Niilismo Ativo e Direito na Pós-Modernidade

 

 

Lucas Villa*

 

Resumo

 

Este trabalho situa-se no âmbito da Filosofia Geral, Filosofia Jurídica, Teoria do Direito e Hermenêutica jurídica, tendo como objetivo analisar a relação entre o niilismo e o pensamento pós-moderno, bem como as implicações na esfera ética, política e jurídica de um modelo de niilismo ativo.

 


1. INTRODUÇÃO

 

Estes estudos resultam de reflexões e pesquisas bibliográficas concernentes principalmente aos ramos da Filosofia, Teoria do Direito, Filosofia do Direito e Hermenêutica Jurídica, buscando compreender o fenômeno do niilismo na cultura pós-moderna, bem como analisar suas implicações ao pensamento jurídico.

Escolhemos trabalhar dialogando, principalmente, com três autores com quem possuímos uma certa afinidade de pensamento, quais sejam Friedrich Nietzsche, Martin Heidegger e Gianni Vattimo. Utilizando este plano de fundo, pretendemos não só traçar um diagnóstico do niilismo na pós-modernidade, mas também trabalhá-lo não como algo negativo, mas como uma esperança de liberdade e emancipação da violência metafísica, utilizando-o como instrumento para propor paradigmas e posicionamentos não só jurídicos, mas também éticos e políticos.

O tema parece extremamente relevante, como ficará claro no decorrer do trabalho, dada a consumação crescente do niilismo na contemporaneidade ocidental, o que nos obriga a relacionar-nos com ele, buscando tirar-lhe algo que nos seja positivo. Parece necessário tomar a sério o fenômeno niilista, e não mais negligenciar sua existência, sob pena de corrermos o risco de sermos engolidos por ele.

Partiremos de uma análise panorâmica do pensamento dito pós-moderno para reconhecermos nele seu viés niilista. Estudaremos, então, o próprio niilismo, tentando compreender como este tem se manifestado em vários períodos históricos e o que tem caracterizado a espécie de niilismo consumado da pós-modernidade, bem como as possibilidades que esta forma de niilismo encerra. Posteriormente aplicaremos as conclusões tiradas a respeito do niilismo ao pensamento jurídico, buscando uma espécie de Filosofia do Direito de cunho hermenêutico e niilista, mas com postura ativa dentro da realidade social.

Vale lembrar que todo este trabalho, bem como as propostas que ele inclui, refere-se às sociedades ocidentais democráticas capitalistas de cultura cristã, não possuindo, como não poderia ser diferente, qualquer pretensão de universalidade.

 

 

2. Panorama dos destroços: A crise da Modernidade e o Niilismo da Pós-Modernidade

 

O mais incômodo dos hóspedes instalou-se em nossas casas. Invadiu-as sorrateiramente, sem bater às portas ou pedir licença, e permanece bem diante de nossos olhos, com feições misteriosas, imprevisíveis e, por isso mesmo, assustadoras. O medo nos faz ignorar sua presença, negar sua realidade, mentir a nós mesmos, convencer-nos de sua inexistência para evitar ter de mirar-lhe os olhos repletos de vazio e possibilidades. Este espectro, a quem, um dia, já batizamos Niilismo, hoje reclama outra alcunha: Pós-Modernidade.

Adentramos uma era em que a verdade já não nos parece alcançável e os caminhos que acreditávamos levar a ela mostram-se cada vez menos confiáveis. Religião, arte, filosofia, ciência, em suma, o conhecimento, tem seu papel alterado, deixando de fornecer uma explicação da realidade e tornando-se uma interpretação desta. É o fim das verdades absolutas, o fim das certezas, como prenuncia Ilya Prigogine.

É certo que o próprio termo “pós-modernidade” carrega consigo uma contradição interna. Etimologicamente é impossível afirmar a existência do pós-moderno, uma vez que o moderno (do latim hodiernus) é justamente o atual, o hoje. Afirmar que existe um “pós-hoje” é dizer que vivemos no amanhã e, portanto, que o amanhã não é mais o amanhã, é o hoje. Nestes termos, em uma análise literal, o pós-moderno é, necessariamente, também moderno, enquanto atual.

Inobstante a inadequação do termo, que na verdade denuncia a falta de criatividade não só de quem batizou a pós-modernidade, como também e principalmente de quem deu à modernidade este nome, é inegável que vivenciamos um momento histórico sui generis, um período que anuncia o rompimento dos principais paradigmas da era moderna, deixando em cheque seus grandes mitos: Deus[1], a razão e a ciência. Em suma, a metafísica foi destronada, a verdade tirada de alcance e o real esvaziado de qualquer sentido pré-estabelecido.

 O termo “moderno” tem sido usado historicamente para definir aquele modelo de sociedade que assumiu papel primordial a partir dos séculos XV/XVI, ou seja, após o fim da Idade Média, e que se caracteriza por uma laicização da cultura e uma tentativa de reordenar a realidade econômica e política humana sob a orientação filosófica do racionalismo, tendo em vista sempre a busca do “progresso”. A era moderna tem, portanto, início com o Renascimento, desenvolvendo-se na chamada Idade Moderna propriamente dita e atingindo seu auge durante o Iluminismo, no séc. XVIII. A sociedade moderna, entretanto, não é qualquer sociedade que se manifesta neste espaço de tempo, uma vez que dentro do mesmo rasgo histórico encontram-se sociedades em que predominam ainda características pré-modernas, mesmo que muitas vezes convivendo simultaneamente com aspectos considerados modernos. A sociedade moderna, portanto, é aquela marcada pela crença na razão libertadora, pela mudança de eixo do teocentrismo ao antropocentrismo, a sociedade que crê na verdade, na unidade, no homem como criador de fins e na linearidade histórica rumo ao progresso.

O primeiro grande crítico deste modelo de sociedade moderna foi, talvez, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, que vai mudar a forma de entender o conhecimento, entregando à filosofia a função de atribuir sentidos à realidade, ou seja, criar valores, questionando as verdades ontológicas e voltando seu martelo contra a metafísica. A respeito da verdade, afirma Nietzsche:

 

“O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas”.[2]

 

Através do método da genealogia, Nietzsche vai investigar as lacunas presentes nos discursos tidos como racionais, demonstrando como determinados conceitos meramente humanos acabaram por se ectoplasmar em verdades absolutas. Buscando, portanto, os fundamentos extra-racionais da razão, chega à conclusão de que muitos dos valores pregados como libertários pelo pensamento moderno, como uma pretensa moral racional absoluta, na verdade têm raízes nas religiões e pagam tributo justamente aos mitos que a modernidade se propunha a abandonar.

É neste contexto que Nietzsche proclama a morte de Deus, e com ela o fim das verdades absolutas, da metafísica e da crença na linearidade histórica rumo ao progresso. É o fim da moral universal, os valores já não existem em si, mas são criações humanas, demasiado humanas. O bem e o mal já não existem e assim o homem se depara com a necessidade de posicionar-se para além deles. Está lançada, sem dúvida, a crise da modernidade.

“Se Deus não existe, então tudo é permitido!”, é a famosa exclamação de Ivan Karamazov, personagem de Dostoievski. Nenhuma outra proposição poderia colocar, de maneira tão clara, a realidade complexa que representa o fim da metafísica, com sua dupla dimensão dádiva/fardo. Após o desmoronar da metafísica e da razão, o homem encontra-se em uma crise moral, onde não existem valores a priori e, portanto, a vida se torna destituída de um sentindo pré-determinado. Surge para a humanidade a necessidade de confrontar-se com o nada e assim o Niilismo torna-se objeto de uma reflexão cada vez mais necessária.

Outras figuras importantes no pensamento ocidental irão contribuir para esta crise da razão moderna. Entre elas Sigmund Freud, com a psicanálise, ao afirmar categoricamente que o fator determinante da psique humana não é a racionalidade, mas o inconsciente, caótico, irracional e fora de domínio. Michel Foucault inverterá a relação entre saber e poder colocada durante o Iluminismo. Não mais se acreditará, como na época das luzes, que o conhecimento leva necessariamente ao progresso e ao poder, mas, por vias inversas, é aquele que detém o poder que vai construir o conhecimento e ditar, arbitrariamente, o que é a verdade, a fim de legitimar seu próprio poder. Nos termos de Marx, em Foucault a verdade também deixa de ser uma verdade universal para ser a verdade de uma classe ou de um grupo de poder. O poder produz o saber, não mais o inverso. A fenomenologia de Edmund Husserl e Martin Heidegger, fazendo vezes de ontologia crítica, mostrará que a verdade já não se encontra no objeto em si, como pretendiam os ontológicos clássicos, nem no sujeito que o apreende, como pretendem os subjetivistas românticos, mas no próprio fenômeno de compreensão. A verdade passa a ser a própria relação sujeito-objeto, ou seja, a interação entre o objeto e a imagem que o sujeito constrói a partir do material que este objeto lhe fornece (envia) e que ele apreende através dos sentidos. Uma relativização, portanto, do conhecimento, mesmo do conhecimento sensorial.

