ESTUDO HISTÓRICO DA ESCRITURA PÚBLICA

DE COMPRA E VENDA EM BARBACENA,

(DESDE A ÉPOCA DE D. JOÃO

ATÉ O FIM DO PRIMEIRO REINADO)

 

por Maria Aline Araújo de Oliveira

 

Lex est quodcumque Notamus!”

        O texto Notarial tem força de Lei.

 

Dedicatória

Dedico este trabalho a todos os Tabeliães de Ofícios de Notas de Barbacena, já falecidos, pois como instrumentadores do direito nos legaram um precioso arquivo histórico de nossa sociedade; e, a todos que souberam resguardar com dedicação essa parcela da História viva do Direito.

Em especial, ao atual Tabelião do Cartório do Primeiro Ofício de Notas, Tarcísio Nascimento de Oliveira, meu pai.

 

 

Agradecimentos

    “Nullum officium referenda gratia necessarium est”      

           Nenhum dever é mais importante que a gratidão

 

Aos mestres da História do Direito, especialmente ao Dr. Ricardo Rabinovich-Berkman, meus agradecimentos por terem exercido, com maestria, a difícil arte de ensinar. “Transmitir o saber é dividir um pouco de si mesmo com outrem, é esvaziar-se do egoísmo e compartilhar o que há de mais precioso que se adquire na vida: o Conhecimento”.

 

Apresentação

A presente monografia narra o estudo feito nas escrituras públicas de compra e venda. Como limite territorial desta busca histórica, pesquisamos as escrituras lavradas pelos Tabeliães de Cartórios de Notas de Barbacena, essa querida cidade interiorana de Minas Gerais. Como limite temporal, determinamos o período compreendido desde a chegada de D. João VI, no ano de 1808, até o fim do Primeiro Reinado, quando D. Pedro I abdica ao trono, no ano de 1831. É um estudo eminentemente histórico, retratando todos os pontos em comum ou díspares apresentados nas escrituras, em consonância, ou não, com a legislação vigente à época.

As fontes principais deste estudo são os Livros de Notas dos dois Cartórios existentes na então Vila de Barbacena, onde constam as escrituras do negócio jurídico que nos propusemos a pesquisar. No Cartório do Primeiro Ofício de Notas encontramos os quatro livros usados no período, quais sejam, os Livros números 3, 4, 5 e 6, tendo sido pesquisadas todas as oitenta e uma escrituras de compra e venda lavradas, em meio a tantas outras escrituras de diversas naturezas. No Cartório do Segundo Ofício de Notas as escrituras do período compreendido nesta pesquisa foram lavradas nos Livros 4, 5 e 6. Acontece que os dois primeiros livros não se encontram nos arquivos deste Cartório, portanto a pesquisa foi feita somente no Livro 6, tendo somente dez escrituras de compra e venda.

Como segunda fonte primária para a pesquisa buscamos as legislações vigentes no Brasil na época Imperial, muitas das quais são meras reproduções das legislações portuguesas impostas para os súditos dessa então colônia obedeceram, entre as quais, tem-se como principal as Ordenações Filipinas.

Através dos capítulos deste estudo veremos porque se tornou importante essa pesquisa, o que ela pode nos mostrar de inusitado. No primeiro capítulo fundamentamos os motivos de nossa escolha pelo período pesquisado, mostrando o contexto histórico no Brasil, na Vila de Barbacena, e a importância da função do Tabelião de Notas. Os demais capítulos traçam o caminhar pela pesquisa, uma primeira e ampla visão da forma da escritura, para depois ser abordado, numa visão peculiar, cada parte importante deste instituto da compra e venda, como as partes vendedora e compradora, os bens objetos das transações, o preço que se vendiam esses bens com sua forma de pagamento, os impostos que recaiam sobre as vendas.

É o retratar de uma pequena parcela da história jurídica de Barbacena, guardada através das escrituras públicas, mesmo numa época sem legislação pátria.

 

Capítulo I   -  INTRODUÇÃO

I.1.          O Contexto Histórico no Brasil

O ano de 1808 inicia-se com a chegada ao Brasil da Família Real Portuguesa fugindo da invasão de Napoleão Bonaparte na Metrópole. Aqui D. João VI, então governante português, se instala de modo provisório e incerto, com a idéia de voltar à Portugal.

No período do governo de D. João VI, de 8 de março de1808 a 25 de abril de 1821, nenhuma legislação de interesse e importância para o Brasil assinala a estada desta Dinastia Bragantina, nenhum Código foi feito e nem projetado. As duas únicas exceções de relevância são: o Decreto de 28 de janeiro de 1808, datado na Bahia, que abre as portas do Brasil ao comércio estrangeiro, equiparando-se assim, desde logo, à Metrópole e em posição independente; e, o Decreto de 16 de dezembro de 1815 que elevou o Brasil a Reino Unido ao de Portugal e Algarves, assinado para Portugal poder ter representantes no Congresso de Viena, já que não poderia ser considerado Grande Potência se contasse tão somente o território Europeu organizado em Reino.

Afora esses dois atos mais salientes, a Corte Portuguesa entre nós permaneceu de modo solitário, abaixo de sua missão, por quase quatorze anos, quando se retirou para a Metrópole forçada pela Revolução do Porto de 24 de agosto de 1820, deixando aqui, como regente D. Pedro de Alcântara, ou D. Pedro I do Brasil.

Em 1822, D. Pedro I, é ordenado a voltar à Portugal, mas ele se rebela, seguindo-se diversos acontecimentos que vão afrouxando o laço que prendia à Metrópole, até o resultado da Independência aos 07 de setembro de 1822.

Nosso primeiro reinado se inicia, é convocada uma Assembléia Constituinte para nos dotar de nossa Carta Magna. Um dos primeiros atos dessa Assembléia foi a Lei de 20 de outubro de 1823 (Vide em Anexo). mandando vigorar no novo Império as Ordenações do Reino (Filipinas), Leis, Regimentos, Alvarás, Decretos e Resoluções promulgadas pelos reis de Portugal, e pelas quais se governava o Brasil até então, enquanto não fossem alteradas e organizado um novo Código.

D. Pedro I reinou até sua abdicação em 07 de abril de 1831. Outorgou-nos uma Carta Magna em 25 de março de 1824, mas não nos deu um Código Civil, conforme preceitua o artigo 179, inciso XVIII, da dita Constituição (“Constituição Política do Império do Brazil, Art. 179, inciso XVIII- Organizar-se-ha quanto antes um Codigo Civil, e Criminal, fundado nas solidas bases da Justiça, e Equidade”) e por isso, nesse campo, as Ordenações Filipinas vigoraram até a entrada em vigor do nosso Código Civil, em 1917.


I.2.          A Vila de Barbacena

          Barbacena antes de ser elevada à condição de Vila, judiciariamente pertencia ao Termo de São João Del Rey e, depois, ao Termo de São José del Rey, hoje Tiradentes, da Comarca do Rio das Mortes, cujas divisas iam até Guaratinguetá, quando Minas e São Paulo formavam uma mesma Província. Era então conhecida simplesmente por “Parada da Borda”.

         Como o Arraial da Borda do Campo ficava muito longe das sedes da Comarca os moradores dessa freguesia, juntamente com os das freguesias de Nossa Senhora da Conceição, do Engenho do Mato (hoje distrito de Paula Lima) e de Nossa Senhora da Glória de Simão Pereira (hoje distrito de São Pedro de Alcântara, ambos do município de Juiz de Fora), dirigiram uma petição ao Visconde de Barbacena solicitando a criação da vila, que ocorreu em 14 de agosto de 1791. A então vila de Barbacena tinha suas primeiras divisas confinando com a Província do Rio de Janeiro.

         Até o ano de 1833, o Termo da Vila de Barbacena pertenceu à Comarca do Rio das Mortes. Criada a vila era necessário, como instruía a Ordenação, Livro 1°, Título 78, a criação de casa deputada onde iriam servir os Tabeliães e com isso foram criados dois Tabeliães pelo Assento da Junta de Administração, em 11 de Janeiro de 1792, que criou, entre outras, a Villa de Barbacena.

No Cartório do Primeiro Ofício de Notas, no período de 1808 até 1831, foram Tabeliães: Luiz Gonçalves Lima, Antônio de Castro Lima, Felisberto de Araújo Lima, Manoel de Araújo Lima, e nas ausências deste, serviram Ponciano José de Lopes, José Venceslau Monteiro de Alvarenga, Joan Ferreira de Castro, que era o oficial do segundo ofício de Notas, Cesário José da Silva, Francisco Antônio de Ávila, José Ignácio da Silveira e por último, já no ano de 1827, Raphael Pinto de Souza é nomeado Tabelião.

         No Cartório do Segundo Ofício de Notas, no período de 1825 a 1831, o Tabelião era Joan Ferreira de Castro e nas suas ausências serviram, Camillo Moreira da Silva, José Ignácio da Silveira e Raphael Pinto de Souza, Tabelião do Primeiro Ofício.

 

I.3.          Tabelião de Notas e Suas Funções

         A função de Tabelião foi criada com a introdução do Direito Romano nos países em que o admitiu, pois a Europa feudal não conhecia esse ofício, já que os contratos eram celebrados na presença do Castelão ou, muitas vezes, do Bispo, e assinados por três ou mais testemunhas conforme a importância dos mesmos.

         Os Romanos conheciam o Tabularius, o Notário propriamente dito, que derivava seu nome de tabula, ou seja, a tábua coberta de cera que em Roma se escreviam os contratos, testamentos, etc. E também, o Tabellio, que derivava seu nome de tabella, isto é, pequena tábua em que os juízes lavravam suas sentenças e outros atos públicos, e que substituiu aquele no tempo do Império pois reunia outras funções que não só do Notariado, era também Escrivão.

         O Tabelião de Notas corresponde ao Tabularius Romano e o do Judicial ao Tabellio, por isso, entre nós, em muitas cidades, inclusive Barbacena, até a Constituição de 1988, o Tabelião era também escrivão do judicial.

         O Notário Romano tinha a função de lavrar os contratos privados, visto que os Romanos da primitiva República não sabiam ler, mas os atos que praticavam não tinham caráter público, não mereciam fé, como posteriormente aconteceu com a criação do Tabellio. Mais tarde, foram criados os Tabeliães que diferiam dos primeiros, porque só serviam homens livres e eram considerados verdadeiros servidores públicos, com missão de aceitarem e aprovarem os testamentos e lavrarem quaisquer atos.

         Os tabeliães subsistiram à queda do Império Romano e na Alta Idade Média distinguiram as funções de redação do texto e formulação do negócio contratual, e aos conhecimentos gramaticais e retóricos se juntaram o saber jurídico e a fé pública.

         Em primeiro lugar, o notariado desenvolveu-se na Itália, a partir do século XII, onde os notários eram nomeados uns pelo imperador, outros pelo papa e redigiam uma infinidade de documentos, sendo seus atos instrumenta publica, ou seja, fazendo prova plena.

         O ato notarial é significativo devido à fé pública que o Estado lhe concede, pois, nas palavras de Carlos Emérito Gonzalez, “tudo quanto se passa em presença do notário é certo, é verdade, deve ser crível” (Apud Dip, Ricardo Henry Marques, ¿Querem Matar as Notas?, in Registros Públicos e Segurança Jurídica, pág. 98).

         O Notário é hoje um agente particular que cumpre função pública, ou seja, ele exerce função pública em nome do Estado. Ele se interage com a sociedade a qual está arraigado, dela recebendo e a ela servindo, dando resposta para  a  satisfação de interesses sociais e escopo à  segurança pública.

Ele, no exercício de suas funções, age como depositário da confiança das partes, isto é, depositário dos interesses valiosos delas e, muitas vezes, como verdadeiro regulador da vontade das mesmas.

         Sua função de assegurar o bem comum, que é uma das faces da segurança pública, é tão importante que o eminente jurista e magistrado José Castán Tobeñas afirma uma igualdade substancial entre as atividades do juiz e do notário:

La individualización y concreción del Derecho se realiza, tanto o más que por la decisión jurisdiccional, por el negocio jurídico, que, en su forma instrumental, autoriza y legitima el funcionario notarial.

“Ahora bien: la igualdad substancial entre la actividad judicial y la notarial, en la función de realizar el Derecho e infundir vida a las normas, no excluye que cada una de estas actividades tenga matices peculiares que merecen ser destacados y estudiados”.

 

         E completa:

“En sus funciones asesora y modeladora, el Notario há de ser ministro y guardián de la equidad, más bien que del Derecho estricto - sacerdote, há dicho Azpitarte, más de la equidad que de la ley farisaica -, proponiendo a las partes aquellas soluciones que representem la más pura justicia en el caso concreto y elaborando, en definitiva, com equitativa justeza, el Derecho aplicable a la relación jurídica que sea objeto de la autenticación notarial” (Apud Dip, Ricardo Henry Marques, op. cit., págs. 94 e 96).

 

         O notário tem a missão de colocar em prática o direito, outorgando publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos, “de tal maneira que a finalidade da paz social se alcance integralmente” (Melendo, Santiago Sentís, El Notariado  y la Soledad, apud Parizatto, João Roberto, Serviços Notariais e de Registro, pág. 16).

