são observadas pelo conjunto dos
cidadãos, ou seja, as próprias relações da vida reconhecidas como típicas do
ponto de vista do Direito”.
Essas relações da vida
reconhecidas como típicas do Direito (por exemplo, o matrimónio, a propriedade
imobiliária, a patria potestas e a compra e venda), pensadas e organizadas como
uma ordem juridicamente vinculante são “os institutos jurídicos”. Nesse
sentido, tais institutos jurídicos são a origem e o fundamento de toda a
evolução do Direito.
No Sistema, SAVIGNY
refere-se à “natureza orgânica” tanto no “nexo vital dos elementos que o
constituem como na sua evolução progressiva”. Nas palavras de KARL LARENZ, “o
instituto jurídico é pois um todo, pleno de sentido e que se transforma no
tempo, de relações humanas consideradas como típicas, nunca logrando, por isso,
ser exposto inteiramente pelo somatório das normas que lhe dizem respeito”.
As regras jurídicas, por um
processo de “abstracção” são extraídas, “artificialmente” da “instituição
global” dos mesmos institutos, organicamente considerados. As regras encontram
o seu fundamento último na “intuição do instituto jurídico”.
6.9 Interpretação das Regras Contidas na Lei
Segundo a perspectiva constante
do Sistema, as regras só podem
compreender-se pela intuição do instituto jurídico. A mesma bússola pela qual
se guiou o legislador ao formular tais regras.
Segundo SAVIGNY, existe sempre um desajustamento entre a intuição do
instituto jurídico e a forma abstracta de cada regra, no único aspecto,
artificialmente isolado da relação. Esse desajustamento constitui um desafio
constante à Ciência Jurídica. Assim, o legislador parte da intuição integral do
instituto jurídico como todo orgânico, para, por um processo artificial
estabelecer a preceituação abstracta da lei. A aplicação da lei, por seu turno,
requer um processo inverso para lhe restituir o nexo orgânico de que a lei é
uma simples secção.
“Isso quer dizer que o pensamento
jurídico não pode mover-se a um nível único, que tem sempre de conciliar
intuição e conceito: pois, se a intuição lhe representa o todo, o conceito (e a
regra através dele constituído) só consegue abranger um aspecto parcial, e, por
isso, precisa de ser constantemente alargado e rectificado de novo por
intermédio da intuição”.
6.10 Pontos Específicos da Interpretação no
Sistema X Escritos da Juventude
Também no sistema, o objecto da
interpretação da lei é “a reconstrução do pensamento ínsito na lei”. O intérprete
deve colocar-se “em espírito na posição do legislador, e repetir em si,
artificialmente, a actividade deste, ou seja, deixar que a lei brote como que
de novo no seu pensamento”. No Sistema,
volta a indicar os quatro “elementos” da interpretação: o gramatical, o
lógico, o histórico e o sistemático. A diferença é que aqui não se constituem
espécies de interpretação, mas de “diferentes actividades que têm de proceder
em conjunto, se se pretende que a interpretação chegue a seu termo”.
O elemento sistemático tem a ver
com “o nexo interno que liga em uma grande unidade todos os institutos e regras
jurídicas”.
No dizer de KARL LARENZ, quando
se confronta com os primeiros escritos, “verifica-se assim que o acento aqui se
desloca, com maior nitidez, da “expressão” para as “ideias” e para a
“actividade do espírito” – orientada, em última instância, para uma “intuição”
global – de que brota a regra jurídica; no que exprime o afastamento do
positivismo legalista estrito das obras da juventude, determinado pela nova
teoria das fontes do Direito”
6.10.1
Interpretação teleológica
SAVIGNY rejeita, inicialmente, uma interpretação
teleológica, sob o argumento de que o fim ou a razão não faz parte, por via de
regra, do conteúdo da norma. Excepcionalmente, quando o legislador indicou a
razão da lei, fê-lo como meio de esclarecimento da regra constituída. Assim, o
juiz deve atender só o que o legislador preceituou e não o que o legislador
busca atingir. O aperfeiçoamento da lei não é tarefa do juiz e sim do próprio
legislador. O papel do juiz consiste em identificar o conteúdo da lei, segundo
o seu sentido lógico, gramatical e extraído da sua conexão sistemática.