Ademais, Heidegger, bem como os existencialistas que seguiram suas pegadas (e aí é fundamental situar Jean-Paul Sartre, Merlaeu Ponty, Albert Camus...), vai se deparar com o problema do sentido da existência, frente ao fim da metafísica. Negada a existência de Deus e de qualquer além-mundo de natureza transcendental, a morte torna-se um escândalo absurdo que parece, à primeira vista, tirar toda a coerência do ser.

A influência de pensadores como Nietzsche e Heidegger vai marcar a crítica à modernidade, tornando-a presente em uma série de outros pensadores contemporâneos, como os estudiosos da Hermenêutica (mormente Dilthey e Gadamer), aqueles da chamada Escola de Frankfurt (com suas Teorias Críticas), os representantes do desconstrucionismo pós-estruturalista, encabeçados por Jaques Derrida, e o chamado pensiero debole (pensamento fraco) italiano, liderado por Gianni Vattimo. A Filosofia da Linguagem também vai se ocupar destas inquietações, chegando a dar origem à chamada Nova Retórica de Chaïm Perelman, que já assume a impossibilidade do discurso puramente racional, passando a defender a idéia do discurso razoável.

As artes foram igualmente abaladas pela chamada crise da representação. Quando se torna ao homem impossível emitir juízos de valor, a questão estética torna-se ainda mais subjetiva e reina, também entre os artistas, a lei do “tudo é permitido”.

E não foram só a Filosofia e as Artes que sofreram o impacto disto que, por falta de termo mais adequado, chamaremos pós-modernidade. Também as ciências vivem um momento sem precedentes neste contexto. A objetividade parece ter sido posta por terra, de maneira que vivemos atualmente um processo de relativização até mesmo das Ciências Naturais. Karl Popper vai defender a falseabilidade como atributo intrínseco do conhecimento científico. Qualquer teoria científica tida em determinado momento histórico como verdadeira está sujeita a tornar-se falsa. Thomas Kuhn falará da revolução dos paradigmas dentro das ciências, Paul Feyerabend fará seu discurso contra o método, sugerindo que o rigor dos métodos científicos, em muitos casos, impede o progresso da ciência, e pensadores como Edgar Morin e Ilya Prigogine defenderão uma teoria dos sistemas que enfrente a hipercomplexidade do real, que não apele para uma razão simplificadora e que perceba como todas as teorias, tanto nas ciências naturais como nas sociais, carregam em si princípios de auto-destruição (entropia), auto-complementação (autopoiesis) e auto-criação (ecologia). Surge a chamada Epistemologia da Complexidade.

Planta-se, portanto, uma crise, também, do positivismo e do modelo de Ciência inspirado nas ciências naturais e sustentado pela objetividade, experimentação, método rigoroso, comprovação e certeza. Um dos grandes marcos para a crise do modelo tradicional das ciências naturais foi a Teoria da Incerteza, do Físico alemão Werner Karl Heisenberg. Tentando compreender e prever o comportamento dos elétrons no interior de um átomo, Heisenberg descobriu que era impossível determinar com exatidão a posição de um elétron, já que ele, de forma imprevisível, ora se comportam como partícula, ora como onda. A partir disto, inferiu que é impossível medir simultaneamente e com precisão absoluta, a posição e a velocidade de uma partícula qualquer, ou seja, a determinação conjunta do momento e posição de uma partícula, necessariamente, contém erros (nunca menores que a constante de Planck). Em nível macroscópico esses erros podem ser despresíveis, mas para o estudo de partículas atômicas são de suma importância. Junto com as descobertas de Planck, este foi um dos marcos iniciais do surgimento da Mecânica Quântica, que, até então incompatível com os modelos da física Newtoniana e com a Teoria da Relatividade Geral de Einstein, fez com que a física deixasse de ser uma ciência das verdades para tornar-se uma ciência das possibilidades.

Trabalhar com eventos aparentemente aleatórios, enfrentando a complexidade e a fragmentariedade do real, deixando de encontrar certezas e passando a cada vez mais catalogar possibilidades parece ser o grande desafio deste novo modelo de ciência que surge com a pós-modernidade e que atinge mesmo a mais pura das ciências naturais: a matemática.

As chamadas Teorias do Caos, que se desenvolveram na área da matemática a partir de pesquisas realizadas pelo meteorologista Edward Lorenz (e aqui se faz presente outra característica típica da pós-modernidade, que é a multidisciplinaridade), tentam trabalhar com sistemas complexos, dinâmicos e aparentemente aleatórios, buscando encontrar padrões de linearidade nestes fenômenos e prever as possíveis conseqüências deles. É célebre a assertiva de Lorenz sobre o chamado “efeito borboleta”, que afirma que o bater de asas de uma borboleta em um lado do globo pode desencadear uma reação que acabe gerando um furacão do outro lado do globo. Ainda na área da matemática, é também sintomático o caso da Teoria dos Jogos, que igualmente trabalha com a idéia de prever fenômenos aparentemente aleatórios e chegando a ter aplicações práticas, sendo a mais famosa delas a Teoria dos Jogos aplicada à Economia, que teve seu grande expoente em John Nash.

Também o estudo dos fractais, que seriam figuras não geométricas aparentemente caóticas (ou figuras geométricas não-euclidianas), buscando encontrar neles padrões de repetição, é outro marco desta nova matemática que se abre ao contexto da incerteza. Questão mais curiosa é, entretanto, a do “Paradoxo de Banach-Tarski”. Estes estudiosos comprovaram matematicamente a possibilidade de se dividir uma esfera sólida tridimensional em um número finito de pedaços (mais precisamente em cinco partes) e, com esses pedaços, construir duas novas esferas de dimensões idênticas à original. Foi a mais clara prova de que mesmo a mais pura das ciências, a matemática, não traz uma descrição real dos fenômenos, já que o feito que os matemáticos demonstraram através de cálculos atinge um resultado completamente contra-intuitivo, sendo algo impossível de ser concretizado na realidade (é como imaginar a possibilidade milagrosa de um indivíduo transformar uma única laranja em duas laranjas idênticas)[3].

Não seria a Ciência Jurídica que permaneceria ilesa a este cataclismo cultural. Também as Teorias do Direito tradicionais mostram-se, agora, abaladas diante da crise do pensamento moderno. A morte de Deus e da metafísica implicam, também, na morte do Direito Natural (o que não impede que existam ainda tentativas verdadeiramente heróicas de reanimá-lo). Com a crise da moral e a relativização de todos os valores, tornou-se impossível falar em direitos naturais universais, imutáveis no espaço e no tempo[4]. Isto significa, também, colocar por terra a universalidade dos Direitos Humanos, fazendo com que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, um dos maiores obeliscos culturais erguidos em honra à modernidade, já não seja vista como tão universal.

O modelo juspositivista, fundamentado basicamente na legitimidade de uma autoridade competente para ditar o que é o direito, cai por terra a partir do momento que já não existem critérios para atestar a legitimidade de qualquer poder. A alternativa moderna do contrato social, para o pensamento pós-moderno, já se mostra muito mais racionalizadora que propriamente racional – desmorona, portanto, outro dos grandes monumentos construídos pela modernidade: a idéia de Estado Nacional. Ademais, tanto o juspositivismo como sua variante do realismo jurídico (e aí se incluem ambas as vertentes, americana e escandinava) pecam diante da complexidade do real, tentando reduzir a hipercomplexidade do fenômeno jurídico a um único de seus elementos (a norma, no caso do juspositivismo, e o fato, no caso do realismo jurídico). Resta, então, mais um problema: como pensar o Direito neste contexto esquizofrênico em que nada é válido e, conseqüentemente, tudo é válido?