A escritura pública é o ato autêntico, isto é, o ato que consubstancia a

vontade e o fato querido pelas partes e lavrado precisamente conforme a verdade, já que aos oficiais públicos são conferidos poderes para instrumentar os atos que lhe são ordenados pela lei ou pedidos pelas partes e lavrá-los conforme a manifestação da vontade das partes, sob severas sanções. Ao encerrar um documento colocando a expressão dou fé o Tabelião está atestando a veracidade daquele documento, atestando, pois, que tal ato corresponde à verdade.

         Já dizia o ilustre membro da Academia Brasileira de Letras, Menotti del Picchia:

“...fazer uma visita a um tabelionato de notas é receber uma lição de psicologia. É ali que rebenta a grande onda espumejante dos negócios. Ali consolidam-se as fortunas e registram-se as ‘débacles’. No ato público há a confirmação da sorte que coroou o dominador dos mercados ou a rendição do azarado ou do pródigo forçado a vender seus últimos cacarecos. O ato notarial é uma chancela do destino. ...”

“O colono que se vai fazer lavrador, com a compra de uns alqueires de terra, entra no cartório como um crente entra num templo: tímido, sinão apavorado. Ele não sabe por qual magia aquela pena que raspa o grande livro de capa negra opera a transladação do domínio e da posse, quebrando os latifúndios, arrancando nacos do chão ao orgulhoso terra-tenente. O oficial público que realiza tal prodígio passa para ele a ter a força de um mago. A leitura de uma escritura, na voz tabelioa, - geralmente o Oficial acavala um ‘pince-nez’ no promontório do nariz - assume a invocação litúrgica das potências do Estado o qual sanciona as vendas, dá prazos fatais ao gravame das hipotecas, opera emancipação, libera de ônus a propriedade.”(del Picchia, Menotti, A Mágica Tabelioa, in A Gazeta, recorte sem número e data, 1947).

 

Capítulo II   -  da  forma  da  escritura

II.1.      O Formalismo Romano

Na Grécia os contratos e convenções se formavam apenas pela vontade das partes, sem um certo formalismo que é característica do Direito Romano. A República Romana deu fórmulas para os contratos, testamentos, ações, sem as quais se poderia anular os mais importantes atos. Não se podia mudar ou alterar nem sequer uma sílaba, pois as formas eram solenes, perpétuas e inalteráveis, carregando uma escrupulosa superstição.

Foi Appio Cláudio encarregado de compor as fórmulas, escrevendo um corpo prático delas, para fixar o estilo e modos de proceder, dando segurança e uniformidade aos atos, indicando o lugar de certas cláusulas, tudo regularmente com muita solenidade. Aparece-se, assim, a máxima “forma dat esse rei”.

O mestre Rudolf Von Ihering afirma: “inimiga jurada do arbítrio, a forma é irmã gêmea da liberdade” (Apud Amadei Vicente de Abreu, Serviço de Protesto de Títulos Deve Ser Extinto?, in Serviços Notariais e de Registro, cit., pág. 106, nota 4), num pensamento profundamente kantiano, pois que a função da forma é evitar o conflito entre os arbítrios e garantir a liberdade.

Forma jurídica, neste sentido, é o elemento acidental, ou seja, o elemento extrínseco do direito, a aparência jurídica que exterioriza a declaração de vontade.

Assim, dentro de todo um contexto romanizado, a escritura pública também adquiriu uma forma, uma aparência externa, que influenciou o Direito Português e chegou até nós através das Ordenações.

 

II.2.      A Forma da Escritura de Compra e Venda

Verificamos em todas as escrituras de compra e venda que foram pesquisadas, dentro do período de 1808 a 1831, que a forma é uma só, sem pontos importantes de distinção, mesmo tendo sido feitas por diversos Tabeliães.

Tomemos como modelo uma, dentre as oitenta e uma escrituras de compra e venda lavradas no Cartório do Primeiro Ofício de Notas, neste interregno de vinte e três anos:

Escritura de compra e venda dívida e parte de paga e quitação que fazem Antônio Gonçalves Campos e sua mulher Escolástica Maria de Carvalho ao comprador José Francisco da Costa–

Saibão quantos este público instrumento de escritura de venda parte de paga e quitação de dívida e obrigação  ou como in direito melhor nome lugar haja chamar-se virem que sendo no Anno de Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e nove aos vinte e nove dias do mês de Mayo de ditto anno nesta Villa de Barbacena, Minas e Comarca do Rio das Mortes em casa de Morada de Manoel Carvalho Duarte aonde eu Tabelião ao diante nomiado fui vindo e sendo ahy comparecerão partes ajustadas, havidas e contratadas de huma como vendedores Antônio Gonçalves Campos e sua mulher Escolástica Maria de Carvalho e da outra como comprador José Francisco da Costa, este morador do termo da Villa de São João e aquelles moradores no termo desta Villa, pessoas reconhecidas de mim Tabellião pellos próprios de que tracto e dou fé e por elles dittos vendedores perante as ttestemunhas abaicho nomiadas e assignadas me foi dito que elles heram senhores e possuidores com livre e geral administração de humas tterras de cultura e campos de criar e casas de vivenda cobertas de ttelhas e muinho e munjollo e mais plantas de Arvores de Espinhos e outras bem feitorias na paragem denominada o Cítio das Pedras no termo desta Villa, cujas tterras cinco partes das mesmas ouveram elles vendedores por compra que dellas fizeram a seus Irmãos o Alferes Francisco Gonçalves Campos e sua mulher Anna Esméria e outra a Gabriel Gonçalves Campos e sua mulher Geronima de Souza Neves e Domingos Gonçalves Campos e sua mulher Francisca Angélica de Carvalho, e a Elias Gonçalves Campos e sua mulher Maria Claudina e a Joam Gonçalves Campos e sua mulher Lheonor Maria da Assunção assim como mais huma parte de tterras no mesmo cítio tudo anecho que ouverão tão bem elles vendedores por herança do Falecido Pay delles Vendedores Gabriel Gonçalves Campos e sua mulher Anna Mauricia de Payva tão bem mãy delles vendedores cujas tterras e Citio partem por hum lado con tterras do Cap. Jacinto Gonçalves Campos e por outro com o Capitão José Pereira de Alvim e por outro pello Rio das Mortes com Olaria e com quem mays divida de partes cujos bens já declarados neste instrumento disserão elles ditos vendedores que se achavão justos e contractados a vender a José Francisco da Costa como de facto vendido tem hoje para todo sempre muito de sua livre vontades sem constrangimentos de pessoa alguma pelo preço e quantia de hum conto cento e vinte e cinco mil réis, preço em que se ajustaram a para esta conta já havião recebidos de mão do mesmo comprador a quantia de trezentos e oitenta e cinco mil réis e desta quantia lhe davão plena e geral quitação para nunca mais lhe ser repetido em tempo algum e em Juízo ou fora delle per si e seus erdeiros e sucessores e o Resto que he a quantia de setecentos e cincoenta mil réis a pagamentos iguais e por tempo de quatro annos que principião da data desta indiante que ficam fiados na mão de ditto comprador pelo tempo estipulado e nesta forma tenhão vendido e que dos referidos bens vendidos demitião deste da posse, jus, domínio e ação que nelles tinhão transferião na pessoa do mesmo comprador na forma que os possuiam para elle os poder possuir, dominar e administrar, gozar, cultivar, desfructar, vender e aliar perci e seus Erdeiros e fucturos sucessores como seus que são e lhe ficam pertencendo porventura do presente instrumento e contrato e dos referidos bens quer elle comprador thome posse judicial quer não elles vendedores ohão por empossado pella cláusula constitute e sendo presente o sobredito comprador José Francisco da Costa por elle perante as mesmas ttestemunhas foi ditto que aceitava esta escritura de venda e quitação que pellos dittos vendedores lhe avia feito com todas as cláusulas, condições e obrigações della e concequentemente todos os bens nelles expressados e delles se dava por entregue e empoçado e que por este mesmo instrumento se obrigava por sua pessoa e seus bens e expecialmente com os mesmos bens comprados a pagar aos dittos vendedores ou a quem este instrumento lho apresentar a referida quantia de setecentos e cincoenta mil réis que lhe está restando dentro do referido tempo de quatro annos com os pagamentos iguais anualmente que correm da datta desta indiante e assim o declaram, obrigarão, estipularão e aceitarão, a mim Tabellião pediram que o presente instrumento nestas Nottas lhos lançace o qual por me ser distribuido pello Distribuidor do Juizo o Tenente Lauriano José de Castro pelo Bilhete seguinte – ALima= Antônio Gonçalves Campos e sua mulher fazem escritura de venda de divida e obrigação com parte paga e quitação de cinco partes de tterras de cultura e campos no Cítio denominado das Pedras, assim mais huma parte de tterras no ditto Cítio que foi dos falecidos seus pays Gabriel Gonçalves Campos e Anna Mauricia pella quantia de hum conto, cento e vinte e cinco mil réis por tempo de quatro annos com trezentos e oitenta e cinco mil réis a vista com Comprador José Francisco da Costa. Barbacena, 29 de Mayo de mil oitocentos e nove. Castro. Eu, como pessoa pública estipulante, aceitante o estes o estipulei e aceito em nome destas partes de quem mais tocar pode e terem direito della nesta Notta a lancei aí assignarão com as ttestemunhas presentes o Capitão Jacinto Gonçalves Campos e o Ajudante Manoel Francisco Lima, estes moradores nesta Villa e Termo todos depois de lhes ser lida e declarada por mim Antônio de Castro Lima, Tabelião que a Escrevi. (aa) Antônio G.Campos. Escolástica Maria de Carvalho. José Francisco da Silva. Jacinto G. Campos. Manoel Francisco Lima. (sic)” (Livro de Notas n° 3, fls. 68 verso, pelo Tabelião Antônio de Castro Lima, Primeiro Ofício de Notas, mantendo a grafia da época, conforme o documento).

 

A arcaica forma inicial do “Saibam quantos” lembra o grito do arauto na praça pública lendo o edito real depois que o povo é reunido pelos clarins oficiais. A referência à data e o lugar onde a escritura foi lavrada é conteúdo que não pode faltar, conforme determina a Ord., Liv. 1°, Tít. 80, §7°, inclusive a citação “ano de nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo”.

A partir de 16 de abril de 1823 foi incorporado nas escrituras a frase: “ditto anno nesta Nobre e Muito Leal Villa de Barbacena, Minas, Comarca do Rio das Mortes”. Pelo Decreto de 24 de fevereiro de 1823, confirmado pelo Alvará de 17 de março do mesmo ano, Sua Majestade, o Imperador Dom Pedro I, concedeu à Vila de Barbacena o título de Nobre e Muito Leal Villa de Barbacena, por ter dado testemunho de amor e fidelidade ao Imperador e de firme adesão à causa da Liberdade e Independência do Império, inclusive sendo a primeira vila a enviar representação ao Príncipe Regente, datada de 27 de dezembro de 1821, no sentido de apoiar a sua permanência no Brasil, que culminou com o ato histórico do Dia do Fico.

De uma forma geral vemos que a escritura supra contém a nominação contratual; a identificação das partes; a policitação, em que uma das partes declara a intenção de praticar negócio jurídico da compra e venda; as condições do pacto, abrangendo o valor, o preço e a forma de pagamento, com quitação total ou parcial; a aceitação do comprador pela compra e quitação e a declaração que o mesmo se obriga pelo pagamento da dívida; o encontro de vontades das partes; os nomes das testemunhas e a menção de ter sido lida às partes, e, por fim, as assinaturas do Tabelião, das partes, a que não souber assinar terá uma outra testemunha assinando por ela, a seu rogo, e das duas testemunhas (É nesse sentido que preceitua a Ord., Liv. 1°, Tít. 78, § 4°).

Quanto à nominação, encontramos três tipos: “Escriptura de compra e venda paga e quitação”, quando o preço é todo pago no ato da escritura, dando os vendedores a quitação total; “Escriptura de compra e venda parte de paga e quitação”, quando o preço é dividido em um princípio de pagamento e o restante em prestações futuras, dando os vendedores a quitação da parte paga e o comprador se obrigando a pagar o restante; e, “Escriptura de compra e venda dívida e obrigação” quando o preço é todo para prestações futuras.

Uma cláusula interessante que as escrituras apresentam, inclusive a supra transcrita, é a estipulação e aceitação do Tabelião em nome das partes e outras pessoas interessadas. A Ord., Liv. 4°, Tít. 63, princ., determina que o Tabelião aceite escritura pela pessoa ausente, mas no caso de doação quando o donatário não aceitou, e a prática ampliou esse dispositivo, fazendo ele constar em contratos onerosos, como a compra e venda. Embora conste essa cláusula não houve nenhuma escritura onde uma parte estava ausente, pois não há como o Tabelião, por exemplo, aceitar a compra e o preço pelo comprador. Em contratos onerosos não há presunção de aceitação, tem que haver o concurso de vontade das partes.