Já em sua obra da maturidade um
afastamento nítido do pensamento inicial de SAVIGNY
pode-se abstrair de suas afirmações sobre “a razão de ser da lei”, ou seja, o
fim da lei. Ele distingue o fim do conteúdo da lei, para concluir que o fim não
é um elemento da mesma lei. Isso posto, ele permite utilizar o elemento “razão
de ser da lei” no trabalho interpretativo, mas sempre “com grande precaução”.
Cita como situação de se lançar mão do fim especial da lei, ou mesmo “razão
geral”, se comprovável, no caso de ser indeterminada a expressão usada na lei,
mas antes apelando-se para “o nexo interno da legislação”.
6.10.2
Interpretação extensiva e restritiva
A teoria da interpretação
extensiva e restritiva, consistente na operação formal de complementar ou
eliminar algo do sistema é reprovada por SAVIGNY,
na sua obra Metodologia Jurídica. A operação judicial de agregar algo à lei não
é tida aí como uma verdadeira interpretação, pois está fora da lei e lhe falta
objectividade legal. Ao contrário, uma acção assim traria insegurança jurídica
e se é uma operação “accidental” não pode ter aplicação na ciência do direito.
Na maturidade, porém, SAVIGNY irá rever essa concepção,
passando a admitir o uso de uma interpretação extensiva ou restritiva, mas com
o objectivo de rectificar uma expressão defeituosa do texto[64].
Lança-se mão de um trabalho de
busca de elementos históricos, para identificar a intenção do legislador,
quando empregou a expressão imperfeita. Em seguida, retorna-se a um trabalho
semelhante ao item anterior (fim da lei), quando simultaneamente ao “nexo
interno”, busca-se identificar a razão especial de ser da lei. Mas, com a
diferença de que aqui SAVIGNY
volta a não admitir que a expressão da lei seja rectificada com base numa pura
“razão geral”, ou seja, “numa ideia jurídica geral”, por consistir esse recurso
“o carácter de um aperfeiçoamento do Direito distinto da interpretação”.
A atenção deve ser centrada no
sentido de se conhecer “o verdadeiro pensamento da lei”, antes de se proceder à
rectificação da expressão defeituosa. Mesmo assim, devendo-se estar atento para
que essa rectificação guie-se em consonância com o fim da norma e nos limites
da sua aplicação.
Aqui o Direito vai além da soma
de normas em sua literalidade, para conter a ideia de um conjunto de institutos
jurídicos presentes no espírito do povo, cuja apreensão pressupõe uma
intuição daquilo que é jurídico, e não um mero racionalismo dedutivo.
6.10.3
Integração das lacunas por analogia
Em suas lições iniciais, SAVIGNY admite a analogia, no direito
civil, mas através de aplicação de uma regra geral extraída da própria
legislação e não fora dela. Consiste a analogia em descobrir na lei, ante um
caso concreto não regulado por ela, uma regra especial que se aplica a um caso
análogo, e reduzi-la a uma “regra superior” que, então, se aplicará ao caso não
regulado. No direito penal, sequer a analogia é cabível, porquanto nessa seara
se a lei é silente, não se pode falar em punibilidade advinda de uma aplicação
analógica.
Aqui se difere da interpretação
restritiva ou extensiva, porque, neste caso, é “a legislação que por si própria
se complementa”[65].
A regra especial, vista como expressão de uma regra geral, mostra-se como o
produto do espírito da lei, alcançado através de um processo analógico. Neste
ponto, SAVIGNY parece ter sido
alvo de crítica por valer-se de concepção jusnaturalista, “de que as regras “especiais”
contidas na lei devem ser entendidas como consequências de certos princípios
mais gerais e mais amplos.
SAVIGNY, no entanto, no Sistema, ao invés de manter o ensinamento anterior de que, ante a
regra especial, se deve remeter à regra “superior”, contida implicitamente na
regra especial, ensina agora o regresso à intuição global do instituto jurídico
correspondente.
A
exigência da “completude hermética” das fontes jurídicas é tão incondicional
quanto a da unidade. Assim, havendo lacuna, só resta a dúvida como preenchê-la.
A primeira doutrina, que deve ser rechaçada,
consiste em lançar mão de forma subsidiária do Direito natural. A outra,
em lançar mão do próprio Direito positivo, “por meio de uma supuesta fuerza
orgánica productiva”. Esse é o recurso tido como acertado por SAVIGNY, uma vez que as instituições se
convalidam em sua consistência e coerência sistemática, em processo idêntico à
eliminação das contradições.