A própria vida em sociedade tem mudado em velocidade vertiginosa. Os avanços da tecnologia, a mídia e a superinformação, a cultura de massa, a globalização, a Internet, tornam a realidade cada vez mais complexa, fragmentada e multidisciplinar. É neste cenário de incerteza, de retorno ao relativismo sofista, no qual, como propunha Protágoras, “o homem é a medida de todas as coisas”, que cresce o fantasma da pós-modernidade. Uma vez destituído de seu solo firme, o homem já não tem valores ou certezas às quais se ater e não só sua vida, mas toda a realidade que o cerca se demonstra destituída de qualquer sentido ou valor. A humanidade se depara com o nada e precisa descobrir o que fazer em relação a ele. Não há dúvidas de que a pós-modernidade é Niilista, mas a pergunta é: pode este Niilismo tornar-se um ponto de partida para a construção de novos valores, ainda que estes já não tenham a pretensão de ser absolutos? É possível construir algo a partir do nada, ao contrário do que afirmava Parmênides de Eléia? E se a resposta é positiva, o que devemos construir, já que estamos desprovidos de valores que nos permitam fazer opções? Se o nada pode dar origem a alguma coisa, pode dar origem a qualquer coisa, e justamente aí se parece encontrar o grande perigo do Niilismo da pós-modernidade.

Este cão feroz invadiu nossa morada. O mais inquietante dos hóspedes, como o definia Nietzsche. Ele existe, e não podemos negá-lo por medo de encará-lo. Diante do filhote de fera que é o Niilismo pós-moderno, restam-nos duas opções: a) enganarmo-nos uns aos outros, para nos tranqüilizarmos com uma racionalização simplificadora que negue sua existência, até que ele cresça, invada nossos cômodos e destrua a nós e a quem amamos; b) ou abraçar este animal arisco em toda a sua complexidade, enquanto ainda é uma criança, assumir sua existência e dedicar-se a ele na tentativa de domesticá-lo, para que possamos conviver com ele, afeiçoar-nos a ele e, inclusive, tirar dele algum proveito, fazendo-o guardião de nossa morada. Domesticar o Niilismo pós-moderno, antes que ele nos abocanhe: este parece ser o grande desafio lançado para as inteligências da contemporaneidade.

Basta de negar a pós-modernidade. É preciso coragem para encará-la em toda sua complexidade e fragmentação, coragem para mergulhar no coração do nada e retornar de lá trazendo em mãos alguma coisa que brilhe.

 

 

3. NIILISMO: O QUE É, O QUE NÃO É E O QUE PODE SER

 

3.1.                       Um conceito de Niilismo?

 

Conceituar é, necessariamente, simplificar e, conseqüentemente, reduzir e falsear o real. Conceitos são sempre arbitrários, são sempre contingências, uma vez que as coisas, por si mesmas, não possuem conceitos nem limites previamente determinados. Saussure, no âmbito da lingüística, e Derrida, com seu método desconstrutivo, já nos diziam que os signos não têm relação direta alguma com os significados nem com os significantes (e que estes não possuem relação entre si ou com os referentes). Neste sentido nos parece impossível afirmar, categoricamente, o que é e o que não é o niilismo. Mais frutífero, talvez, seja tentar demonstrar o que pode ser o niilismo, mostrando como este tem sido encarado durante a história do pensamento e, com base nesse catálogo de possibilidades, escolher uma destas acepções para sugerir o que, em nossa visão, deveria ser (ou se tornar) este niilismo.

Quanto mais fechado é um conceito, mais arbitrário ele se torna e, também, mais reducionista e simplificador. Se muito amplo, entretanto, o conceito se esvazia de conteúdo, podendo ser manipulado de várias maneiras diferentes e, assim, se tornando menos prático e significativo. O termo niilismo parece um exemplo sintomático de conceito distendido que, tendo se ampliado historicamente a ponto de abarcar praticamente todo o real (e também o irreal), passou a, efetivamente, não significar mais coisa alguma.

De início, entre as tantas acepções da palavra, pode ser esclarecedor partir de seu significado literal. Niilismo deriva do latim nihil, que significa nada. Observando o significado dicionaresco do termo já percebemos quantas acepções este pode possuir, senão vejamos:

 

“Niilismo, s. m. (filos.) aniquilamento, redução a nada. / Ausência de toda a crença. / Nome dado por alguns críticos ao idealismo absoluto. / Doutrina política segundo a qual as condições apresentadas pela organização social são tão más que justificam a sua destruição, independentemente de qualquer programa construtivo. / Nome que por vezes se dá ao terrorismo ou à propaganda revolucionária. / F. lat. Nihil (nada)”.[5]

 

É comum, também, a definição de niilismo como “todo questionamento do valor-verdade”[6]. Neste sentido, que parece o mais empregado e aceito, o niilismo seria o posicionamento epistemológico que nega a possibilidade de se atingir verdades absolutas. Desta forma, volta-se contra alguns pilares do pensamento ocidental, como o racionalismo, a metafísica, a religião e até mesmo a ciência.

Costuma-se afirmar que o termo teria sido cunhado nos anos 1860, pelo escritor russo Turgeniev, em seu romance “Pais e Filhos”[7]. Bazarov, o protagonista da trama, seria a personificação do niilista. Franco Volpi reconhece a Turgeniev o mérito de ter posto em circulação a idéia de niilismo e tê-la transformado em um problema visualizado em larga escala, mas menciona que, ao contrário do que o próprio Turgeniev afirmava, o termo “niilista” já havia sido empregado anteriormente a seu livro por outros autores, inclusive tendo sido título de conto datado de 1853 de autoria do romancista e dramaturgo alemão Karl Ferdinand Gutzkow[8].

A idéia de niilismo, entretanto, mostra-se bem mais antiga que a palavra. É comum atribuir-se o título de primeiro niilista da história do pensamento ocidental a Górgias, famoso sofista nascido em Leontinos, na Sicília, por volta de 485/480 a.C.[9] É célebre a afirmação de Górgias de que a verdade não existe, ainda que existisse, jamais poderia ser alcançada, ainda que fosse alcançada, jamais poderia ser expressa em palavras e que, ainda que pudesse ser expressa, jamais poderia ser compreendida por um interlocutor. Uma postura, portanto, de niilismo epistemológico extremo (que o possibilitou desenvolver todo seu conceito de retórica e de verdades construídas através do discurso persuasivo). Em Górgias, também, pela primeira vez, a noção de niilismo aparece atrelada à idéia de ateísmo. O relativismo agnóstico de Protágoras, que o leva a construir seu método da antilogia (não existiria uma só verdade sobre os objetos, mas duas verdades opostas e igualmente sustentáveis através do discurso) e a afirmar que “o homem é a medida de todas as coisas”, se extrema em Górgias com a própria negação da existência dos deuses e, portanto, com a impossibilidade da existência de qualquer verdade ontológica última. Assim é possível dizer que, em suas origens, o niilismo é uma espécie de relativismo extremado. O conflito entre Sócrates (o defensor das verdades últimas) e os sofistas (descrentes nas verdades universais) parece marcado da mesma essência do conflito entre racionalismo e niilismo e, em última instância, entre os discursos da modernidade e da pós-modernidade.

Na Rússia de Turgueniev, entretanto, no século XIX, o niilismo pareceu, pela primeira vez, tomar a forma de uma teoria e se propagar em diversos meios, inclusive na política. Assim, partindo de pensamentos como os de Pisarev, surge o que poderíamos denominar “anarco-niilismo”, o niilismo político que perpassa o anarquismo russo de Bakunin, Kropotkin, Nechaiev, e que levanta a descrença em todos os modelos políticos organizados.

O grande analista do niilismo na Rússia, no entanto, parece ser Dostoievski. Romances como “Os Irmãos Karamazov”, “Os Demônios” e “Crime e Castigo”, em rasgos de genialidade, dissecam a fisiologia do niilismo e mergulham sem receios no coração do nada. A Dostoievski podemos considerar como um dos maiores popularizadores do niilismo.

O maior destes popularizadores, entretanto, parece ser o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, que devotou grande parte de sua obra a analisar o fenômeno niilista e a distinguir suas várias nuances. Não parece coincidência que a ele se atribua, também, o início das críticas à modernidade que desembocariam no que hoje conhecemos como o discurso pós-moderno.