 

Capítulo III   -  das  partes  na  escritura

O contrato de compra e venda necessita, como negócio jurídico que é, de elementos essenciais, tais como, manifestação de vontade e capacidade das partes, objeto lícito e a forma prescrita ou não defesa em lei. As partes na compra e venda, como contrato bilateral, são, de um lado o vendedor e de outro lado o comprador, podendo haver pluralidade de sujeitos tanto do lado vendedor, quanto do comprador.

 

III.1.   Conhecimento Pelo Tabelião

Para a validade da escritura era solenidade necessária o Tabelião conhecer as partes e declarar esse fato, pois antigamente não se tinham documentos de identificação. Se ele não conhecesse, era proibido lavrar a escritura, salvo se as partes apresentassem duas testemunhas dignas de fé que fossem conhecidas também do Tabelião (É nesse sentido que preceitua a Ord., Liv. 1°, Tít. 78, §6°).

Vimos em todas as escrituras que sempre o Tabelião declarava que conhecia as partes. Não teve nenhuma escritura onde fosse declarado que as partes não eram conhecidas do Tabelião e somente das testemunhas. Por outro lado, também, não se menciona que as testemunhas fossem conhecidas das partes, presume-se que fossem sempre conhecidas do Tabelião.

A identificação era feita somente pelo nome completo, sem qualquer outra qualificação, como estado civil, profissão, filiação, etc. Em alguns casos, contudo, se colocava a posição militar e social do cidadão, como Tenente, Alferes, Sargento, Guarda-Mor, Capitão, etc., ou se religioso, dizia-se Referendo. Essas qualificações vinham sempre antes do nome da pessoa, como se fosse complemento de seu nome e não como indicativo da profissão,  deste modo, por exemplo: “o Tenente José Teixeira da Silva”, e não: José Teixeira da Silva, tenente. No caso de ser viúva a mulher, se colocava o nome completo dela e em seguida a expressão “viúva de...”, dizendo o nome do falecido marido, assim como de ser filhos de pai falecido, se dizia “filhos órfãos de ...”, declarando o nome do pai, mesmo estando viva a mãe.

Nas escrituras só compareceram como vendedores e compradores pessoas físicas, não tem nenhuma parte que fosse pessoa jurídica, como corporações, firmas sociais, massas falidas, etc.

Mostrou-se muito comum as partes serem representadas por procuradores com poderes especiais para assinar a escritura, não importando se a procuração era pública ou particular, isso devido talvez à distância em que o Tabelião se encontrava das partes, pois a Vila de Barbacena tinha limites extensos, abrangendo muitas freguesias distantes.

 

III.2.   Vendedores

A qualificação da parte era deficitária, não se declarava o estado civil delas, a não ser quando fosse mulher viúva, por isso a pessoa comparecia como outorgante vendedor sem precisar provar ou declarar o estado civil.

Existiram casos em que as escrituras apresentam, como vendedores, marido e mulher, justamente por atender ao preceito contido na Ordenação de que o marido não pode alienar bens de raiz sem o expresso consentimento da mulher, qualquer que fosse o regime de bens adotado no casamento (Conforme Ord., Liv. 4°, Tít. 48, princ.)

Em uma escritura lavrada no ano de 1929, no Primeiro Ofício, consta uma menção interessante ao dizer que o bem vendido, no caso, um sítio Caxoeirinha, foi havido pelo vendedor no estado civil de viúvo com dinheiro emprestado e não diz, nesta escritura, o seu atual estado civil. Isso nos leva a acreditar que possivelmente o senhor em questão fosse novamente casado, mas que o bem era individual seu não necessitando pois da assinatura de sua nova esposa. Não há outra razão plausível para se expressar a forma como foi adquirido pelo vendedor e o seu estado civil quando da aquisição.

Uma escritura, do ano de 1808, também do Primeiro Ofício, tem como outorgantes vendedores uma senhora viúva e os herdeiros de seu falecido marido, e como os herdeiros eram menores, compareceu o tutor dos mesmos assinando a venda sem qualquer menção a uma autorização judicial ou mesmo do termo de nomeação do tutor.

Outra, lavrada em 1828, do mesmo Ofício, compareceu como vendedora uma viúva, declarando vender o bem, no caso, a Fazenda denominada Invernada, e constando, em seguida à individuação do bem, que os órfãos, filhos da vendedora, tinham a metade da Fazenda. Nesta não consta a presença de tutor ou autorização judicial para a venda, e a viúva é a única vendedora de todo o bem, embora diga que não é a única proprietária.

Quando era só a mulher vendendo, não se tinha nenhuma outra pessoa para assisti-la, provando que as mulheres, independente de seu estado civil, já que não constava, tinham capacidade e legitimidade plenas para o ato de alienar bens.

 

III.3.   Compradores

Nas escrituras em que tem mulheres na qualidade de compradora também não se apresentava outra pessoa para assisti-la, nem marido ou outro parente, caracterizando que ela gozava de plena capacidade civil.

A maior parte dos contratos tem só uma pessoa como compradora. Mas naqueles em que têm mais de um comprador, a venda era em conjunto, não determinando a parte que cada um adquiria. Apenas uma escritura do Primeiro Ofício, do ano de 1819, mostrou dois compradores de um mesmo imóvel, ou seja, de uma fazenda, em que foi feito, logo depois da caracterização do bem, a divisão das terras, descrevendo as confrontações e parte que cada comprador estava adquirindo.

Uma escritura do ano de 1830, lavrada no Segundo Ofício, os compradores são dois irmãos menores, então representados por seu Tutor, adquirindo a fração de um terço de uma casa, tendo os compradores a outra fração da casa,  sem qualquer cláusula específica ou autorização judicial.

O comprador sempre declarava que aceitava a escritura com todas as suas cláusulas e condições, aceitando a quitação do preço feita pelos vendedores, se era todo o valor pago, ou, quando pagava alguma parte do preço e ficava devendo o restante, aceitava a quitação dada pela parte paga e se obrigava pessoalmente e por seus bens a pagar o que ficava a dever no tempo constante do acordo, aos vendedores ou a quem o instrumento da escritura lhe fosse apresentado.

 

III.4.   Intervenientes

Interveniente é aquela pessoa que, não fazendo parte do documento de venda, pois não tem direitos como vendedor e nem como comprador, pode comparecer para anuir na transação ou declarar alguma situação que interessa ao negócio realizado.

Em uma única escritura, lavrada no Livro n° 3 do Primeiro Ofício, ainda no ano de 1808, compareceu um interveniente declarando que a Chácara objeto daquele instrumento tinha sido vendido à vendedora e estava sem embaraço algum por ter recebido o justo preço.

 

Capítulo IV   -  dos  objetos  da  escritura

Além dos elementos essenciais a qualquer negócio jurídico, a compra e venda requer seus elementos específicos, que lhe são essenciais, tais como, consentimento, coisa e preço. Isso é herança do direito romano, do qual não se desalinha o direito português, a nós transmitido pelas Ordenações (Conforme Ord., Liv. 4°, Tít. 1, princ.)

Um contrato de compra e venda sem coisa é nulo, pois o consentimento que se requer das partes é em relação ao objeto e o preço. O objeto deve ser perfeitamente caracterizado pelos elementos que o individualizam e, no ato da escritura pública, já deve estar determinado.

 

IV.1.   Características

Quase oitenta por cento das escrituras têm como objetos bens imóveis constituídos de fazendas, chácaras, sesmarias e terras de cultura e matos, nos subúrbios da Vila de Barbacena e nas localidades pertencentes a este Termo.

Muitos imóveis são localizados no “caminho” para o Rio de Janeiro, já que  em  Barbacena passava o “Caminho Novo”,  estrada que ligava o centro-

oeste ao Rio de Janeiro, na rota do ouro. Esse “Caminho Novo”, cuja construção se iniciou em 1698 e finalizou em 1724, partia da Borda do Campo, berço da cidade de Barbacena, seguindo o curso dos rios Paraibuna e Paraíba, para transpor a Serra do Mar e atingir a baía do Rio de Janeiro.

Constam muitos lugares distintos e alguns muito distantes da Vila, tais como, “paragem Pedro Alves, no lugar Monte Claro, caminho do Rio de Janeiro”; “cabeceira do Rio Paraibuna”; “paragem Antônio Dias”; “barra do São Luis, no sertão do Monte Verde”; por “cima da Serra da Mantiqueira”; na “Serra Bonita” do “Sertão da Paraíba”; na “Applicação da Senhora da Conceição do Rio Novo”, todas localidades do Termo da Vila de Barbacena. Apenas uma escritura do Segundo Ofício de Notas traz um bem localizado no Termo da Vila de São José, vizinho ao Termo da Vila de Barbacena.

São poucos os imóveis localizados na zona urbana, considerando como tal, a indicação de que o bem está situado numa rua. Essencialmente, só constou morada de casas no “Largo da Matriz” e “Largo do Rosário”, na “Rua do Rosário”; na “rua que vai para o Rosário”; na “rua de baixo do Rosário, denominada de Olaria”; por “trás da Capela de Nossa Senhora do Rosário”, na “Rua Direita” e uma rua com o interessante nome “rua jogo da Bolla”.

Os bens imóveis são vendidos como corpo certo e determinado, ou seja, seguindo a cláusula ad corpus, não importando para o negócio a verificação da área ou metragem do imóvel. Era citado o bem e determinado por sua localização e seus confrontantes. Quando o bem não era determinado se mencionava como “sorte” ou “porção” de terras. Somente em quatro escrituras há a citação da quantidade de terras vendidas, mas a medida da época era denominada de “corda”, então tem-se: seis cordas de terras na Fazenda tal; hum quarto e vinte e seis e meia cordas de terras no sítio tal, etc. Embora conste a quantidade da área negociada não há menção alguma se o negócio é feito com preponderância das medidas, ou seja, se é uma venda ad mensuram. Houve somente uma escritura em que constou que a quantidade de cordas vendidas foi judicialmente demarcada dentro de uma sesmaria. Numa escritura em especial constou que a Fazenda vendida tinha uma área de 160 alqueires de plantas, mais ou menos.

Em quatro escrituras, os bens imóveis vendidos são acompanhados de alguns bens móveis sem descrever a quantidade e qualidade dos mesmos, sendo que em uma delas também consta como objeto as criações, não dizendo de que tipo. Noutras escrituras constam as descrições das árvores acessórias ao bem de raiz, inclusive uma plantação de pés de café, bem como das benfeitorias existentes com suas características de construção e uso e até mesmo, estado de conservação.

Somente em três escrituras, dos anos de 1812, 1815 e 1825, no Primeiro Ofício, junto ao bem imóvel, foram vendidos alguns escravos. Essa situação de ter somente essas escrituras de venda de escravos em relação às negociações que deveriam ser feitas no período compreendido pela pesquisa, já que abrange o período escravista no Brasil, se deve ao fato de que as escrituras de compra e venda de escravos podiam ser cumulativamente lavradas por Tabeliães, Escrivães do Cível e dos Juízes de Paz. Apareceram somente a negociação dos escravos junto com um bem imóvel, já que a venda de imóvel só podia ser realizada pelo Tabelião das Notas.

Na primeira dessas transações foram alienados os seguintes escravos: Antônio Simão, Pedro Angola, Roque e Lourenço, cada um por duzentos mil réis; Francisca, mulher daquele, por cento e setenta mil réis; Francisco Mendes, por duzentos mil réis; Felicianna, mulher deste, por cento e setenta mil réis; Joan Antônio, Manoel Pereira, Gerônimo pardo, Manoel Francisco, Paullo, Severino Crioulo, Joberto Pardo, José Antônio, Silvério Pardo e Antônio Francisco, cada um por duzentos mil réis; José Crioulo, Manoel Joaquim e André Crioulo, cada um por cento e setenta mil réis; Joaquim Congo, por cento e trinta mil réis; Diogo e Leocádia, cada um por quarenta mil réis. Na segunda, constam os escravos: Antônio Mulato e Braz Crioulo, cada um por cento e sessenta mil réis; Claudino Crioullo, de 4 anos de idade, por cinqüenta mil réis; Dionísio Crioullo, de 3 anos, por quarenta mil réis; Jacinta Crioulla, por cento e quarenta mil réis; Feliciana Crioulla, por cento e cinqüenta mil réis; Danjanna Crioulla, de 6 anos, por sessenta mil réis. E, na última destas escrituras, temos os escravos: Manoel Cabra, João Congo, Manoel Cabundá, Francisco Congo, José Congo, Lourenço Congo, sem declarar idade deles e pelo preço total de um conto, duzentos e noventa e dois mil e trezentos réis e, que também são vendidos junto à um bem imóvel e alguns móveis e criações.

Nessas transações dos escravos não há nenhuma cláusula ou condição, já que na época eram permitidas as cláusulas de serem os escravos libertados ou não libertados, de serem vendidos para fora de um lugar. Eram cláusulas imorais, talvez por isso não constem, já que não eram toleradas pelas instituições religiosas e políticas, além do que o senhor do escravo era somente dono dos serviços deste e não do seu corpo, como entre os romanos, não podendo determinar que fossem vendidos para lugar fora do Império.