Esse processo de buscar as regras jurídicas no
direito dado para completar as lacunas se chama analogia. Em duas situações se
dá o descobrimentodo Direito:
1)
quando surge uma relação jurídica nova e até então desconhecida e para a qual
não existe uma instituição jurídica como modelo no Direito positivo em sua
forma actual. Nessa situação, a analogia se fará a partir da instituição
jurídica pela lei do parentesco.
2)
quando dentro de uma instituição jurídica já conhecida, surge um novo problema
jurídico particular. Analogamente à solução acima, também aqui se aplica a lei
do parentesco, mas desta vez a partir das proposições jurídicas dentro da mesma
instituição jurídica já conhecida.
Esse
processo de desenvolvimento do Direito analógico, segundo SAVIGNY, pode “existir como motivo del
desenvolvimiento del Derecho”[66]
ou “como una clase de interpretación pura”[67].
No primeiro caso, frente ao legislador, tendo até mais liberdade, neste último,
quando se apresenta a um juiz uma nova relação jurídica ou um novo problema.
A
analogia parte sempre de algo dado para ampliar e resolver o problema.
Apresenta-se como uma consequência interna “numa relação entre fundamento e
conclusão”, mas também como consequência orgánica resultante das relações
jurídicas e de seus modelos[68].
Uma nota constante em SAVIGNY é que, desde os seus primeiros
escritos, ele persegue persistente e obstinadamente a combinação dos métodos
“histórico” e “sistemático”. O primeiro, ao situar a formação de cada lei
dentro de um momento histórico e o segundo, pela compreensão englobante da
totalidade das normas e institutos jurídicos subjacentes.
Os escritos da juventude concebem
o sistema jurídico como um sistema de regras jurídicas, numa ligação lógica.
Nesse raciocínio as regras especiais são abstraídas das regras gerais, podendo,
inclusive, ocorrer o processo inverso.
A obra da maturidade sedimenta a
ideia do “nexo orgânico” entre os “institutos jurídicos”. Desses “institutos
jurídicos”, elaborados historicamente na consciência comum do povo, por um
processo de abstracção, é que se extraem as regras jurídicas particulares. Essa
é a razão por que o intérprete tem que “intuir” constantemente os “institutos
jurídicos” para que possa compreender todo o alcance da norma particular. Nesse
momento de maturidade, SAVIGNY
deixa a questão da estrita vinculação à literalidade da lei, próprio dos seus
primeiros escritos, fixando-se em considerações voltadas para o fim da lei e
para o nexo de significações abstraídas pela intuição global do instituto.
Segundo KARL LARENZ[69],
SAVIGNY “não esclarece, no
entanto, como é possível reconduzir de novo a regra jurídica particular surgida
por “abstracção” à unidade de sentido do instituto jurídico correspondente, e
tirar desta unidade quaisquer determinações, quando tal unidade se oferece de
modo intuitivo, não sendo acessível ao pensamento conceitual.” Para concluir
que essa falta de clareza teria sido a causa da pouca repercussão da
metodologia proposta por SAVIGNY,
em proporção com o grande prestígio que pessoalmente usufruiu em toda a sua
vida.
Embora SAVIGNY defendesse a existência de um Direito espontâneo,
baseado no Wolksgeist, no que tange à influência exercida pelo autor no
pensamento jurídico alemão subseqüente, o fator sistemático e cientificista de
sua teoria termina por prevalecer sobre o fator historicista, permitindo com
isso o desenvolvimento do formalismo jurídico na Alemanha através da jurisprudência
dos conceitos (Begriffsjurisprudenz), cuja consequência (a da
“esterilização da ciência do Direito”) não se deve, a não ser indirectamente a SAVIGNY, porquanto “o seu propósito era
a desenvoltura orgânica do Direito”[70]
Para
além das lições do método, SAVIGNY
deixa para a comunidade jurídica lições de obstinação, de persistência, de
objectividade e de amor à vida[71].
Aliás, a própria vida de SAVIGNY
é um método perfeito. Ele, tendo perdido prematuramente seus pais e
irmãos, colheu dos seus mestres, a
começar pelo tutor, KONSTANTIN
VON NEURATHS, depois pelo seu professor de Direito Penal, PHILIPP FRIEDRICH
WEISS, a ideia do caminho a seguir.
Aprendeu com eles o que tinham a oferecer. Com determinação e, à moda dos
estudantes da época, percorreu várias universidades de seu país, doutorando-se
aos 21 anos de idade. Consciente de que possuía luz própria, começou, com
rigoroso “planeamento”, a carreira solitária e vitoriosa de cientista, com
invejável coerência e sabedoria suficientes para rever seus próprios escritos,
conforme se verifica no percurso de sua obra.