Nietzsche, que descreveu o niilismo como “o hóspede mais inquietante”, em um de seus fragmentos póstumos assim define o termo:

 

“Niilismo: falta o fim; falta a resposta ao “para quê?”; que significa niilismo? Que os valores supremos se desvalorizaram”.[10]

 

A falta de valores referenciais, a falta do eixo arquimediano e a ausência total de finalidade do devir, é, portanto, para Nietzsche, o cerne do fenômeno do niilismo, que ele, profeticamente, prevê como o fenômeno que marcaria os próximos dois séculos (para ele, os séculos XX e XXI).

É difícil refutar a profecia nietzscheana se encararmos a curva que tem descrito o pensamento ocidental desde o século XX. O niilismo foi, realmente, tema que permeou de maneira decisiva o pensamento de alguns dos maiores intelectuais destes tempos, inclusive profundamente influenciados pela obra de Nietzsche, senão vejamos a obra de filósofos como Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, Michel Foucault e, mais recentemente, Jacques Derrida, Richard Rorty e Gianni Vattimo.

Assim, seria possível destacar um núcleo que parece se manter constante nas utilizações do termo niilismo durante a história e esboçar, talvez, uma possível definição de niilismo como a postura epistemológica que nega a possibilidade de se atingir verdades últimas e absolutas, que nega as certezas, que retira da existência qualquer sentido e finalidade pré-determinados, qualquer essência a ser desvendada.

Este termo, entretanto, tem sido comumente utilizado por intelectuais como forma de polemizar e atacar o pensamento de seus adversários, de maneira que a palavra “niilista” tornou-se, em qualquer meio acadêmico, verdadeiramente um insulto contra aqueles que se fundamentam no vazio e não conseguem propor qualquer solução às problemáticas do real. Os “niilistas” são, assim, acusados de adotar posturas passivas, conformistas, desencantadas e pessimistas ante a realidade, desenvolvendo pensamentos inférteis, incapazes de trazer qualquer contribuição à interação humana com a realidade. A mesma crítica, mais uma vez vale ressaltar, costuma ser feita aos autores considerados “pós-modernos”.

Nem todo niilismo, todavia, é um niilismo passivo, nihil negativum. É possível falar de um niilismo positivo, afirmativo ou, como prefere Nietzsche, um niilismo ativo, transformador da realidade. Para compreender esta postura pode ser esclarecedor um breve passeio sobre as formas de niilismo que Nietzsche nos descreve em sua obra.

 

3.2.                       Nietzsche e as formas de Niilismo

 

3.2.1. Do platonismo ao niilismo: a evolução do niilismo-platonismo

 

De acordo com Nietzsche, o processo de desvalorização dos supremos valores, ou seja, a evolução do niilismo, caracteriza toda a história do pensamento europeu e, por conseguinte, do pensamento ocidental. O início deste niilismo, que nada mais seria que uma lógica da decadência, se encontra, segundo o filósofo, na doutrina dos mundos advinda do pensamento socrático e, principalmente, platônico. Iniciaria-se a decadência quando o homem cria, acima do mundo sensível (e em contraposição a ele), um mundo ideal, transcendente, “verdadeiro” (o Hiperurânio platônico), atingível somente pela razão e de cujas formas os sentidos só nos permitem visualizar cópias imperfeitas. Quando o mundo verdadeiro se torna mundo inatingível, inalcançável, promove-se, necessariamente, uma mutilação ontológica, um enfraquecimento do ser e de seu valor. O idealismo platônico seria, portanto, um sopro venenoso que seduz o homem direcionando-o ao inalcançável e, portanto, ao nada. Assim Nietzsche coloca que “o niilismo é o que do mundo tal qual é julga que não deveria ser, e do mundo tal qual deveria ser julga que não existe”[11].

A este primeiro niilismo, que converte o mundo verdadeiro em fábula, Nietzsche chamou de niilismo-platonismo, a respeito do qual, em seu “Crepúsculo dos Ídolos”, vestido em sua dourada máscara de Aufklärer, nos faz um breve histórico, mostrando seu desenvolvimento em seis etapas.

Na primeira fase deste desenvolvimento, o mundo verdadeiro é “alcançável pelo sábio, pelo piedoso, pelo virtuoso: ele vive ali, ele mesmo é este mundo”[12]. Esta seria a etapa do pensamento de Platão, que nos conta da existência de um Hiperurânio, um mundo supra-sensível, verdadeiro, mas que não é ainda inatingível: está ao alcance dos sábios, que podem conhecê-lo através da razão e da virtude.

A segunda fase seria aquela em que o mundo verdadeiro deixa de estar ao alcance do sábio e virtuoso e se transforma em uma promessa para o além-túmulo - “o mundo verdadeiro, por enquanto inalcançável, mas prometido ao sábio, ao piedoso, ao virtuoso (ao pecador que faz penitência)”[13]. Nesta etapa se encontraria a apropriação feita pelo cristianismo do pensamento platônico. O mundo das idéias toma as formas do paraíso, o Hiperurânio é o jardim do Éden e a existência terrena torna-se apenas aparência, sala de espera para a vida verdadeira do além-mundo. Pensamento que, segundo Nietzsche, se mostra extremamente pernicioso, levando o homem a uma desvalorização da vida, a uma bipartição entre mundo ideal e mundo sensível, mundo verdadeiro e mundo aparente, com uma desvalorização do mundo sensível em detrimento de um mundo das idéias que não existe senão como idéia, uma opção pelo nada em detrimento das coisas, pela morte em detrimento da vida. O platonismo, acessível anteriormente apenas aos sábios, agora se torna platonismo para o povo (cristianismo), doutrina de negação da vida e dos sentidos que torna a purificação acessível a qualquer um que a abrace. Aí se encontra a raiz daquele ódio à vida ao qual Nietzsche declara guerra em toda sua obra.

A terceira fase do niilismo-platonismo é aquela do “mundo verdadeiro inalcançável, indemonstrável, impossível de prometer, mas já enquanto pensado, um consolo, um dever, um imperativo”[14]. É a etapa da filosofia kantiana, em que o mundo verdadeiro desliza para fora da experiência sensível e cognoscível, se torna inacessível dentro dos limites da razão pura, mas torna-se imperativo categórico nos domínios da razão prática. É a hipótese que obriga, o agarrar-se ao phaenoumenon, aceitando a impossibilidade do noumenon.

Quarta fase: “O mundo verdadeiro: inalcançável? Em todo caso, não alcançado. E enquanto não alcançado, também desconhecido. Por conseqüência, tampouco consolador, salvífico, vinculante: a que poderia vincular-nos algo desconhecido?”[15]. Este quarto capítulo da história do niilismo faria referência ao pensamento positivista. Kant haveria promovido um abalo das certezas metafísicas e, por conseqüência disto, abala-se também a crença em um mundo ideal, fazendo crer que, ao contrário do que pretendia o pensamento kantiano, aquilo que não é certo jamais nos pode vincular a coisa alguma. É a decadência do próprio niilismo-platonismo. Já que o mundo verdadeiro se mostra incognoscível, as ciências passam a voltar-se ao mundo sensível, a uma busca de verdades terrenas. Os problemas metafísicos tornam-se indiferentes. Neste ponto as ciências naturais alcançam seu status de ciências completas, tornam-se o modelo de conhecimento válido, confiável, já que passível de comprovação empírica.

Fase cinco: “O ‘mundo verdadeiro’: uma idéia que já não é útil para nada, nem sequer é já vinculante, uma idéia que se torna inútil e supérflua, portanto, uma idéia refutada: abolamos-la!”[16]. Aqui Nietzsche começa a demonstrar já seu próprio pensamento. O termo “mundo verdadeiro”, a partir desta fase, passa a ser utilizado entre aspas. A indiferença à metafísica da quarta fase aqui se torna vontade de destruição. É necessário abolir o “mundo verdadeiro”, idéia inútil que distancia o homem do mundo aparente (sensível), que o faz trocar as coisas pelo nada. O “mundo verdadeiro” só serve para desencadear o ódio à vida. Surge a necessidade iconoclasta de destruir o santuário metafísico. O “mundo verdadeiro” deixa de ser verdadeiro.