 

IV.2.   Título de Propriedade

As escrituras trazem declarações de que os vendedores são senhores e possuidores dos bens vendidos, como é imprescindível, só não determinando ou provando que isso seja verdadeiro. Em algumas poucas escrituras há a citação da forma como os vendedores houveram os bens, que quase sempre era por herança de alguém. Valia a palavra das partes, não era necessário prova. O título de propriedade não era citado na escritura, presumindo com isso que não era apresentado ao Tabelião para conferência.

Em duas escrituras consta que os títulos e documentos da propriedade seriam entregues ao comprador. No primeiro caso, o bem alienado tinha sido adquirido por cessão de Carta de Mercê de Sesmaria, e no outro, por arrematação no Juízo da Provedoria de Ausentes na herança de um Padre intestado.

        Há que se atentar para o fato de que o Registro da propriedade imobiliária, como função do Estado, só foi instituído pelo Lei n° 1237 de 24 de setembro de 1864. Antes disso, era praticado pelos vigários quando em documento particular, que era feito em duas vias, uma entregue ao vigário da paróquia dando o recibo na via que ficava para o possuidor, conforme o Decreto1318 de 30 de janeiro de 1854.

 

 

IV.1.   Transferência da Posse

Em todas as escrituras consta a cláusula constituti, isto é, a declaração que o vendedor transferia ao comprador toda a posse, domínio, direito e ação que tinha sobre o imóvel vendido, empossando-o através da escritura, mesmo que continuasse com o imóvel em seu nome.

Pelo Direito Português, que filiou-se ao sistema alemão e romano, o contrato de compra e venda, por si só, se limita a criar a obrigação de dar a coisa; não transfere o domínio somente pelo consenso das partes. Para eficá­cia do contrato é necessária a conjugação do titulus adquirendi com o modus acquisitionis, isto é, há que se ter o contrato válido e a tradição da coisa, que para imóveis se faz com a transcrição no registro competente. As vendas imobiliárias realizadas no Brasil também seguiram essa determinação, embora não se criou Registro de Imóveis.

Não tendo o Registro Público Imobiliário, nosso contrato de compra e venda deveria transferir a propriedade, assim como o Direito Francês que aglutina a obrigação de dar com a obrigação de transferir a propriedade e o mero consentimento das partes transfere a propriedade, mas, adotava-se a regra do Direito Português, sem ao menos preocupar com a existência legal necessária para se realizar a tradição do bem imóvel. Vemos portanto, uma incongruência muito grande por faltar legislação específica para os atos praticados em território brasileiro. Ora, sem Registro de Imóveis, a escritura pública só transferia a posse do bem, enquanto na realidade, era transferida a propriedade, já que o novo comprador ficava proprietário do bem e podia fazer dele o que quisesse, não só como possuidor.

 

Capítulo V  -  dO  preço  da  transaçÃO

         Outro elemento essencial ao contrato de compra e venda é o preço, ou seja, o valor que as partes determinam para o bem alienado. O preço deve ser certo, determinado pelas partes ou mesmo por um árbitro (Conforme Ord., Liv. 4°, Tít. 1, princ.), e ser sério, pois se for irrisório não representará contraprestação da entrega do bem, e constituirá o negócio feito em uma liberalidade.

Reclama também as Ordenações a equivalência do preço, pois se não fosse justo poderia o negócio ser desfeito pela lesão da parte vendedora, quando representasse menos da metade do justo preço (Conforme Ord., Liv. 4°, Tít. 13, princ.).

 

V.1.       Valor Legal

O valor da transação de bens de raiz importa para a verificação da forma legal exigida. Assim, é da essência do ato, a escritura pública, se o valor for acima de determinada quantia. Para a venda de escravos, não determinava a lei limite especial, devendo todas as transações, independente dos valores, serem feitas por escritura pública. O negócio jurídico que não acolhe a forma legal, é tido como nulo.

As Ordenações Filipinas, em seu Livro 3°, Título 59, determina que todos os contratos tendo como objeto bem imóvel e a quantia da obrigação passar de quatro mil réis (4$000), ou se for móvel e a quantia obrigada passar de sessenta mil réis (60$000), devem ser firmados e feitos por escrituras de Tabelião público.

A legislação esparsa, como por exemplo, a Lei n° 840, de 15 de setembro de 1855, em seu artigo 11, aumentou o limite dos imóveis, estipulando que “a compra e venda de bens de raiz, cujo valor exceder de duzentos mil réis (200$000), será feita por escritura pública, sob pena de nulidade” (Apud, Código Philippino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal, recopiladas por Cândido Mendes de Almeida. Livro Terceiro, fls. 651, nota 3, e Decreto n° 49 de 22 de Janeiro de 1956), bem assim o Decreto n° 2.833, de 12 de outubro de 1861.

Vê-se que o valor de quatro mil réis era um limite muito inferior para uma avença tendo como objeto um bem imóvel, pois constata-se nos contratos pesquisados que o menor valor é de cinqüenta mil réis (50$000), numa escritura lavrada no ano de 1812, para venda de uma chácara com uma casa arruinada. Já para bens móveis, era um valor muito alto, pois não encontramos nenhuma compra e venda especialmente de bem móvel, além do que, com cinqüenta mil réis se conseguia comprar uma chácara.

Com isso, todas as negociações de bens de raiz se faziam perante o Tabelião, e as negociações de bens móveis se faziam de modo particular. Era a segurança do ato que se visava, com relação à importância do direito transmitido.

 

V.2.       Moeda

A moeda em curso no Brasil, neste período, era a antiga moeda portuguesa, real, em seu plural, réis. Já que o Brasil não tinha sua própria moeda, e como as Ordenações determinam que o vendedor fica obrigado a receber qualquer moeda corrente lavrada pelo cunho dos Reis portugueses, determinando ainda a espécie da moeda (Conforme Ord., Liv. 4°, Tít. 21, princ.). Era até penalizado com prisão e açoitamento público, ou mesmo degradação para a África, a pessoa que rejeitasse receber em moeda cunhada pelos Reis (Conforme Ord., Liv. 4°, Tít. 22, princ.).

O pagamento poderia ser feito em moeda de ouro, de prata ou de cobre. Algumas poucas escrituras apresentam, em seu corpo, a descrição da moeda usada no pagamento, sendo muito usado as expressões “em moeda corrente de Barra e Prata”, “em moeda metálica de prata e cobre”, “em notas com câmbio de 5%” e “em notas do Banco do Brasil”.

Para moedas de cobre, era permitido até um certo valor de acordo com a quantia total da obrigação, representando essa espécie somente uma parcela do pagamento, proibindo o pagamento total em moeda de cobre 4. Nas escrituras que mencionam ter o vendedor recebido em moeda de cobre, não se relaciona a quantidade entregue nessa espécie. Contudo, uma escritura, do ano de 1829, em que o valor da venda foi de 1:200$000 (hum conto e duzentos mil réis) teve a quantia de 600$000 pagos em moeda de cobre, respeitando o limite que as Ordenações impunha para o pagamento nessa moeda; já que para esse valor, ou seja, “sendo o pagamento de maior quantia, que cem mil réis, se poderá pagar a razão de mil réis em cada cem mil réis, dos primeiros cem mil réis por diante” (Conforme Ord., Liv. 4°, Tít. 21, princ.).

Duas escrituras, uma de março de 1813 e outra de dezembro de 1813, trazem o preço estipulado em cruzados, embora transformado em réis, assim descrito: “o preço é de 4.000 cruzados que é 1:600$000 réis” e preço de 3.000 cruzados com 300$000 réis a vista, e 900$000 fiados”; estabelecendo que um cruzado eqüivalia a quatrocentos réis.

 

V.3.       Forma de Pagamento

A forma de pagamento é um ponto interessante que podemos verificar nas escrituras, já que existiam três formas: pagamento à vista; um princípio de pagamento e o restante dividido; e, todo o valor financiado; elencando as escrituras nos três tipos de nominação citadas no capítulo II, acima.

         De todas as noventa e uma escrituras pesquisas, encontramos apenas trinta e seis vírgula três por cento (36,3%) delas com pagamento tendo sido feito à vista. É uma porcentagem muita pequena. As demais escrituras foram feitas com pagamento parcelado, sendo que nestas, também trinta e seis vírgula três por cento (36,3%) o pagamento foi feito com uma parcela de início, à vista e o restante, como diziam “fiados na mão do comprador”, e, vinte e sete e meio por cento (27,5%) tendo o valor da transação completamente financiado.

         As dívidas assumidas pelos compradores, com relação ao preço da coisa comprada, eram comumente anuais, desde um ano após a data da escritura e até quinze anos, com uma escritura, em especial, tendo o prazo de dezenove anos para completar o valor dos bens.

Os pagamentos feitos em meses também aconteciam, só que representavam poucos negócios e sempre de valores pequenos, que poderiam ser cumpridos facilmente em pequeno lapso de tempo. Mas não era pagamento mensal, e sim com prazo de vencimento no decurso final do tempo de meses determinado, correndo desde dois meses depois da data do instrumento público e até oito meses.

 

V.4.       Título de Garantia

Nessas escrituras com parcelamento, o comprador sempre assumia a obrigação de pagar ao final do prazo estipulado, se comprometendo pessoalmente. Não se mostrou comum dar algum título especial da dívida e muito menos dar garantia especial do pagamento, na maior parte, a garantia é de modo genérico, vinculando a pessoa do devedor e seus bens.

O título da dívida é a própria confissão do comprador e devedor, no corpo da escritura, que não deixa de aparecer em nenhuma dessas escrituras, pois, a escritura traz o negócio jurídico da compra e venda e o negócio jurídico da confissão de dívida, conforme já se denota de sua nominação: “Escriptura de compra e venda dívida e obrigação”.

Numa ou noutra escritura há garantias especialmente dadas, sempre recaindo na própria coisa vendida, como por exemplo, a escritura que tem longo prazo de dezenove anos, o vendedor determinou que os bens ali vendidos ficassem inalienáveis pelo tempo em que não completasse o pagamento, ainda, determinando a impenhorabilidade dos mesmos por dívidas pretéritas ou futuras do comprador, nem mesmo em favor da Real Fazenda.

Até o ano de 1810 vigorava a regra das Ordenações em que o vendedor poderia recobrar a coisa vendida, do comprador ou de quem a tivesse em seu poder, pela falta do pagamento (Conforme Ord., Liv. 4°, Tít. 5, §2.). Mas essa norma foi revogada pelo Alvará de 4 de setembro de 1810, onde o Príncipe Regente determinou que ao vendedor só caberia ação pessoal contra o comprador que não houvesse pago o preço, e não mais ação real para reaver a coisa vendida.

 

Capítulo VI  -  dOs  impostos  e  documentos

         Toda escritura de compra e venda traz alguns encargos para as partes, tais como o pagamento de impostos que recaiam sobre a transação e de taxas de selos, apresentação de documentos necessários para a prova da quitação das obrigações fiscais, procurações quando as partes são representadas, ficando tudo isso consignado ao fim da escritura, antes das assinaturas.

 

VI.1.   Imposto de Transmissão

O Príncipe Regente D. João VI, depois denominado Rei, tão logo chegou ao Brasil, tratou de legislar em favor de sua Real Fazenda, estabelecendo onerosos atos para seus “fiéis vassalos” e entre esses, o mais gravoso foi a estipulação do imposto da Sisa.

         A palavra Sisa ou Siza vem do latim excidere que significa cortar, separar, é a denominação do imposto que recaia percentualmente sobre os valores da compra e venda. Este imposto foi introduzido em Castella pelo Rei Dom Sancho em 1285, passando para Portugal, onde foi introduzido por D. Affonso II e D. Affonso V que o regulou por um Regimento de 27 de setembro de 1476. Era um imposto temporário destinado às despesas de guerra e que se transformou em um tributo definitivo. No Brasil só foi admitido depois do Alvará de 3 de junho de 1809, que tinha força de lei, começando imediatamente a ser arrecadado.

         Embora esse Alvará deixa expresso a preocupação da Vossa Alteza em “gravar o menos possível, o livre giro das transações” (Alvará de 3 de junho de 1809, em Anexos, Leis do Império do Brasil. In: IRIB - Instituto de Registro Imobiliário do Brasil,  on line. Disponível em: http://www.irib.org.br/) de domínio feitas em todo território brasileiro e domínios ultramarinos, o imposto da siza foi fixado em dez por cento (10%) sobre os valores das compras, vendas e arrematações de bens de raiz e em cinco por cento (5%), ou seja, meia-siza, dos preços das compras e vendas dos escravos ladinos; não isentando pessoa ou corporação alguma.

Assim, com esse ônus pesadíssimo sobre as transações de compras e vendas, as escrituras passaram a constar a prova de quitação do imposto, já que a venda sem pagamento da respectiva siza era considera nula, por força do mesmo Alvará. Contudo, somente a partir do ano de 1811 é que aparece a primeira escritura contendo a transcrição do talão do conhecimento de recebimento da siza pelo Tesoureiro da Real Fazenda, antes desse ano não há qualquer menção sobre a siza.