A história de vida e de produção
jurídico-literária de SAVIGNY
desautoriza a interpretação, salvo leitura equivocada, de alguns autores[72]
de que ele estava de “espaldas al futuro”. Se, no primeiro momento de sua vida
intelectualmente produtiva, ele parece com justeza mais “positivista-legalista”,
o que se seguiu, nomeadamente em sua abordagem a respeito da analogia, foi que
o futuro não lhe era estranho, como não são estranhas ao maestro do coral as
pessoas para quem ele vira as costas.
O foco no aspecto ontologicamente
histórico do direito e a concentração analítica nos elementos normativos
detectados no presente mostram muito mais uma postura segura e menos exposta ao
“azar” do que dos outros “aventureiros codificadores” da época. A própria
história mostra que o correcto emprego de suas ideias faria da Alemanha no
futuro (hoje presente) um centro irradiador e
referencial para a ciência do direito.
Talvez hoje seja válido afirmar
que quem quis cuidar do futuro, descurando-se do passado, nem sequer estivesse
a cuidar bem do presente. Isso, seguramente, valeu para a Alemanha, no processo
de codificação. Naquele espaço e naquele tempo, com certeza SAVIGNY estava mais certo do que THIBAUT:
ainda era tempo de plantar. Mais uma vez a história lhe deu razão.
Mérito para além da vitória no
Beruf, foi a força arregimentadora automática, própria dos líderes, demonstrada
por SAVIGNY, ao convencer, pela
força de seus escritos e do seu entusiasmo, a comunidade científica de sua
época, de que primeiro era necessário voltarem-se para as fontes do direito,
com uma correcta e crítica separação do material histórico dado, de uma lado o contributo
romano, de outro lado, o direito alemão, propriamente dito, conferindo a ambos o
tratamento interpretativo respectivo. Essa visão seguramente faltou a THIBAUT
no seu escrito ligeiro pró-codificação em 1814, mais preocupado em responder
aos anseios de unificação do povo germânico do pós-guerra do que com uma
proposta para o direito alemão enquanto
ciência.
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[2]“De la vocación de nuestra
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und F.C.V. SAVIGNY.
[3] U.F.T.THIBAU. und F.C.V. SAVIGNY.
[4] Wolfgang Fikentscher, em « La concepción de la historia
y del sistema en SAVIGNY »,
em: SAVIGNY e
[5] ERIK WOLF, em: Wolfgang Fikentscher « La concepción…, cit., p.50
[6] Wolfgang
Fikentscher, « La concepción…, cit., p. 51, nota 11: Fue editada
por Wesenberg en el año de 1951 segun los apuntes de uno de sus primeros
alaumnos, Jakob Grimm; com razón atribuye Larenz a esta obra temprana un gran
valor científico, Methodenlehre der Rechtswissenschaft, Berlín-Heidelberg-New
York, 1960, 4ª edic. 1979, pág. 11.
[7] Idem, Ibidem, p.52.
[8] No mesmo sentido Wieacker: A obra “não deve a sua constante justificada fama
nem ao seu objecto ou à sua teoria dogmática particular, mas à sua forma
expositiva que, pela primeira vez, realizou o ideal da nova ciência jurídica,
superando a investigação antiquarista dos juristas elegantes e as abstracções
jusnaturalistas, e construiu a unidade orgânica e harmónica de uma instituição,
em relação a um tema difícil e exemplar; não mais a exegese no estilo do usus modernus, nem a investigação
propriamente histórico-jurídica das antigas fontes, mas a construção
intelectual, mesmo artificiosa, a partir do princípio construtivo unitário da
“vontade de possuir”, que é desenvolvido, com a cultura hermenêutica e com o
sentido do equilíbrio de SAVIGNY,
à maneira de um tema musical” (Franz
Wieacker. História do Direito
Privado Moderno. Tradução de A. M. Botelho Hespanha, Fundação Calouste
Gulbenkian, Lisboa. Pág. p. 441).
[9] Erik Wolf, citado por Wolfgang Fikentscher, « La concepción…, cit., p. 51, nota 7.
[10] FRANZ WIEACKER. História do …, cit., p. 443.
[11] Idem,
ibidem, p. 442, nota 37.
[12] Idem, ibidem, p. 442.
[13] U.F.T.THIBAUT. und F.C.V. SAVIGNY.