Sexta e última fase: “Abolimos ao mundo verdadeiro: que mundo resta? Quiçá o aparente? (...) Mas não! Com o mundo verdadeiro temos abolido também o aparente”[17]. Aqui, uma vez abolido o “mundo verdadeiro”, mostra-se necessária, dentro de um niilismo radical que teria como fim a própria superação do niilismo-platonismo, também a abolição do mundo aparente. Mas como superar o niilismo se, dentro da dicotomia platônica, abolirmos tanto o “mundo verdadeiro” quanto o “mundo aparente”? Se este fosse o objetivo, restaria somente o nada e seria impossível uma superação do niilismo-platonismo como parece sugerir Nietzsche. Quando o filósofo fala em abolir o mundo aparente, entretanto, quer dizer abolir o mundo aparente como tal, tirar dele o caráter de aparência. É o fim da dicotomia platônica dos dois mundos, a necessidade de tirar do mundo sensível o caráter de mera aparência que lhe concedeu o platonismo, resolver o mal entendido platônico e tratar de nova maneira a relação entre sensível e não sensível. Abolido o mundo das idéias e o mundo das aparências, finalizada a bipartição do real, restaria apenas o mundo terreno, com o qual o homem precisaria se reconciliar. Esta é a filosofia final nietzscheana, o pensamento do meio dia de Zaratustra: a transvaloração de todos os valores. Não se trata apenas, entretanto, de ter os valores do antigo “mundo verdadeiro” trocados pelos de um novo mundo verdadeiro (antes relegado à condição subalterna de aparência). Não apenas fazer passar a ser bom, agora, aquilo que exalta a vida, não mais aquilo que nega a vida em detrimento do além-vida, do além-túmulo agora já demolido. Não falamos apenas em pôr acima o que antes abaixo estava e vice e versa, valorizando o sensível e depreciando o não sensível. Falamos, para além dessa interpretação simplificadora do pensamento nietzscheano, em sair integralmente do horizonte do platonismo-niilismo, ou, como nos coloca Franco Volpi, “da dicotomia ontológica que implica e de suas correspondentes categorias”[18] – devem cair, portanto, as três grandes categorias que embasam todo o pensamento metafísico ocidental, as categorias de “fim”, “unidade” e “verdade”. Esta mudança de perspectiva e transvaloração dos valores é a etapa última da superação do niilismo-platonismo, etapa do niilismo radical, completo, consumado, perfeito, que não é superação do niilismo no sentido de abandono deste, mas seu ultrapassamento através do mergulho nele próprio. A idéia de ultrapassamento do niilismo através do próprio niilismo e sem abandonar sua perspectiva assemelha-se à idéia de ultrapassamento da metafísica que nos propõe Heidegger, um ultrapassamento que não é Überwindung, mas sim Verwindung, não um deixar para trás, mas um torcer, um retorcer, um remeter-se, um mergulhar-em. Não se trata, portanto, de assassinar o niilismo, de abandoná-lo, mas de entregar-se a um trabalho de denúncia e desmascaramento, de rememoração e distorção, de consumação e exaurimento do mesmo. Justamente por isso Nietzsche falava em acelerar o fenômeno do niilismo, para que mais cedo pudéssemos alcançar a etapa do niilismo consumado, para que surgissem finalmente os niilistas consumados, aqueles que compreendem que “o niilismo é sua (única) chance”[19]. Este movimento de consumação do niilismo, segundo Nietzsche, marcaria toda a história do pensamento europeu dos próximos dois séculos posteriores a ele e que, sem dúvida, parece caracterizar bem o estado do pensamento pós-moderno.

A superação da dicotomia entre mundo verdadeiro e mundo aparente do platonismo, entretanto, para que se torne possível o niilismo consumado, parece ter de ser, necessariamente, Überwindug, superação com abandono das estruturas. O trabalho do niilista ativo que pretende acelerar a consumação do niilismo é, acima de tudo, o trabalho de exorcista, trabalho daquele que pretende expulsar e afugentar o fantasma de Platão.

Por contraditório que pareça, todas estas fases do niilismo parecem provenientes de uma mesma vontade de verdade, um desejo de dar explicações ao mundo e atribuir sentidos à existência. É essa vontade de verdade que faz o homem criar os mitos, os deuses, o “mundo verdadeiro”, o paraíso, para ter alguma verdade a se agarrar. É esta mesma vontade de verdade, entretanto, que faz também o homem dar-se por insatisfeito com as pseudoverdades que cria e o leva, através da razão, a destruir os mitos, os deuses, os “mundos verdadeiros”, os paraísos por ele mesmo criados, a fazer da razão instrumento da verdade, possibilitando o surgimento do racionalismo da modernidade.

Esta mesma vontade de verdade, todavia, obriga-nos a questionar a razão e perceber que ela também não é suficiente para atingir a verdade objetiva pretendida. É a mesma vontade de verdade que leva o homem a perceber a intangibilidade da verdade e, em última instância, sua inexistência. É esta vontade de verdade, também, que o leva a, percebendo que a verdade não existe, angustiar-se diante da falta de sentido da existência, entregando-se a um niilismo reativo (passivo), vegetativo e nostálgico da metafísica ou a um niilismo ativo e consumado. Assim, desta complexa relação (uma relação de certo modo até dialética) entre vontade de verdade e ausência de verdade surgem as várias formas de niilismo das quais Nietzsche nos fala, principalmente, em seus fragmentos póstumos, e a consumação do niilismo, o niilismo perfeito, seria o ultrapassamento desta vontade de verdade forte.

 

3.2.2. Niilismo incompleto e niilismo consumado

 

Nietzsche entendia por niilismo incompleto aquela forma de niilismo que se impõe como um “estado psicológico” voltado a uma desvalorização e dissolução dos valores tradicionais tidos como supremos, mas que põe, no lugar dos antigos valores, novos valores que possuem a mesma carga metafísica, o mesmo caráter supra-sensível, ideal, a pretensão de fundamento, fundação, Grund, verdade última. Nesta forma de niilismo, a dicotomia platônica entre mundo verdadeiro e mundo aparente ainda não se mostra superada, existe ainda uma fé na verdade, que apenas volta seu foco para novos valores. Nesta perspectiva, podemos afirmar que positivismo, cientificismo, naturalismo, mecanicismo, racionalismo, mostram-se como niilismos incompletos, que trocam de ídolo, mas mantém o culto. Assim também, na esfera política, com o nacionalismo, socialismo, anarquismo, chauvinismo, democratismo, etc...

Somente com o amadurecimento do niilismo, portanto com um niilismo completo, que exorcize definitivamente o fantasma de Platão e seus espectros, é possível desconstruir não somente os velhos valores metafísicos, mas também o lugar que eles ocupavam, ou seja, a ilusão do “mundo verdadeiro”. Este niilismo completo, no entanto, será inicialmente um niilismo passivo, um estado de decadência de poder ocasionado pela nostalgia da perda da verdade e da fundação/fundamento. O niilista passivo é aquele tomado pela angústia heideggeriana, pela náusea sartreana diante da falta de sentido da existência, pelo sentimento de absurdo do qual nos fala Albert Camus, mas incapaz de contornar este abismo. O homem absurdo camusiano, descrito de maneira soberba em “O Mito de Sísifo” e tão bem posto em movimento no personagem de Merseault no romance “O Estrangeiro” (e também no Roquentin sartreano de “A Náusea”), sente-se vazio, incapaz de fazer escolhas, já que não mais possui um fundamento último, já que percebe que qualquer escolha se dissolve em igual falta de sentido. Perde o interesse pela vida, passa a agir mecanicamente e movido por uma espécie de “ética da quantidade”[20], já que não há critérios para julgar a qualidade de suas ações. Seria, como nos coloca Franco Volpi, uma espécie de assimilação do budismo oriental pelo pensamento ocidental, um tropismo à postura apática e ataráxica, um cultivo do nada, do pessimismo, da negação, como podemos encontrar, por exemplo, no pensamento de uma série de românticos, em Schopenhauer e, de forma extremada, em Mainländer. A esta forma de niilismo podemos chamar, também, de niilismo reativo, caracterizado, principalmente, pela nostalgia de Deus, da metafísica, da verdade com seu caráter de fundação. O termo niilismo, em geral, vem sendo utilizado sempre como sinônimo desta forma de niilismo passivo, destrutivo e incapaz de construir, mas que não é, como veremos, a única forma de niilismo possível.

Já o maturar do niilismo completo poderá tirá-lo deste estágio de apatia e torná-lo em niilismo ativo, ou seja, em “incremento da vontade de poder” que se volta para a aceleração do processo de destruição dos antigos valores, sem nostalgia e passividade. Nietzsche denomina niilismo extremo este niilismo ativo que sustenta que “toda fé, todo verdadeiro é necessariamente falso”.