As partes podiam convencionar a quem recaia a obrigação de pagar a siza, se ao comprador ou ao vendedor. Ela era cobrada integralmente sobre o valor da venda, mesmo que o pagamento fosse fiado e parcelado para o futuro. Isso obstava as transações, pois se o comprador não tinha todo o recurso para fazer o pagamento do preço do bem, e muitas das vezes, nem tinha um valor para princípio de pagamento, perderia o negócio, ou teria que esperar para realizá-lo, já que não se podia também parcelar o pagamento da siza. Como as negociações parceladas eram as mais procuradas, importando um grande número de escrituras assim lavradas, os governantes perceberam que também estavam deixando de receber seu imposto se o negócio não se verificasse, e pela Carta Régia, de 02 de outubro de 1811, ficou determinado que a siza fosse cobrada na proporção das parcelas. O valor que se pagasse à vista, pagava a décima sobre ele e, sobre as demais parcelas à prazo, ficavam as partes obrigadas a pagar a décima quando de seus vencimentos, na forma que ajustassem. As escrituras sempre indicam quem responderá pelo pagamento da siza futura, se o vendedor, o comprador, ou os dois e em que proporção.

 

VI.2.   Taxas Próprias

Além da siza nas vendas de imóveis e da meia-siza nas vendas de escravos, existia uma taxa de selo, surgida a partir de 1818 e, que constava no talão de conhecimento do pagamento da siza, em traslados de procurações públicas ou particulares apresentadas nas escrituras, nos bilhetes que distribuíam as escrituras entre os Tabeliães.

Esse selo era aposto em cada documento que se emitia, sendo que no talão da siza e nas procurações, o seu valor era de quarenta réis. Nos bilhetes de distribuição, o seu valor era de dez réis.

Em cada escritura de compra e venda lavrada no Livro de Notas dos Cartórios não existe nenhum selo aposto nem menção de se ter pago alguma taxa relativa a selo para esse ato.

 

VI.3.   Documentos Necessários

Existiam documentos imprescindíveis para a lavratura da escritura que as partes deveriam apresentar ao Tabelião, alguns até inquinavam o documento de nulidade se não apresentado.

Num lugar onde houvesse mais de um Tabelião, nenhum deles poderia lavrar escritura alguma sem que fosse a mesma distribuída à ele, pelo Distribuidor oficial, sofrendo as penalidades impostas pelas Ordenações (Conforme Ord., Liv. 1°, Tít. 78, §1). Em Barbacena, como existiam dois Tabeliães, não se podia deixar de verificar essa primeira formalidade, atendendo assim, uma exigência que tinha por finalidade igualar o serviço entre todos os Tabeliães.

A parte, ou alguém por ela, devia comparecer perante o distribuidor e comunicar-lhe o ato a ser celebrado, dando os nomes dos outorgantes e outorgados e, no caso de venda, o bem vendido e seu preço e forma de pagamento (Conforme Ord., Liv. 1°, Tít. 85, §1). O bilhete feito pelo distribuidor era então apresentado ao Tabelião indicado e, mesmo não havendo disposição legal que mandasse o Tabelião transcrevê-lo, em sua íntegra, na escritura, verificamos que as escrituras trazem essa transcrição. Não vimos nenhuma escritura que faltasse a menção ao bilhete de distribuição, mas mesmo que isso acontecesse, não gerava a anulação do instrumento.

Outro documento imprescindível era a certidão de pagamento da siza, ou o talão de conhecimento que declarava o nome dos contraentes e dos bens vendidos, seu preço, com o valor da parte paga ao recebedor ou escrivão das sizas, com assinatura deste, dia e lugar em que foi passado. Esse conhecimento era obrigatório incorporá-lo verbo ad verbum no corpo da escritura, sob pena de nulidade da escritura que assim não se verificasse (Conforme Ord., Liv. 1°, Tít. 78, §14).

Nas escrituras lavradas no Cartório do Primeiro Ofício, no período de junho de 1815 a julho de 1816, o Tabelião só mencionou que o conhecimento lhe foi apresentado e a siza foi paga, dando fé por isso, não fazendo constar do documento a transcrição literal do talão de conhecimento respectivo. No ano de 1817, o Juiz determinou, em correição realizada, que o Tabelião copiasse todos os bilhetes de pagamento da Siza das escrituras daquele Livro, assim como os bilhetes de distribuição. Segue-se à essa determinação judicial a cópia integral dos documentos exigidos referentes às escrituras anteriormente feitas, fazendo remissão à página do livro que estava situada cada escritura.

Se a venda fosse à vista, sua respectiva siza também era paga à vista, e o talão do conhecimento era fornecido dizendo o valor que foi pago por ela. Se a venda fosse feita com parte paga e parte fiada, eram emitidos dois talões de conhecimentos, um sobre o valor pago à vista e outro sobre o valor ou valores que se ficavam a dever, com suas datas de vencimentos e a declaração de quem ficava responsável pelo seu pagamento, se vendedor ou comprador. Esse talão era denominado de talão ou carga de lembrança da siza fiada. Sendo todo financiado o valor da venda, emitia-se somente o talão de lembrança da siza fiada, indicando os valores das parcelas a serem pagas e as datas das mesmas.

Quando as partes eram representadas por procuradores era necessário apresentar o mandato que era incorporado à escritura. Essa procuração não importava se fosse feita por instrumento público ou particular, e independente da forma, era integralmente copiada na escritura.

Uma escritura do ano de 1830 traz a cópia de um documento interessante. O casal vendedor nomeou representante através de procuração pública feita na comarca do Rio de Janeiro. Existe nessa escritura uma carta encaminhada ao Coronel Juiz de Paz pelo vendedor onde pede autorização para que o escrivão tome a procuração dele vendedor e de sua mulher gravemente enferma. Ora, a procuração foi feita no Rio de Janeiro, não importava mais esse pedido.

 

Capítulo VII  -  CONCLUSÃO

         A compra e venda sempre foi contrato presente nas relações humanas em seu relevante papel de natureza econômica, fomentado a circulação das riquezas, principalmente depois que se descobriu uma merca­doria que era considerada como o denominador comum das trocas. Assim, mesmo numa época em que estávamos sob o julgo de Portugal, ainda no período colonial, não deixaram os brasileiros e residentes no Brasil de se relacionarem fazendo vínculos de dever e prestação. Faziam muitos negócios jurídicos e entre eles, muita compra e venda, principalmente as que tinham por objeto bens imóveis, que ficaram registradas para a eternidade nos Livros de Notas dos Tabeliães barbacenenses.

         Não se pode negar, contudo, que com a vinda da Família Real para o Brasil e a administração advinda de Lisboa, a Colônia recebeu ares de Estado. Mas sua Real Alteza estava preocupada com a Metrópole e aqui reinou provisoriamente, pensando em voltar à Europa. Não nos legou legislação própria e nem se preocupou com as diferenças que os costumes daqui influíam nos negócios jurídicos. Ao contrário, preocupou-se em legislar em prol da Real Fazenda, impondo leis antigas, que a Europa criou em tempos de guerra, mas que era interessante manter indefinidamente.

         Impôs-nos uma legislação para arrecadar porcentagem em cada compra e venda feita nos domínios pertencente à Coroa Portuguesa, com uma elevadíssima fração de dez por cento do valor da negociação, quando bens imóveis e de cinco por cento do valor, quando o ato era a alienação de escravos.

Pudemos ver que isso se tornou um ônus alto para as negociações, uma vez que a maior parte das vendas eram feitas parceladamente, embora o imposto era arrecadado à vista pelo Tesoureiro de sua Alteza. O negócio era feito entre comprador e vendedor, o objeto pertencia ao vendedor que buscava o preço justo para alienar seu bem, mas primeiro as partes precisavam se preocupar com o imposto da realeza e, só depois dele quitado é que poderiam ir buscar a transcrição do negócio junto ao Tabelião indicado; só depois dele quitado é que se poderia negociar a forma de pagamento e as datas de recebimento.

Era uma incongruência tão grande que sua Alteza Real acordou para a injustiça desse ato e, num ato nobre, prescreveu que se poderia também fracionar o valor do imposto, assim como se fracionava o valor da negociação. Assim ficou mais justo, o negócio não ficava prejudicado ao impor o pagamento total do imposto mesmo antes do vendedor receber alguma parte do preço. Nas vendas parceladas, parcelava-se na mesma proporção a décima ou a quinta da Fazenda Real. Contudo, só deixaram fracionar o imposto, mas não pensaram em diminuir a porcentagem, os fiéis vassalos que se acostumassem com os ônus por estarem hospedando a Família Real.

         Mas o Brasil era grande, a lei que era criada nos palácios reais do Rio de Janeiro, demorava alguns anos para entrar em vigor noutras partes da Colônia. E assim se deu em Barbacena, que, embora estando no Caminho para o Rio de Janeiro, a poucos dias de viagem da Capital do Reino, só começou a cobrar o imposto da siza dois anos depois que a lei já existia.

Prescrevia essa lei que venda nenhuma podia ser feita sem antes arrecadar ao Tesoureiro Real o valor da siza, se assim não o fizessem, era nula a negociação. Mas nada aconteceu com as vendas feitas no período desses dois anos entre o Alvará de criação da siza e quando realmente começou a figurar nas escrituras a transcrição do talão de recebimento. As escrituras continuaram a valer mesmo a lei considerando-as como nulas, pois nenhuma dessas escrituras irregulares foi feita novamente, ou mesmo, não houve ato algum revalidando as transações feitas ou declarando-as nulas.

A falta de atenção com a legislação aqui vigorante em contraposição com a realidade local, fez surgir direitos incompletos ou desfigurados. Um exemplo é o fato de se ter adotado a compra e venda como em Portugal, nos moldes do direito alemão, em que o contrato só gera obrigação e não transfere a propriedade. A propriedade só se transfere com a tradição da coisa, que para imóveis se faz com a tradição solene, registrando a escritura no Registro Imobiliário. Mas esqueceram de criar os registros de imóveis. As escrituras eram feitas imitindo o comprador na posse do imóvel, mas não se podia transferir a propriedade por não ter como fazer a tradição solene. O adquirente comprava, recebia a posse do imóvel, pagava o preço e se apresentava como dono, mas pela lei não o era.

Apesar dessas discrepâncias legislativas surgidas pelo descaso de Portugal como suas colônias e seus vassalos, os Tabeliães de Notas aqui estavam, agindo numa função de natureza social, garantindo a moralidade e legalidade da vontade das partes. Sendo o depositário da confiança das partes, exercendo atuação essencial, preventiva e inibidora de futuros conflitos, legaram-nos um repositório público de informações, com uma base territorial bem delimitada.

O notariado no Brasil surgiu das sementes trasladadas de Portugal através das Ordenações que prescreviam e delimitavam as funções de um Tabelião. Recentemente o Supremo Tribunal Federal declarou que as regras das Ordenações que não foram revogadas continuam em vigor, principalmente as que tratam das escrituras e funções tabelioas.

Por isso, todas as escrituras pesquisadas mostram-se semelhantes, num formalismo de linguagem e estrutura que ainda é usado até os dias de hoje.

Assim, mesmo não se tendo uma legislação voltada para os interesses do Brasil, os Tabeliães davam segurança aos atos dos súditos da Coroa Portuguesa e, principalmente com relação ao contrato de compra e venda, que sempre foi de relevante importância nas relações pessoais, esses homens dotados de fé pública, revestiam-no da forma necessária para aplicação das leis civis.

 

Anexos

         Normas, legislações e demais resoluções utilizadas na pesquisa e neste trabalho citadas, transcritas na forma arcaica do português assim como consta dos documentos:

 

Ordenações Filipinas

 


Primeiro Livro

 

Título LXXVIII

Dos Tabelliães das Notas.

 

“Em qualquer cidade, villa, ou lugar, onde houver casa deputada para os Tabelliães das Notas, starão nella pela manhã, e à tarde, para que as partes, que os houverem mister para fazer alguma scriptura, os possam mais prestes achar.

   1- Mandamos, que onde houver dous Tabelliães das Notas, ou mais, nenhum delles faça scriptura alguma, sem lhe ser distribuida pelo Distribuidor. E fazendo o contrario, pela primeira vez será suspenso do seu Officio per seis mezes, e pague dous mil réis para que o accusar: E pela segunda privado delle.”

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   “4- E screverão em hum livro, que cada hum para isso terá, todas as Notas dos contractos que fizerem. E como forem scriptas, logo as leam perante as partes, e testemunhas, as quaes ao menos serão duas. E tanto que as partes outorgarem, assinarão ellas, e as testemunhas. E se cada huma das partes não souber assinar, assinará por ella huma pessoa, ou outra testemunha, que seja além das duas, fazendo menção, como assina pela parte, ou partes, porquanto ellas não sabem assinar. E se em lendo a dita Nota for emendada, accrescentada per entrelinha, mingoada, ou riscada alguma cousa, o Tabellião fará de tudo menção no fim da dita Nota, antes das partes e testemunhas assinarem, de maneira que depois não possa sobre isso haver duvida alguma.”