[14] Nos
trabalhos de pesquisa para os presentes escritos, foram encontradas duas
versões de System des heutigen Römischen Rechts para o Castelhano. Uma tradução
havida directamente do alemão, realizada por Werner Goldschmidt, de
1949, intitulada “Los fundamentos
de
[15] Franz
Wieacker. História do…., cit., p.
443.
[16] O mesmo autor aponta que a obra serve para a
construção de uma teoria geral do direito em substituição ao jusnaturalismo,
construindo ao mesmo tempo uma “filosofia do direito positivo”, com base na
teoria jurídica de KANT: - a “existência autónoma” do direito que não deve
forçar a eticidade autónoma da pessoa, mas antes a deve possibilitar; - o
direito subjectivo como espaço da liberdade que possa coexistir com a liberdade
dos outros; - o negócio jurídico e a vontade negocial como espaço de acção da
personalidade autónoma. (Franz Wieacker.
História do…, cit., p. 453.
[17] Idem,
ibidem, p. 437.
[18] Idem, ibidem, p. 439.
[19] Idem, ibidem, p. 439
[20] Segundo o que consta
[21] Para Herder e Savigny, o povo é um
elemento vivo, cujas forças interiores revelam silenciosamente uma
espécie de consciência popular,
denominado por eles de espírito do povo (Volksgeist). O povo é anterior ao Estado e superior a
ele. Nesse sentido, o costume que traduz o que emana do espírito do povo,
afigura-se mais importante do que a lei, porque esta é uma concepção estadual e
aquele é fruto dessa força interior, irreversível e silenciosa que vem do “espírito
do povo”. Montesquieu, em 1748, publicara o livro L'Esprit des
lois, obra que inspirou a Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, em 1789. Como
suas teorias exerceram profunda
influência no pensamento político moderno,
é provável que tenha, mutatis
mutandis, igualmente influenciado o
conceito elaborado pela Escola Histórica, muito tempo depois.
[22] A grafia do nome de SAVIGNY apresentará variações nas citações bibliográficas, consoante se refira à obra em português, espanhol ou no original alemão. Assim, embora pareça desaconselhável, mantiveram-se tais diferenças, em nome da fidelidade às fontes pesquisadas.
[23] Franz Wieacker. História
do…, pág. 409: “Para os mais antigos, SAVIGNY
foi um romântico de raça; a partir do grande fresco de Landsberg (1890),
começaram a despertar maior atenção os contornos clássicos e classicistas de SAVIGNY e hoje predomina a
classificação do principal ramo romanístico da escola como pertencente ao
classicismo alemão”
[24] Na verdade, a legislação civil bávara do
século XVIII parece ter surgido como precursora da codificação. Ainda sem as
preocupações típicas do jusracionalismo, mas já se buscava a unificação do
direito territorial e a decisão de questões controversas de direito comum.
Assim, sem influência do iluminismo, o primeiro dos novos códigos, o Codex
Juris Bavarici Criminalis foi publicado em 1751 e ainda com os crimes de
feitiçaria, tortura e penas cruéis. Após, em 1753 publica-se “uma primorosa
ordenação do direito civil que o disciplina e o aperfeiçoa, o Codex Juris
Bavarici Judicialis e, por último em
[25] Savigny
era um clássico e tinha um pensamento conservador. Pertencia à elite social e
cultural de sua época. Não estava disposto a mudanças abruptamente. Não queria
mudanças de classes. A razão racionalista levava ao terror: a revolução
francesa inicialmente levou terror. O
racionalismo inicialmente mexeria com as classes sociais, unificando os
direitos e Savigny pertencia a uma casta privilegiada. Já Thibaut foi discípulo de Christian Wolf, que por sua vez tinha
sofrido grande influência de Pufendorf.
A linha de Thibau era a mesma de Cristian Wolf (do racionalismo alemão). Linha racionalista, que, na
sequência do pensamento racionalista, defendia a codificação, de forma
coerente. No fundo recuperou esse sistema wolfiano.
[26] U.F.T.THIBAUT.
und F.C.V. SAVIGNY.
[27] Idem, ibidem, p. XXI.
[28] Idem, ibidem, p. XXIII.
[29] Idem, ibidem, p. XXIV.