Quando o niilismo abandona seu aspecto meramente negativo e abre novamente uma possibilidade de afirmação, supera sua própria incompletude e torna-se niilismo consumado, niilismo perfeito, aquele niilismo que Nietzsche reivindica para si quando se auto-intitula “o primeiro niilista perfeito da Europa, que, sem dúvida, tem visto já em si o niilismo em seu mais profundo, que o tem atrás de si, debaixo de si, fora de si”[21]. Percebe-se, portanto, que a “superação” do niilismo não é, em si, verdadeiramente superação, mas ultrapassamento sem abandono, é um eterno “remeter-se a”, uma “torção”, “distorção”, “mergulhar-em”, ou, utilizando novamente a terminologia heideggeriana, é Verwindung, e não Überwindung. O niilista consumado é aquele que consegue agir e construir sem deixar de assumir o niilismo, o que consegue atuar de maneira positiva mesmo após ter exorcizado completamente de si o fantasma de Platão. Este niilismo ativo e consumado parece se tornar mais “dizível” (no sentido que Foucault adota para o termo) do que nunca no cenário pós-moderno e é justamente a forma de niilismo que se nos apresenta, conforme Gianni Vattimo, como única chance.

 

3.3. A morte de Deus e o niilismo consumado na era pós-moderna

 

O problema do niilismo consumado parece remontar, necessariamente, ao problema da existência ou não de Deus. Não é à toa que Gianni Vattimo afirma que “para Nietzsche, todo o processo do niilismo pode ser resumido na morte de Deus”[22]. A famosa sentença do deicídio exposta no fragmento 125 da Gaia Ciência parece a melhor expressão do ponto de partida do niilismo pós-moderno. Tomar posição diante do problema divino é tomar posição a respeito da crença na verdade última e no valor dos valores supremos.

Crer ou não em Deus não é um problema indiferente ao qual nos possamos dar ao luxo de não tomar posição. Uma existência autêntica, no sentido heideggeriano do termo, exige uma tomada de decisão, exige esta que, de todas, é a mais arriscada das apostas.

Aposta porque é impossível afirmar com exatidão se Deus existe ou não (e nesse sentido é desaconselhável alimentar um pensamento forte sobre o tema). O ateísmo coerente não é, absolutamente, a certeza da inexistência de Deus. Assim como o crente não pode ter certeza sobre a existência do ser supremo, também o ateu não pode pretender que sua falta de fé seja um saber. Vejamos o que, a este respeito, nos esclarece Comte-Sponville:

 

“Si encontráis a alguien que os diga: ‘Yo sé que Dios no existe’, no se trata de un ateo, sino de un imbécil. Y lo mismo sucede, desde mi punto de vista, si encontráis a alguien que os diga: ‘Yo sé que Dios existe’. Es un imbécil que confunde su fé com un saber”[23].

 

Assim, não sendo uma certeza, crer ou não em Deus mostra-se como uma aposta. Existem as duas opções, duas possibilidades, e cabe a cada um fazer sua escolha por aquela que entende ser mais provável. Não crer em Deus, portanto, também é um problema de fé (crer que Deus não existe), não uma verdade última. Abster-se de apostar, entretanto, é aceitar uma existência mecânica, inautêntica, sem reflexão, na qual não se possui uma perspectiva (ainda que fraca) que lhe permita se posicionar ante o mundo. Isso porque se Deus existe, existe a verdade última, os valores últimos, e é extremamente urgente que o homem se porte de acordo com eles. Se Deus não existe, entretanto, os valores últimos estão desvalorizados, a existência carece de fundamento e finalidade, “tudo é permitido”, como exclamava Ivan Karamazov.

A mudança de eixo promovida pela modernidade, que fez a cultura ocidental migrar do teocentrismo pré-moderno ao antropocentrismo, iniciou este enfraquecimento de Deus e, conseqüentemente, da metafísica e da verdade. A morte de Deus não é, portanto, um fenômeno abrupto e puramente pós-moderno. O próprio projeto moderno foi responsável pelo deicídio, a pós-modernidade se encarrega apenas de encontrar o cadáver de Deus e promover seus ritos funerais (parece que só agora o odor da decomposição se alastra pelas ruas das grandes metrópoles pós-industriais e passa a incomodar o cidadão comum).

Conforme nos esclarece Zygmunt Bauman, a vida dos homens e mulheres pré-modernos continha pouca incerteza[24]. A religiosidade que perpassava toda a cultura trazia consigo um pacote de certezas e verdades que poderiam guiar a vida dos homens. A única janela possível para algum anúncio de incerteza se encontrava na morte, a vida antes da morte era uma vida de certezas.

Com a modernidade, entretanto, deu-se a secularização da cultura, a laicização das instituições, o escorregar do homem ao centro e, conseqüentemente, o esquecimento de Deus. Os valores modernos, entretanto, permaneceram os mesmos valores supremos de origem judaico-cristã e seus fundamentos, em regra, não costumavam ser questionados, se tornam auto-suficientes. Surge, portanto, como bem colocou Sartre, “un certain type de morale laïque qui voudrait supprimer Dieu avec le moins de frais possible[25], deixando a incerteza ainda pouco presente na vida do homem moderno, que acreditava no poder libertador da razão, no curso histórico em direção ao progresso e no próprio valor a priori dos antigos valores. A verdade racional era sua certeza. Deus já estava morto, mas o homem ainda não estava livre.

Com o advento da sociedade pós-industrial, algumas novas características passaram a ser incorporadas pelos homens, desembocando no modelo de homem pós-moderno individualista, hedonista e narcisista. O sujeito se fragmenta ante a hipercomplexidade do real, passa a ser acossado pela hiper-informação, a ação intensa dos mídia, a velocidade dos meios de transporte e comunicação, a agitação das grandes metrópoles, o desejo irrefreado de consumo, o culto exacerbado do trabalho, dos simulacros e da auto-imagem, as pequenas práticas do dia-a-dia, a burocracia, a tecnociência, a loucura da vida pós-moderna e do capitalismo tardio. Somem os grandes ideais, as certezas, crenças, causas sociais. “Os valores foram trocados pelo modismo, os ideais pelo ritmo cotidiano. Saturado de consumo e informação, ele (o sujeito) encosta no conformismo refletindo a famosa apatia pós-moderna”[26]. A alienação de uma sociedade baseada no valor de troca faz com que restem ao indivíduo, em regra, duas possibilidades: adotar a postura da “criança alegre”, que ingenuamente segue sua vida maravilhada pelas luzes e cores, pelo movimento e as rápidas transformações do ambiente e da tecnologia, sem se questionar a respeito do sentido desta realidade, empurrado pelas práticas involuntárias do cotidiano e agindo em uma espécie de niilismo ativo incompleto; ou abraçar a postura do “andróide melancólico”, desgostoso com a falta de sentido de sua realidade, angustiado com a falta de certezas e de verdades, descontente com a sobrecarga de informações que é incapaz de assimilar, nauseado pela velocidade das transformações que é incapaz de acompanhar, desiludido com os ideais e as grandes causas, que já não vê sentido para agir, não vê critério que o possibilite fazer escolhas, e assim mergulha no nihil negativum, no niilismo passivo e incompleto[27].

De qualquer maneira, as ocupações mundanas e as preocupações do cotidiano são tantas e se apresentam tão vertiginosamente, que em qualquer das opções o indivíduo é levado a vivenciar o dia-a-dia sem refletir, mergulhado na prática e sem tempo para se questionar a respeito de problemas teóricos e fundamentadores. Some, assim, do cotidiano do sujeito pós-moderno, problemas como o de Deus, da morte ou da verdade. O homem se torna o Mechanical Animal denunciado por Marilyn Manson (figura que, poderíamos dizer, encarna a própria pós-modernidade – vestida em trapos e com feições extremamente niilistas), não faz mais suas escolhas, é escolhido por elas despercebidamente (“I don’t like the drugs, but the drugs like me”, canta Manson). O tempo livre é tempo de agir, não de pensar. É tempo de experimentar, não de conhecer – assim pensa o hedonista pós-moderno, que tem como maior pavor a possibilidade de desperdiçar uma experiência, perder uma oportunidade, deixar escorrer uma sensação. Não há tempo para preocupar-se com a verdade, “a experiência pós-moderna da verdade (...) é uma experiência estética e retórica”[28], como afirma Vattimo.