 ...

    “6- E se os ditos Tabelliães não conhecerem algumas das partes, que os contractos querem firmar, não façam taes scripturas: salvo se as partes trouxerem duas testemunhas dignas de fé, que os ditos Tabelliães conheçam, que digam que as conhecem. E no fim da Nota, os Tabelliães façam menção, como as ditas testemunhas conhecem a parte, ou partes, as quaes assi mesmo assinarão na Nota.”

...

   “14- E não farão Carta alguma de venda, nem outro contracto de bens de raiz, nem de cousa alguma, de que se deva Sisa, sem primeiro as partes lhes presentarem certidão do Juiz do lugar, em que os taes bens de raiz stiverem, em que se declare, como pagarão a Sisa, e fica entregue ao Recebedor. Na qual certidão serão declarados os nomes dos contrahentes, e dos bens que se vendem, e do preço, e em que parte stão, e o nome do Recebedor, e será feita pelo Scrivão das Sisas do tal lugar, e assinada por elle, e pelo Juiz e Recebedor, e será incorporada de verbo ad verbum nos ditos contractos. E o Tabellião, que o assi não cumprir, perderá o Officio; e as scripturas que se fizerem contra fórma desta Ordenação, serão nullas e de nenhum effeito. E as proprias partes ou seus herdeiros poderão annullar os ditos contractos em qualquer tempo que quizerem, e cobrar as novidades das ditas propriedades, desde o tempo que assi contractaram. E não escusará aos Tabelliães da dita pena presentar as proprias certidões, de como fica paga a Sisa, se não forem trasladadas nas scripturas. E isto mesmo se guardará nos bens, que se venderem em pregão: nos quaes os Scrivães, que fizerem as remataçòes, serão obrigados do dia da rematação a tres dias, o fazerem screver no Livro das Sisas, e cobrar certidão do Scrivão dellas, de como ficão assentadas. E o mesmo se guardará nas vendas e trocas, que se fizerem de Náos, Navios, Barcas, e Bateis. E na Cidade de Lisboa se apresentará certidão do Scrivão das Sisas do ramo, a que pertencer, assinada por elle, e pelo Almoxarife da Casa.”

Título LXXX

Das causas, que são communs aos Tabelliães das Notas e aos do Judicial.

 

“7- E nas scripturas, que fizerem ponham sempre juntamente o dia, mez, e anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesu Christo, e não separado, como atéqui se fazia, e a cidade, villa, ou lugar e casa, em que as fizerem, e assi os seus nomes delles Tabelliães, que as fazem.

 

 Título LXXXV

Dos Distribuidores das cidades, villas e lugares do Reino.

 

“1- E onde houver dous Tabelliães das Notas, ou mais, distribuirá entre elles o Distribuidor dos Tabelliães do Judicial. Porém nos lugares onde houver muitos Tabelliães das Notas, haverá hum Distribuidos apartado do dos Tabelliães do Judicial; o qual será obrigado estar no Paço dos Tabelliães das Notas tres horas pela manhã, e tres horas à tarde continuamente. E o Distribuidor, que distribuir as scripturas entre os Tabelliães das Notas, assentará no livro da distribuição os nomes das partes, que fizerem os contractos, e as cousas sobre que se fazem, dizendo: Item a N. e N. Tabellião huma scriptura de venda de humas casas que N. vendeo a N.”

 

 

Terceiro Livro

 

Título LIX

Das provas, que se devem fazer per scripturas publicas.

 

“Todos os contractos, avenças, convenças, pactos, composições, compras, vendas, escaimbos, permutações, dotes, arras, doações, stipulações, promissões, aforamentos, arrendamentos, emprestimos, encomendas, guardas, depositos e quaesquer outros contractos de qualquer natureza e condição que sejam, assi perpetuos, como a certo tempo, e per qualquer nome per Direito, ou costume de nossos Reinos nomeados, ou sejão de maior, ou menor condição, ou de maior ou menor força e virtude, que estes aqui declarados, que quaesquer pessoas, assi publicas, como privadas, Concelhos, Communidades, Collegios, Confrarias, e assi homens, como mulheres, de qualquer stado, e condiçào que sejam, fizerem, e affirmar quizerem em nossos Reinos e Senhorios, se forem sobre bens de raiz, e a quantia da obrigação passar de quatro mil réis, ou se forem sobre bens e cousas moveis, e a quantidade da divida passar de sessenta mil réis: e bem assi todas as pagas, quitaçòes, soluções, renunciações, transações, remissões, divisões, e partições de heranças, e de quaesquer outros bens, revogaçòes, spaços de dividas e de quaesquer obrigações, pacto, ou convença de não demandar, e outras quaesquer innovaçòes dos ditos contractos, ou firmidões, ou de outros, de qualquer natureza e condição sejam, assi reaes, como pessoaes, que por razão de feitos crimes, quer civeis, que passarem das ditas quantias de sessenta mil réis nas cousas moveis, e de quatro mil réis nos bens de raiz, sejam firmados e feitos per scripturas per Tabelliães publicos, ou Scrivão authentico, que para isso tenha autoridade, perante testemunhas, ou per nossas Cartas. E em taes casas, em que segundo disposição desta lei se requere scriptura publica, não será recebida prova alguma de testemunhas: e se forem recebidas testemunhas, tal prova será nenhuma, e de nenhum effeito, posto que a parte o não opponha.”

 

 

Quarto Livro

 

Título I

Das compras e vendas, que se devem fazer por preço certo.

 

“As compras e vendas que se podem fazer, não sómente quando o vendedor e comprador stão presentes e juntos em hum lugar mas aindaque o vendedor stê em hum lugar e o comprador em outro, consentindo ambos na venda, e acordando-se per cartas, ou mensageiros, contentando-se o comprador da cousa e o vendedor do preço.

E póde-se isso mesmo fazer a venda, postoque a cousa comprada não stê presente diante o comprador e o vendedor, consentindo ambos na venda.”

 

Título V

Do comprador, que não pagou o preço ao tempo, que devia, por a causa não ser do vendedor.

“2- E se o vendedor ao tempo do contracto deu spaço ao comprador para lhe pagar o preço, se lh’o elle não pagar ao tempo, que lhe foi outorgado, poderá o vendedor logo cobrar a cousa do comprador, se a tiver em seu poder, ou de qualquer outra pessoa, em cujo poder a achar.

E não se poderá escusar de lha tornar, posto que lhe offereça o preço, pois lho não pagou, nem offereceu ao tempo, que se obrigou.

Porém, se o vendedor quizer antes haver o preço, que a cousa vendida, podel-o-ha demandar e haver, quando lhe aprouver.”

 

Título XIII

Do que quer desfazer a venda, por ser enganado em mais da metade do justo preço.

 

“Posto que o contracto da compra e venda de qualquer cousa movel, ou de raiz seja de todo perfeito, e a cousa entregue ao comprador, e o preço pago ao vendedor foi enganado além da metade do justo preço, póde desfazer a venda per bem do dito engano, ainda que o engano procedesse do comprador, mas sómente se causasse da simpleza do vendedor. E poderá isso mesmo o comprador desfazer a compra, se foi pela dita maneira enganado além da metade do justo preço. E entende-se o vendedor ser enganado além da metade do justo preço, se a cousa vendida valia por verdadeira e commum estimação ao tempo do contracto dez cruzados, e foi vendida por menos de cinco. E da parte do comprador se entende ser enganado, se a cousa comprada ao tempo do contracto valia por verdadeira e geral estimação dez cruzados, e deu por ella mais de quinze.”

 

Título XXI

Em que moedas farão os pagamentos do que se compra, ou deve.

 

“Postoque alguns compradores e vendedores, e outros contrahentes se concertem, que se haja de pagar certa moeda de ouro, ou de prata, será o vendedor obrigado receber qualquer moeda corrente lavrada de nosso cunho, ou dos Reys, que ante Nós foram na valia, que lhe per Nós fôr posta.

E por quanto alguns maliciosamente buscam moedas de cobre, para pagar suas dividas, havemos por bem que em todo o pagamento, que se fizer, se receba a moeda de cobre por esta maneira.

Sendo o pagamento da quantia de cincoenta réis se poderá fazer todo em cobre, e de cincoenta réis até duzentos, se pagará cincoenta réis em cobre, e de duzentos até mil se poderá pagar a quarta parte em cobre, e de mil até dous mil e quinhentos, se poderá pagar em cobre duzentos e cincoenta réis: e dois mil e quinhentos até dez mil réis, a decima parte.

E de dez mil até vinte mil, não serão as partes obrigadas tomar em cobre mais que mil réis. E de vinte mil réis até cem mil réis, a vintena parte sómente. E sendo o pagamento de maior quantia, que cem mil réis, se poderá pagar a razão de mil réis em cada cem mil réis, dos primeiros cem mil réis por diante. E as partes serão obrigadas ao receber pela dita maneira, sob as penas conteúdas no titulo seguinte.”

 

Título XXII

Que não se engeite moeda d’El-Rey.

 

“Qualquer pessoa, que engeitar nossa moeda verdadeira lavrada de nosso cunho, se fôr peão, seja preso e açoutado publicamente, e sendo homem, que não caibam açoutes, seja preso e degradado para a Africa per dous annos; e esta mesma pena, haverá o que engeitar moeda de ouro, que a estes nossos Reinos vier de fóra delles. Porém, se as ditas moedas de ouro, assi de nossos Reinos, como de fóra delles, e bem assi a nossa moeda dos tostões forem de menos peso do que devem ser, segundo sua Lei e peso, poder-se-hão engeitar sem pena alguma, salvo se a parte, que a der, quizer refazer a justa valia do que menos pesa, porque em tal caso a não poderão engeitar, e engeitando-a, incorrerão nas penas sobreditas.”

 

Título XLVIII

Que o marido não possa vender, nem alhear bens sem outorga da mulher.

 

“Mandamos, que o marido não possa vender, nem alhear bens alguns de raiz sem procuração, ou expresso consentimento de sua mulher, nem bens, em que cada hum delles tenha o uso e fructo sómente, que sejam casados por carta de metade, segundo costume do Reino, quer por dote e arras.

O qual consentimento se não poderá provar, senão per scriptura publica; e fazendo-se o contrario, a venda, ou alheação seja nenhuma, e sem effeito algum.

E postoque se allegue que a mulher consentio, e outorgou na venda, ou alheamento caladamente, tal outorga tacita não valha, nem seja alguém admitido a allegar, salvo allegando outorga expressa e provando-a; porque muitas vezes as mulheres por medo, ou reverencia dos maridos deixam caladamente passar algumas cousas, não ousando de as contradizer por receio de alguns scandalos e perigos, que lhes poderiam vir.

Porém não tolhemos ao marido, que possa vender, ou renunciar qualquer Officio que tiver, posto que a mulher não consinta.”

 

Legislação Extravagante

 

Lei de 20 de Outubro de 1823 (Apud, Código Philippino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal, ob. cit., pág. LXXV)

“Manda vigorar no Imperio as Ordenações, Leis e Decretos promulgados pelos Reys de Portugal até 25 de Abril de 1821; e, depois dessa epocha, as do Regente D. Pedro e as das Côrtes Portuguezas, enumeradas em huma tabella.”

 

“D. Pedro I, por graça de Deos e unanime acclamação dos Povos, Imperador Constitucional e Perpetuo Defensor do Brazil, a todos os nossos fieis subditos, saúde. A Assembléa Geral Constituinte e Legislativa do Imperio do Brazil tem decretado o seguinte:

A Assembléa Geral Constituinte e Legislativa do Imperio do Brazil decretada:

Art. 1°- As Ordenações, Leis, Regimentos, Alvarás, Decretos e Resoluções promulgadas pelos Reys de Portugal, e pelas quaes o Brazil se governava até o dia 25 de Abril de 1821, em que S.M. Fidelissima, actual Rey de Portugal e Algarves se ausentou desta Corte, e todas as que forão promulgadas daquella data em diante pelo Sr. D. Pedro de Alcantara como Regente do Brazil emquanto Reino, e como Imperador Constitucional delle, desde que se erigio em Imperio, ficão em inteiro vigor na parte em que não tiverem sido revogadas, para por ellas se regularem os negócios do interior deste Imperio, em quanto se não organisar hum novo Código, ou não fôrem especialmente alteradas.

Art. 2°- Todos os Decretos publicados pelas Côrtes de Portugal, que vão especificados na tabella junta, ficão igualmente valiosos emquanto não fôrem expressamente revogados.

Paço da Assembléa, em 27 de setembro de 1823.

Mandamos, portanto, à todas as autoridades civis, militares e ecclesiasticas que cumprão e fação cumprir o referido Decreto em todas as suas partes, e ao Chanceller-mór do Imperio que o faça publicar na Chancellaria, passar por ella e registrar nos livros da mesma Chancellaria a que tocar, remettendo os exemplares delle a todos os lugares á que se costumão remetter, e ficando o original ahi até que se estabeleça o Archivo Publico, para onde devem ser remettidos taes diplomas.