[30]Ao tempo em que expôs as ideias que formam a
teoria da escola histórica, seu discípulo mais conhecido, Rudolf Von Ihering,
ter-se-ia expressado sobre a obra: “La importancia duradera de esa obra está en
el aparato de ideas generales que SAVIGNY
consideró necesario poner en movimiento contra su adversário: una teoría
sobre la naturaleza histórica del Derecho, unida a un esquema de los momentos
principales de la hisitoria de su
desarrollo y contrapuesta, como concepción ‘histórica’, a la concepción
racionalista dominante hasta entonces”. Jahrbücher für Dogmatik, v. 364 em: U.F.T.THIBAUT. und F.C.V. SAVIGNY.
[31] MARQUES, Mário Reis. Codificação e Paradigmas da Modernidade. Coimbra: Coimbra editora.
2003, p. 11-12
[32] Franz Wieacker. História do…., cit. p. 452.
[33] Idem, ibidem, p. 448.
[34] Idem, ibidem, p. 449
[35] Referência a obra Methoden dês Rechts, t. IV,
Tübingen, 1977, cap. 30, III-IV, que trata da estreita conexão entre conceito
de História e conceito de Sistema, mencionado
[36] Idem,
ibidem, p. 56: “la separación como tal de los tratamientos históricos y
sistemático era ya conocida a partir de los círculos de profesores
postrereformadores de Basilea, Paris, Leyden desde la mitad del siglo XVI.”
[37] Idem,
ibidem, p. 57 e nota 27.
[38] A obra muitas vezes referida como “Teoria do
Método de Marburgo” é para efeito do que aqui se escreve a mesma a que se teve
acesso para confecção deste trabalho e intitulada como “Metodología Jurídica”,
constante da bibliografia final.
[39] WOLFGANG FIKENTSCHER
« La concepción…, cit., p. 58/59.
[40] Idem,
ibidem, p. 59.
[41] As citações entre aspas deste item referem-se à seguinte obra: Friedrich Karl Von Savigny. Metodología Jurídica. Buenos Aires: Valletta Ediciones S.R.L.2004, p. 36-38.
[42] Idem, ibidem, p. 21.
[43] Idem, ibidem, p. 17.
[44] Idem, ibidem, p. 21.
[45] Federico
Carlos Von SAVIGNY. los fundamentos de
[46] Idem, ibidem, p. 54.
[47] Idem, ibidem, p. 55.
[48] Karl
Larenz. Metodologia da Ciência do
Direito, 3ª edição, Tradução de José Lamego, Fundação Calouste Guldenkian,
Lisboa. p. 10
[49] Idem, ibidem, p. 11.
[50] Idem, ibidem, p. 11.
[51] Friedrich Karl Von Savigny. Metodología ...., cit., p. 24.
[52] Federico
Carlos Von SAVIGNY. los fundamentos…, cit., p. 84.
[53] Idem, ibidem, p. 24
[54] Idem, ibidem, p. 85.
[55] Friedrich
Karl Von SAVIGNY. Metodología…,
cit., p. 26.
[56] Idem, ibidem, p. 28.
[57] Federico Carlos Von SAVIGNY. Los fundamentos…, cit., p. 90.
[58] Idem, ibidem, p. 93.
[59] Idem, ibidem, p. 104, nota q.
[60] Friedrich Karl Von SAVIGNY. Metodología…, cit. p. 42-43.
[61] Idem, ibidem, p. 47.
[62] Idem, ibidem, p. 61.
[63] Todas as citações entre aspas, em português,
cuja fonte não se encontra mencionada, constantes dos itens 6.8, 6.9 e 6.10
foram extraídas da obra de karl larenz,
Metodologia da Ciência…, cit., p. 9-19.
[64] Sobre esse tema já se manifestou no item
abordado anteriormente sobre expressão errónea.
[65] Federico
Carlos Von SAVIGNY. los fundamentos…, cit., p. 42.
[66] Idem, ibidem, p. 148.
[67] Idem, ibidem, p. 148.
[68] Idem, ibidem, p. 149.
[69] Karl
Larenz. Metodologia da Ciência…,
cit., p. 19.
[70] KRIELE (Theorie
der Rechtsgewinnung, 2ª ed., 1976, pág. 71,
[71] SAVIGNY tinha saúde precária, mas com inteligência e equilíbrio, consegue alcançar seus planos acadêmicos, conciliando-os com a vida pessoal, até o fim da vida, ou, nas palavras já mencionadas de ERIK WOLF, “tinha uma saúde delicada, mas um autodomínio muito grande com uma inteligente distribuição de suas forças”.
[72] Por exemplo, Wieacker
e, em parte, Wolfgang Fikentscher, como se pode ver
neste texto alhures.