Sem tempo para a verdade, sem tempo para Deus (verdade última). Assim as grandes religiões do ocidente perdem espaço para as pequenas seitas religiosas que, mais que doutrinas metafísicas, são religiões personalizadas que oferecem ajuda ao homem, este homem que já não quer pensar ou escolher, que já não tem sequer critérios de escolha e, portanto, precisa do místico que escolha por si. Este homem que se sente incapaz e que não precisa de uma religião tradicional para dizer-lhe de suas limitações, mas de uma religião pós-moderna que lhe fale de tudo aquilo que ele é capaz de realizar. O crescimento das seitas religiosas na pós-modernidade tem a mesma raiz do crescimento da literatura de auto-ajuda: a insuficiência do homem em presidir sua vida e a necessidade de alguém que lhe diga que ele é capaz de fazê-lo (ainda que não o seja).

É assim que o homem contemporâneo, ainda que acredite que crê em Deus, age no dia-a-dia como se Ele não existisse. A religiosidade se transforma em símbolo tranqüilizador, mas já não é vivida no cotidiano, como nos denuncia Luigi Bogliolo:

 

“Siamo tutti um po´atei ogni volta che nella nostra vita pratica operiamo come se Dio non ci fosse, contro la sua legge e la sua volontà. Ogni volta che il nostro riconoscimento teoretico di Dio, della fede e della ragione, rimane inoperante agli effetti della nostra vita quotidiana”[29].

 

Mesmo os cristãos contemporâneos, portanto, cometem aquela que, de acordo com o Cardeal Carlo Maria Martini, seria a maior de todas as heresias: brincar de ser cristão (sem vivenciar a religião na prática cotidiana e sem refletir sobre ela e os mistérios divinos)[30]. O próprio crente contemporâneo já carece de Deus e, portanto, já é niilista, um niilista incompleto, que não tem consciência que o é.

Esse enfraquecimento inicial da crença abre espaço, na sociedade pós-moderna, para que o deicídio se torne cada vez mais “dizível” e plausível, possibilitando um ultrapassamento do pensar metafísico e a própria consumação do niilismo através da tomada de consciência do niilista incompleto. Assim, morte de Deus aponta, necessariamente, para a morte da verdade e a desvalorização dos supremos valores. “Se Deus não existe, então tudo é permitido”, reproduzindo novamente o dito do personagem dostoievskiano. Assumir a morte de Deus é assumir a consumação do niilismo. Decorre da morte de Deus uma liberdade extrema que se torna tanto dádiva como fardo. “Estamos condenados a ser livres”, como nos coloca Sartre, livres para escolher qualquer caminho e sabendo que todos os caminhos são igualmente desprovidos de sentido. Se não há Deus, não há pecado, não há céu e inferno, não há bem e mal, certo e errado. Se não há Deus, não há vida após a morte, e assim a própria morte se torna o supremo escândalo, o maior dos absurdos, “a nadificação de todos os nossos projetos”, em termos sartreanos. Sem fundamentos norteadores, viver se torna sobreviver, como ensina Derrida.

Ante essa situação de absurdo e falta de sentido surge a necessidade de uma postura ativa do niilismo, uma reconstrução do terreno do pensar a partir da herança e do enfraquecimento das violentas verdades fortes da metafísica. Esta é a tarefa do niilista perfeito, do niilista consumado, que agora já pode emergir do atual contexto histórico, aparentemente caótico, da pós-modernidade.

 

3.4. Heidegger e o “pensamento fraco” de Gianni Vattimo

 

3.4.1. Conseqüências do Deicídio: o enfraquecimento do ser e o ultrapassamento da metafísica

 

A morte de Deus anuncia, também, a morte dos valores, da fundação, do ser, da ousia, da metafísica. “Não possuímos mais a verdade”, escreve Nietzsche em um de seus fragmentos póstumos. Surge, portanto, a necessidade de busca de novas formas de se posicionar, de modelos para a superação da atual crise da filosofia, anunciam-se as “novas lutas” de que nos falava Nietzsche no fragmento 108 da “Gaia Ciência”[31]. Advém, conforme Rossano Pecoraro, uma nova missão à Filosofia:

 

“Convocada a elaborar ao menos tentativas de resposta ou de reação, a filosofia interrogou-se a respeito da alternativa: deve-se renunciar necessariamente à verdade (em todos os seus sentidos e acepções) ou é possível apelar para novas razões, menos pretensiosas e mais estratificadas, com as quais enfrentar e contornar a crise, sem que a teoria perca o seu poder?”[32]

 

Neste panorama surge, na Itália, um paradigma sintomático, o chamado “pensamento fraco”[33] (pensiero debole), encabeçado pelo filósofo Gianni Vattimo, direcionado a uma postura assumidamente niilista de radical renúncia a qualquer tipo de tentativa de preservar ou reconstituir a racionalidade metafísica (ao contrário de tentativas anteriores que mergulhavam em uma verdadeira nostalgia da verdade). A morte da razão no cenário da pós-modernidade passa a ser encarada como um acontecimento positivo, um caminho que se abre rumo ao ultrapassamento da metafísica ou a seu “enfraquecimento”, deixando, assim, de lado a pretensão do fundamento último, forte, universalizante, sistematizador e, conseqüentemente, uma chance de vitória sobre a violência que acompanha a metafísica e a crença nas verdades últimas (tão absolutas que merecem ser impostas).

Este pensamento fraco teria como maiores influências as heranças do pensamento niilista nietzscheano, da ontologia ultrametafísica heideggeriana e da hermenêutica de Gadamer. Seriam cinco as principais características do pensamento fraco, conforme Pecoraro, quais sejam: 1) a necessidade de tomar a sério a descoberta promovida por Nietzsche e Marx da relação de causalidade entre a evidência metafísica (poder coativo do fundamento) e as relações de domínio, opressão e poder em micro e macro-escala, ou seja, o nexo causal existente entre verdade e violência; 2) a rejeição, entretanto, de uma mera necessidade de lançar-se à elaboração de uma filosofia que tenha como funções últimas o desmascaramento e a desmistificação, por si sós; 3) por via inversa, utilizar esta tomada de consciência como chance para o desenvolvimento de um novo modo, mais amigável, menos angustiado e sem nostalgia da metafísica, de ver o mundo das aparências, dando especial atenção aos procedimentos discursivos, retóricos, e às formas simbólicas, entendidos, agora, como locais de “uma possível experiência do ser”; 4) uma experiência do ser como acontecimento, mas não no sentido de glorificar os simulacros dos quais nos falam Deleuze e Baudrillard, o que daria a eles a mesma força de verdade metafísica, mas no sentido de um pensamento capaz de “articular na meia-luz”, consciente de que a experiência total do ser é impossível, de que o ser, ao mesmo tempo que se envia, se subtrai; 5) a identificação entre ser e linguagem, como caminho para entender o ser como rastro, lembrança, não mais como ente, mas como acidente, como nos ensina Heidegger, em suma, um enfraquecimento do ser[34].

Nota-se, portanto, que o niilismo vattimiano tem estreita ligação com o enfraquecimento do ser e, necessariamente, com sua não identificação com o ente. Em uma ontologia niilista (se é que podemos falar nisso) e, conseqüentemente, hermenêutica, como veremos, o ser já não é, acontece. Heidegger, que parece ser a base para o pensamento ontológico de Vattimo, já nos dizia que o ser não é o ente, dotado de uma verdade velada, não é ontos on passivo a ser desvendado pelo sujeito. O ser, nesta perspectiva, só pode ser encarado como envio (Geschik), transmissão (Über-lieferung). Não há mais um ser verdadeiro, uma condição objetiva de alcançar o ente. O ser é ativo, se envia, se transmite, não é ente, dotado de essência e finalidade pré-determinadas, mas acidente, evento (Ereignis), ocorre por acaso, sem fins precípuos, e necessita, portanto, da interpretação e da linguagem para ganhar sentido.

Ocorre que esse ser, ao mesmo tempo que se envia, se subtrai, não se transmite por inteiro, oculta determinadas características, de forma que o sujeito se torna incapaz de percebê-lo objetivamente, em sua completitude. O que resta à tentativa de apropriação promovida pelo sujeito são as possibilidades que o ser encerra como acidente. Assim, a percepção do ser adquire um caráter de contingência, torna-se Im-posição (Ge-Stell), e ao mesmo tempo rememoração (An-denken) do ser. A compreensão dos objetos como objetos que se dão no tempo se torna rememoração, não mais percepção da presença concreta e permanente do ente, do ontos on.