Dada no Palacio do Rio de Janeiro, aos 20 dias do mez de outubro de 1823, 2° da Independencia e do Imperio.

Imperador com guarda.

José Joaquim Carneiro de Campos.”

 

Assento da Junta Sobre a Creação das Villas de São Bento de Tamanduá, Queluz e Barbacena (Apud, Savassi, Altair José, Barbacena, 200 anos, volume 1, pág. 115)

 

“Aos onze dias do mês de janeiro do corrente anno de mil, setecentos e noventa e dous nesta Villa Rica de Nossa Senhora do Pillar de Ouro Preto na Meza da Junta da Administração, e arrecadação da Real Fazenda desta Capitania, a que Prezidia o Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Visconde de Barbacena do Conselho de Sua Magestade Governador, e Capitão General da mesma Capitania, estando presentes os Ministros, Deputados da dita Junta abaixo assignados, perante elles foi dito pelo referido Illustrissimo e Excellentissimo Senhor, que tendo sido repetidos os Requerimentos de alguns dos povos da mesma Capitania muito principalmente dos moradores das Freguezias de São Bento de Tamanduá, Carijós, e Igreja Nova, em que lhe pedião fosse servido crear, e erigi em Villas cada huma das ditas Freguezias, demarcando-lhes Termos competentes, o que cedia, não só em benefício dos mesmos Suplicantes, por terem huns, e outros, nas suas dependências Forenses, mais perto o Recurso da Justiça, como também no melhor serviço de Sua Magestade; sendo este o meio mais seguro, e proprio de se evitarem muitos delictos, que facilmente se perpetravão, porque de ordinario ficavão impunidos pelas longitudes que havião dos referidos lugares aos Julgados, e Villas onde tinhão actualmente as Justiças e sua Residencia; havia elle dito lllustrissimo e Excellentissimo Senhor na consideração de que os mencionados Requerimentos erão muito Rasoaveis, e justo pelas exactas informações a que mandara proceder, e á vista das Reais Ordens feito crear, e erigir em Villa a Freguezia de São Bento de Tamanduá com o seu Termo competente, e com a mesma denominação, e assim tambem a Freguezia de Carijós em Real Villa de Queluz, e a da Igreja Nova, com a denominação de Villa de Barbacena preservando-Ihes da mesma sorte os seus competentes Termos, e creando em cada uma dellas dous Juizes Ordinarios, trez Vereadores, hum procurador do Conselho e hum Escrivão da Camara; assim tão bem dois Tabelliães, hum Escrivão do Alcaide, hum Meirinho e hum Escrivão de Campo, e hum Escrivão de Órfaons para o expediente das diligencias da Justiça; cujos Officios se servião actualmente por conta da Fazenda Real emquanto se não calcula o Donativo, e Terças partes que devem fazer pagar para então se Rematarem por esta Junta na forma das Reaes Ordens de que para assim constar mandou tomar este Assento em que assigna o dito Senhor com os Ministros Deputados da mesma. E eu Jozé Caetano Cesar Manitte, que sirvo do impedimento do actual Escrivão Deputado a fis escrever. – Visconde de Barbacena – Affonço Dias Perª – Ant° Ramos da Silva Nogueira – Jozé Caetano César Manitti.”

 

Decreto de 24 de Fevereiro de 1823 (Apud, Savassi, Altair José, op. cit., volume 1, pág. 119)

“Eleva á categoria de Cidade todas as Villas que forem Capitaes de Provincias, e concede titulos honorificos às Povoações de Villa Rica, S. Paulo, Itú, Sabará e Barbacena.”

        

         “Tendo eu elevado este Paiz á Alta Dignidade de Imperio, como exigia a sua vasta extensão, e riqueza, e tendo-me dado as provincias de que elle se compõe grandes e repetidas provas de amor e fidelidade á Minha Augusta Pessoa, e de firme adhesão á Causa Sagrada da Liberdade, e Independencia este Imperio, cada uma segundo os meios que lhe ministram sua população e riqueza: Hei por bem em memoria, e agradecimento de tantos e tão relevantes serviços, que mutuamente se têm prestado, concorrendo todas para o fim geral do augmento e prosperidade desta grandiosa Nação, Elevar á Categoria de Cidade todas as Villas que forem Capitaes de Provincias. E porque mui especialmente se têm distinguido as Provincias de Minas Geraes e S.Paulo, como primeiras na resolução de sustentar, ainda á custa dos maiores sacrificios, os direitos inauferiveis suas povoações se avantajaram em testemunho de denodado patriotismo; Sou Servido Conceder á Villa Rica o Titulo de – Imperial Cidade de Ouro Preto -, ás Comarcas de Itú e Sabará o Titulo de – Fidelissimas -; e á Villa de Barbacena o de – Nobre e Muito Leal Villa de Barbacena.

         A Mesa do Desembargo do Paço o tenha assim entendido, e o execute, fazendo expedir os despachos necessarios. Paço, em 24 de fevereiro de 1823, 2° da Independencia e do Imperio. Com a rubrica de Sua Magestade o Imperador.”

 

Alvará de 17 de Março de 1823 (Apud, Savassi, Altair José, idem, pág. 121)

“Concede à Villa de Barbacena, da Provincia de Minas Geraes, o titulo de – Nobre e Muito Leal Villa de Barbacena.”

 

         “Eu, o Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Imperio do Brasil, Faço saber aos que o presente Alvará virem: Que sendo a Villa de Barbacena, da Provincia de Minas Geraes, uma das que se avantajaram em testemunhos de denodado patriotismo contra os declarados inimigos do Brasil: Hei por bem conceder-Ihe o titulo de – Nobre e Muito Leal Villa de Barbacena – de que ficará gozando perpetuamente.

         Este Alvará se cumprirá como nelle se contém.

         Dado no Rio de Janeiro aos 17 de Março de 1823, 2° da Independencia e do Imperio.

         Imperador com Guarda.”

 

Decreto n° 49 - Em 22 de Janeiro de 1856 (Leis do Império do Brasil, cit., disponível em (http://www.irib.org.br/))

“Manda publicar o Art. 11 da Lei de 15 de Setembro de 1855, sobre a compra de bens de raiz por escriptura publica.”

 

“Circular n. º 2. – O Marquez de Paraná, Presidente do Tribunal do Thesouro Nacional, recomenda aos Srs. Inspectores das Thesourarias da Fazenda, que deem a maior publicidade possível á disposição do Art. 11 da Lei n.º 840 de 15 de Setembro do anno passado, que manda que a compra e venda de bens de raiz, cujo valor exceder de 200$ seja celebrado por escriptura publica, sob a pena de nullidade; ordenando, outrosim, aos Chefes das Estações arrecadadoras da Renda nos diversos termos fóra das Capitaes das Provincias, que o mesmo fação nos seus respectivos districtos, por meio de editaes publicados nos periodicos, onde os houver, e affixados nos lugares mais publicos.

Thesouro Nacional em 22 de Janeiro de 1856. – Marquez de Paraná.”

 

Alvará de 4 de setembro de 1810 (Apud, Código Philippino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal, ob. cit., pág. 1019)

“Revoga a Ord. do Liv. 4 tit. 5 §2.”

 

“Eu o Principe Regente. Faço saber aos que o presente Alvará com força de Lei virem: Que devendo ser toda a Legislação uniforme em systema, e coherente em seus principios, e mui ajustada aos de Direito Natural, fonte da Justiça universal, para que as suas decisões assentadas nos dictames da Razão, e do justo sejão respeitadas, e observadas como convem, e sem contradicções, e difficuldades; e sendo sem controversia estabelecido pelos Direitos Natural, Romano, e Patrio, e pelo das Nações cultas, e civilisadas, que no contracto de compra, e venda, ajustado o preço, e entregue ao comprador a cousa vendida, e ao vendedor o preço, ou fiando-o elle, não só fica o contracto aperfeiçoado, mas completo de todo; que por meio da tradição passa o domínio para o comprador, ainda quando o ajuste foi feito ‘habita fide de praetio’; que deste contracto nascem as acções pessoaes ‘exempto et vendito’, para se haver por meio dellas a cousa vendida, e o preço; e que a acção de reivindicação he real, e tem origem immediata no dominio.

He incoherente com estas regras justificadas do mais depurado Direito a Ordenação do Livro IV tit. V §II, que determina, que fiando o vendedor o preço com prazo certo, e não se lhe pagando dentro delle póde ou pedi-lo, ou ir haver a cousa vendida do poder do comprador, ou de qualquer possuidor: decidindo-se desta maneira que lhe he licito usar da acção pessoa ‘ex vendito’, ou da real de reivindicação, quando o dominio, de que ella se deriva immediatamente devia estar no comprador, para quem de sua livre vontade, e pelo facto da venda o transferio o vendedor sem convenção alguma especial; não merecendo consideração o argumento de que tal caso fica o dominio revogavel, sobre ser argucia, e subtileza dos Comentadores, destituidos dos principios solidos de Direito, não póde sustentar-se sem offensa da certeza de dominio, e que muito convem attender em materia de Legislação á cerca do Direito de propriedade.

E não sendo a Decisão da referida Ordenação conforme com os principios geraes até da mesma Legislação patria; e sendo contraria ao bem commum, e utilidade do Publico, que muito interessa na estailidade, e firmeza dos contractos, pelos embaraços, que da sua execução resultão nas transacções da vida civil, e commercial, vendo qual quer que se reputa Senhor de alguma cousa porque a houve de quem se julgava legitimo dono, virem reivindicar-lha, e nascendo questões, e litigios de evicções, e authorias sempre embaraçados, e muitas veses inuteis, por ter já decaido de bens aquelle de quem se deve ultimamente haver o preço da compra.

E querendo evitar estes pleitos, e demandas porfiosas, e prejudiciaes á tranquillidade, e felicidade dos meus fieis Vassallos, e livrar o commercio de semelhantes difficuldades, que retardão, e empecem o seu giro, que importa seja mui facil, e livre, maiormente devendo considerar-se o contracto da compra, e venda o mais geral, e necessario para a sua prosperidade, por lhe servir pela maior parte de base, e fundamento; e sendo além disto mui conforme a sciência da Legislação ajuntar nas decisões legaes a justiça com publica utilidade.

Tendo ouvido o parecer de pessoas doutas, e zelosas do meu Real serviço, e da prosperidade geral: Hei por bem revogar a sobredita Ordenação do liv. IV tit. V §II, e determinar que fiando o vendedor o preço seja, ou não por prazo certo, tenha somente a acção pessoa para pedi-lo, e não possa haver a coisa vendida, por que lhe não fosse paga no tempo aprazado, devendo entender-se, que a concessão do espaço para o pagamento sem outra convenção, não importa mais do que não poder pedir-se o preço antes delle findar-se.

Pelo que mando, etc.

Dado no Palacio do Rio de Janeiro, em 4 de setembro de 1810. – Principe com guarda.”

 

Alvará de 3 de junho de 1809 (Leis do Império do Brasil, cit., disponível em http://www.irib.org.br/)

“Crêa o imposto do siza da compra e venda dos bens de raiz e meia siza dos escravos ladinos”

 

“Eu o Príncipe Regente faço saber aos que o presente Alvará com força de lei virem: que sendo necessário, e forçosos estabelecer novos impostos, para nas urgentes circumstancias, em que se acha o Estado, poder suprir-se as despezas públicas, que se tem augmentado: não podendo bastar os rendimentos, que haviam e que eram apropriados a outros tempos, e a mais moderada precisões: e convindo lançar mão dos que já são conhecidos desde o princípio da Monarchia, e que merecem preferencia por menos gravosos, e por terem methodo de arrecadação mais suave, e approvado pela prática e experiência, e tendo estas conhecidas vantagens a siza das compras e vendas, maiormente por se pagar em occasião menos penosa, e quando se transfere o domínio: desejando gravar o menos, que for possível, o livre gyro das transacções dos meus fiéis vassallos no trafico ordinário da vida civil, para que no uso do direito de propriedade tenham a maior liberdade que for compatível com o interesse da causa pública: tendo ouvido o parecer de pessoas doutas, e zelosas do meu real serviço: sou servido a determinar o seguinte.

I. De todas as compras, vendas e arrematações de bens de raiz que se fizerem em todo este Estado e Dominios Ultramarinos, se pagará siza para a minha Real Fazenda, que será de dez por cento do preço da compra, sem que desta contribuição se entenda por isenta pessoa ou corporação alguma, por mais caracterizada ou privilegiada que seja a que intervier em semelhantes contratos; em conformidade do que se acha estabelecido nos Alvarás de 24 de Outubro de 1796 e 8 de julho de 1800.

II. Pagar-se-há tambem em todo este Estado do Brasil para a minha Real Fazenda meia siza, ou cinco por cento do preço das compras e vendas de escravos ladinos, que se entenderão todos aquelles que não são havidos por compra feita aos negociantes de negros novos, e que entram pela primeira vez no paiz, transportados da Costa de Africa.

III. Para arrecadação da siza dos bens de raiz proporão as Camaras tres pessoas das mais abonadas que houver, para se escolher uma para Recebedor ou Thesoureiro nesta Corte e Districto da Capitania do Rio de Janeiro pelo Conselho da minha Real Fazenda, e nas demais Capitanias pelas Juntas da Administração e Arrecadação della; por maneira que haja um em cada Cidade e Villa em que houver Camaras; e os Officiaes dellas ficarão e os seus herdeiros responsáveis pelas faltas das pessoas, que propuzerem e que forem approvadas.

IV. Os recebedores nomeados receberão as sizas que lhes forem as partes a pagar, carregando-las em receita os Escrivães das Camaras, que hei por bem que sirvam de Escrivães das Sizas, sendo juizes dellas ou mesmo juizes de Fora, onde os houver, e os Ordinários em cada uma das Villas respectivas. Para esta carga haverá um livro rubricado pelos Ouvidores das Comarcas, nas Villas em que forem Juizes das Sizas os Ordinários, e nas demais pelos mesmos Juizes de Fora: e perceberão, o Escrivão um por cento pelo feitio e escripturação das certidões, e o Thesoureiro também um por cento pela guarda do dinheiro, sem mais ordenado ou emolumento algum.

V. No fim de cada tres mezes, e nos primeiros oito dias seguintes, se remeterá ao meu Real Erario o que se tiver arrecadado nesta Corte e Província, com o competente conhecimento extrahido do respectivo livro assignado pelo Juiz, Recebedor, e Escrivão, dando-se a necessária quitação para ressalva do referido Recebedor com as clarezas precisas. Nas Capitanias deste Estado e dos Dominios Ultramarinos se fará a remessa às Juntas da Administração e Arrecadação da minha Real Fazenda, por onde se expedirá a respectiva quitação.

VI. A meia siza que se deve pagar na venda dos escravos ladinos se arrendará a quem mais der, fazendo-se as arrematações na forma dos mais Contratos nesta Corte e Provincia , no Conselho da minha Real Fazenda, e nas referidas Capitanias nas Juntas da Administração e Arrecadação della.

VII. Emquanto porém não se arrematam, ou por não ser o tempo próprio e opportuno, ou por parecer conveniente administrar por algum tempo para se regular melhor o preço das arrematações, arrecadar-se-há pelo mesmo Recebedor das sizas dos bens de raiz da mesma forma acima prescripta, havendo porém diverso livro em que se lancem as verbas pelo mesmo Escrivão, especificando-se o dia, mez e anno, os nomes dos vendedores e compradores, o nome e a nação do escravo, e o preço da venda, para delle se extrahir o conhecimento que deve acompanhar as remessas e competentes certidões que se devem dar às partes quando as vendas se fizerem por escriptura publica. Quando porém forem feitas por escriptos particulares, nelles declarará o Escrivão das sizas, que foi paga a daquella venda, e que fica encarga ao Recebedor, assignando esta declaração e conservando-se em mão do comprador o titulo da compra; o apresentará quando lhe for exigido incorrendo nas penas deste Alvará quando o não mostrar com a competente verba.

VIII. Todas as compras e vendas de bens de raiz, de que se não houver pago a respectiva siza, serão nullas e de nenhum effeito e vigor, e as proprias partes contratantes, ou seus herdeiros poderão defazel-as em qualquer tempo, e os Escrivães ou Tabelliães que fizerem as escripturas sem certidão do pagamento da siza, com as clausulas determinadas no cap. 20 do Regimento dos encabeçamento das sizas e do § 14 da Ord. liv.I . Tit.78, incorrerão na pena do perdimento do Officio, na fórma da mesma Lei e Regimento.

IX. Na mesma pena de nullidade incorrerão as vendas dos escravos ladinos que se fizerem sem o pagamento da meia siza, e serão além disto multados os vendedores e compradores em igual parte na perda do valor do escravo, sendo a metade para o denunciante, se o houver, e a outra, ou toda, não o havendo, para a minha Real Fazenda. E além de admittirem os Juizes das Sizas e ou Ouvidores das Comarcas denuncias das vendas que assim se fizerem sem o pagamento da siza, ou com diminuição do verdadeiro preço, perguntarão nas devassas geraes e nas de correição de cada um anno por este artigo. E isto se entenderá nas vendas, que forem feitas da data deste Alvará em diante, admittindo-se as provas legaes dos que se quizerem escusar com esta defesa, e decidindo os Juizes das sizas com assistencia do Procurador da Fazenda respectivo, e podendo as partes interpor o competente recurso nesta Corte e Província do Rio de Janeiro para o Conselho da minha Real Fazenda, e nos mais logares para a Relação do Districto. E nesta mesma pena incorrerão os que fizerem vendas de bens de raiz ou os arrematarem sem o pagamento da siza ou com diminuição do preço, guardando-se e praticando-se em tudo as mesmas disposições acima decretadas.

X. Os Ouvidores nas devassas de correição examinarão os livros das receitas das sizas das Villas em que só há Juizes Ordinarios e proverão no que for necessario corrigir ou emedar, pronunciando o Juiz e o Escrivão sendo culpados: e nas devassas das residencias que tiverem os sindicantes dos Juizos de Fóra e Ouvidores, perguntarão pelo modo com que se houveram na fiscalisação deste ramo das minhas rendas Reaes, dando-se-lhes em culpa as prevarições ou omissões que houverem comettido.

E este se cumprirá, como nelle se contém: pelo que mando à Mesa do Desembargo do Paço, e da Consciencia e Ordens; Presidente do meu Real Erario; Conselho da minha Real Fazenda; Regedor das J   ustiças; e a todas as mais pessoas, a quem pertencer o conhecimento deste Alvará o cumpram e guardem, como nelle se contém. E valerá como carta passada pela Chancellaria, posto que por ella não ha de passar, e que seu effeito haja de durar mais de um anno sem embargo da Ordenação em contrario. Dado no Palacio do Rio de Janeiro em 3 de Junho de 1809.

PRINCIPE com guarda. Conde de Aguiar

Alvará com força de lei, pelo qual Vossa Alteza Real há por bem determinar que se pague a siza de dez por cento das compras e vendas de bens de raiz, e meia siza de cinco por cento nas que se fizerem de escravos ladinos em todo o Estado do Brazil e Dominios Ultramarinos; estabelecendo a fórma da arrecadação deste imposto e determinando as penas em que incorrem os que a não pagarem; na fórma acima exposta.

Para Vossa Alteza Real ver.

João Manoel Martins da Costa o fez.”

 

Carta Régia de 2 de outubro de1811 (Leis do Império do Brasil, cit., disponível em (http://www.irib.org.br/))

“Sobre pagamento da siza de compra e venda dos bens de raiz.”

 

“Eu o Principe Regente faço saber aos que este alvará de declaração viram, que havendo eu determinado, pelos justos e ponderosos motivos expressados no Alvará de 3 de Junho de 1809, que todas as compras, vendas e arrematações de bens de raiz que se fizerem em todo este Estado e Dominios Ultramarinos, se pagasse para minha Real Fazenda siza de 10% do preço da compra, sem que desta distribuição fosse isenta pessoa ou corporação alguma, por mais caracterisada ou privilegiada, em conformidade do que se achava estabelecido nos Alvarás de 24 de Outubro de 1796 e de 8 de Julho de 1800: attendendo a que esta minha real disposição póde obstar as transacções commerciaes, que pela falta de cabedaes são feitas a pagamentos em prazos estabelecidos nas compras dos bens de raiz, e desejando eu sempre conciliar os interesses da causa pública com o commodo dos meus fiéis vassallos e facilitar por todos os modos as suas transacções no trafico ordinario da vida civil, com plena liberdade do direito de propriedade, quanto é compatível com a manutenção e conservação do Estado: hei por bem, declarando o sobredito alvará nesta parte somente, ficando em tudo o mais no seu inteiro vigor, ordenar, que daqui em diante o pagamento da siza das compras e arrematações dos bens de raiz se faça sómente da quantia que se pagar à vista, continuando a fazer-se na occasião dos pagamentos futuros, conforme for ajustado em consideração à quantia delles, que sómente poderão ser feitos por quitações lavradas em juizo, no traslado da escriptura principal da compra em que o Escrivão declare que foi paga a respectiva siza, com pena de nulidade de taes pagamentos e da mesma escriptura principal, na forma do paragrapho 8 do sobredito alvará, incorrendo tambem os Escrivães que o contrario fizerem, nas mais penas impostas pelas minhas leis.

Este se cumprirá como nelle se contém. Pelo que mando à Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens; Presidente do meu Real Erario; Conselho da minha Real Fazenda; Regedor das Justiças; e a todas as pessoas a quem pertencer o conhecimento deste meu alvará de declaração o cumpram e guardem, como nelle se contém: E valerá como carta passada pela Chancellaria, posto que por ella não há de passar, e o que o seu effeito haja de durar mais de um anno, sem embargo da ordenacção em contrário. Dado no Palacio do Rio de Janeiro em 2 de Outubro de 1811.

PRINCIPE com guarda.

Conde de Aguiar.

ALVARÁ DE DECLARAÇÃO, PELO QUAL Vossa Alteza Real há por bem ordenar, que o pagamento da siza das compras e arrematações dos bens de raiz se faça da quantia, que se der à vista, e se continue a fazer das quantias, que se forem dando em pagamento; na fórma acima exposta.

Para Vossa Alteza Real ver. João Alves de Miranda o fez.”

 

 

Referências  Bibliográficas

 

Fontes Primárias

 

1.   Livros de Notas n° 3.  Cartório do Primeiro Ofício de Notas.  Barbacena: 1806 a 1815.

2.   Livros de Notas n° 4.  Cartório do Primeiro Ofício de Notas.  Barbacena: 1815 a 1818.

3.   Livros de Notas n° 5.  Cartório do Primeiro Ofício de Notas.  Barbacena:  1819 a 1827.

4.   Livros de Notas n° 6.  Cartório do Primeiro Ofício de Notas.   Barbacena: 1827 a 1833.

5.   Livros de Notas n° 6.  Cartório do Segundo Ofício de Notas.  Barbacena: 1825 a 1832.

6.     Código Philippino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal, recopiladas por mandado D’El-Rey D. Philippe I.  14ª Ed. segundo a primeira de 1603 e a nona de Coimbra de 1824, por Cândido Mendes de Almeida. Rio de Janeiro: Typographia do Instituto Philomathico, 1870.

7.     Ordenações e Leis do Reino de Portugal, publicadas em 1603, Livro Primeiro, in  Coleção da Legislação Antiga e Moderna do Reino de Portugal, Parte II, da Legislação Moderna.  Tomo I.  Coimbra: Real Imprensa da Universidade, 1789.

8.     Leis do Império do Brasil. In: IRIB - Instituto de Registro Imobiliário do Brasil,  on line. Disponível em: (http://www.irib.org.br/).  Baixado em julho de 2000.

 

Fontes Secundárias

1.   BALBINO FILHO, Nicolau.  Registro de Imóveis: Doutrina – Prática- Jurisprudência.  4 ª ed.  São Paulo:  Atlas, 1978.  411 págs.

2.       CASTRO, Sylvio Brantes de.  Novo Manual dos Tabeliães (Teoria e Prática).  3ª ed. comentada, aumentada e atualizada.  São Paulo: Edições e Publicações Brasil, 1953.  (1ª ed de 1941).   458 págs.

3.     del Picchia, Menotti.  A Mágica Tabelioa, in A Gazeta.  (recorte sem número e data).   1947

4.     GONÇALVES, Luís da Cunha.  Da Compra e Venda no Direito Comercial Português.  2ª Ed.  Coimbra: Coimbra Editora, antiga Livraria França & Arménio, 1924.

5.     LUZ, Waldemar P. da.  Tratado Prático dos Imóveis.  2ª ed.  Porto Alegre: Sagra, 1991.  375 págs.

6.     NALINI, José Renato et all.  Registros Públicos e Segurança Jurídica.  Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998.  120 págs.

7.     PARIZATTO, João Roberto.  Serviços Notariais e de Registro - de acordo com a Lei n° 8.935, de 18/11/94: atribuições dos tabeliães e oficiais: manual prático.  Brasília: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1995.   348 págs.

8.     SAVASSI, Altair José.  Barbacena, 200 anos.  Volumes 1 e 2.  Belo Horizonte: Lemi, 1991.  290 págs. (Vol. 1) e 258 págs. (Vol. 2).

9.     telles, José Homem Corrêa.  Formulário dos Contractos, Testamentos, e de outros Actos do Tabellionado.  Rio de Janeiro: B.L.Garnier, 1881.  603 págs.

10. VALLADÃO, Haroldo. História do Direito, Especialmente do Direito Brasileiro - Parte I.  Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1973.  156 págs.

11. ________. História do Direito, Especialmente do Direito Brasileiro - Parte II - Direito Brasileiro Imperial e Republicano.  Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1973.  156 págs.

12.   veiga,  Francisco Antônio.  O Direito ao Alcance de Todos ou O Advogado de Si Mesmo - Diccionario de Direito Usual.  2ª Ed. acrescentada.  Porto: Ernesto Chardron,  1884.