O ser, dessa maneira, se enfraquece, passa a carecer de uma verdade final, objetiva. A finalidade da percepção e da interpretação do ser não é mais alcançar sua verdade, sua essência, mas trabalhar com as possibilidades que sua existência histórica comporta, abrindo caminho para um viés criativo no trabalho hermenêutico. Esta mudança de perspectiva, entretanto, deve ocorrer sem trauma, sem nostalgia do ontos on, e sem negação ou desistência do ser (sob pena de queda no niilismo passivo). É impossível falar objetivamente sobre o ser, o que não significa, como poderia pretender o Wittgenstein do Tractatus Logico-Philosophicus, que sobre o que não podemos falar devemos calar. É necessário ainda, e mais do que nunca, falar do ser, é necessário acercar-se dele, já que é no próprio discurso sobre sua existência que o ser irá se construir. Ninguém mais possui o domínio do ente, assim o ser torna-se democratizado, todos podem aproximar-se dele e o espaço retórico e comunicativo se abre às mais diversas opiniões a seu respeito. É o retorno da antiga doxa dos sofistas em detrimento da ilusão da aletheia, o afastamento do fundamento forte, o ultrapassamento sem abandono (Verwindung) da metafísica, jogando para escanteio ou enfraquecendo as possibilidades da violência que dela decorre. Abre-se espaço, portanto, para uma cultura da tolerância, do pluralismo, da diferença, da caridade entendida como pietas, conceito que se tornará chave no pensamento de Vattimo.

O ultrapassamento da metafísica, portanto, só poderia se mostrar possível através da consumação do niilismo, mas não o niilismo tornado em metafísica do nada, que pretenda inverter as relações e afirmar que o ser não é, enquanto o não-ser é, mas um niilismo entendido como processo de enfraquecimento, de caducidade, de tendência indefinida de redução ao nada. Não significa, portanto, dizer que o ser é o nada, mas melhor que o ser tende ao nada. Assim, a caridade de que nos fala Vattimo “evoca a mortalidade, a finitude, a caducidade; desvela e corrói as pretensões da força, do poder, do domínio, do fundamento único, da presença; mostra o abismo dos vestígios, a falta, a angústia. Mas também aponta, francamente, para um caminho”[35]. Este ultrapassamento da metafísica promovido pelo niilismo seria a chance que se apresenta para o enfraquecimento das estruturas de tradição metafísica do ser, da verdade, retirando do pensamento qualquer pretensão de superioridade, primazia, potência fundadora. O pensamento ontologicamente fraco não possui, portanto, qualquer razão para exigir para si a posição de soberania que lhe atribuíra a metafísica e, portanto, não traz em si fundamentos que legitimem sua imposição violenta.

 

3.4.2.     Hermenêutica niilista como ontologia da pós-modernidade

 

Conforme percebemos da ontologia heideggeriana, parece haver uma identificação entre ser e linguagem.  Esta perspectiva hermenêutica de Heidegger, entretanto, tem, conforme Gianni Vattimo, base em dois outros aspectos do pensamento do filósofo alemão: (1) a análise do Dasein (Ser-aí, ou seja, o homem) como “totalidade hermenêutica” e, (2) nas obras do último Heidegger, a tentativa de definir um pensamento ultrametafísico como An-denken (rememoração) e relação com a tradição (herança, no sentido derridiano).  Estes são os dois elementos que, segundo Vattimo, dão à hermenêutica de Heidegger um sentido de hermenêutica niilista[36].

O homem, como Ser-aí (Dasein), ser lançado no mundo, não está efetivamente em contato com os objetos que constituem o mundo, já que é impossível uma compreensão destes como entes, como presença. O Dasein está, isto sim, sempre familiarizado com uma totalidade de significados, um contexto histórico que lhe permite usar como referência ante o mundo que se lhe apresenta (e também se lhe oculta/subtrai). A este pano de fundo interpretativo do Ser-aí Heidegger chamava de pré-compreensão (algo semelhante ao que Gadamer, posteriormente, viria a chamar “horizonte histórico”). Neste sentido, o mundo, de acordo com Heidegger, só se dá ao Ser-aí no interior de um projeto, já que a existência humana é entendida pelo filósofo como um permanente projetar-se para o futuro (daí a idéia do homem como um ser-para-a-morte – Zum-Tode-sein). O projeto do ser-no-mundo (in der-Welt-sein) é o contexto em que se inserem as coisas e, somente neste contexto, elas adquirem algum sentido. Nas palavras de Vattimo:

 

“O Ser-aí existe na forma de projeto, no qual as coisas só são na medida em que pertencem a esse projeto, na medida em que têm um sentido nesse contexto. Essa familiaridade preliminar com o mundo, que se identifica com a própria existência do Ser-aí, é o que Heidegger chama de compreensão ou pré-compreensão. Qualquer ato de conhecimento nada mais é que uma articulação, uma interpretação dessa familiaridade preliminar com o mundo”[37].

 

Assim, ficam claros os contornos niilistas desta hermenêutica heideggeriana que, praticamente, como Nietzsche, conclui que “não há fatos, somente interpretações”. O ser não é fundamento, mas orienta-se em direção a um desfundamento, o Ser-aí se projeta em direção ao fim de seus projetos e nesse sentido é, a um só tempo, ser-no-mundo e ser-para-a-morte. Uma ontologia hermenêutica que propõe o não fundamento do ser e se embasa na relação do ser com sua ausência de fundamentos possui, portanto, claramente, nuances niilistas. Vejamos novamente o que nos diz Vattimo:

 

“Em que medida pode-se chamar de niilista essa visão da constituição hermenêutica do Ser-aí? Antes de mais nada, num dos sentidos atribuídos a esse termo por Nietzsche, num apontamento colocado pelos editores no início da edição de 1906 da Der Wille zur Macht niilismo é aquela situação em que, como na revolução copernicana, ‘o homem rola do centro para X’. Para Nietzsche, isso significa que niilismo é a situação em que o homem reconhece explicitamente a ausência de fundamento como constitutiva da sua condição (aquilo que, em outras palavras, Nietzsche chama de morte de Deus). Ora, a não identificabilidade de ser e fundamento é um dos pontos mais explícitos da ontologia heideggeriana: o ser não é fundamento, qualquer relação de fundação se dá já sempre no interior de uma época do ser, mas as épocas como tais são abertas, e não fundadas, pelo ser. Numa passagem de Ser e tempo, aliás, Heidegger fala explicitamente da necessidade de ‘abandonar o ser como fundamento’, se se quiser aproximar de um pensamento não mais metafisicamente orientado apenas para a objetividade”[38].

 

Ademais, para compreender os traços niilistas da hermenêutica heideggeriana, é necessário trazer à tona sua visão do pensamento como An-denken, como rememoração, revisitação. Assim, o ultrapassamento da metafísica (que nada mais é que o esquecimento e abandono do ser) em Heidegger só pode ser visto como um ultrapassamento em que não há abandono, mas recordação. Uma rememoração da história da metafísica, um remeter-se a ela, um torcê-la e distorcê-la. “É repercorrendo a histórica da metafísica como esquecimento do ser que o Ser-aí se decide pela sua morte e, desse modo, se funda como totalidade hermenêutica, cujo fundamento consiste na ausência de fundamento”[39]. Este pensamento como An-denken, este rememorar, é justamente o oposto do esquecimento metafísico, o abandono do ser, e é aquele “salto no abismo da mortalidade” que, de acordo com Heidegger, caracteriza a existência autêntica. O ser nunca pode ser captado ou pensado como presença. Este pensamento que não o abandona, que não o esquece, é justamente o único possível, o que recorda o ser como já desaparecido, ido embora, ausente, o que aceita que o ser só pode ser percebido em seus rastros e restos. Assim, a respeito desse modelo de pensamento fundado na An-denken, é possível dizer o mesmo que dizia Heidegger a respeito do niilismo: nesse pensamento, “do ser como tal, nada mais há”.

Nestes termos, o ser já não é possível, mas é possível ainda recordá-lo, interpretar essa recordação e falar sobre ela. Ainda é possível falar do ser, motivo pelo qual não devemos abandoná-lo ou desistir dele. O fato, entretanto, de que o ser só poderá ser descrito da perspectiva histórica de um projeto do Ser-aí, do ser-no-mundo, impossibilita o alcance, em qualquer discurso, de uma verdade objetiva a respeito deste ser. É assim que a verdade e o sentido do ser vai sendo adquirido no próprio discurso, que o adeqüa ao projeto do ser-no-mundo. Esta é a hermenêutica que Vattimo propõe para a pós modernidade, uma hermenêutica em que “a experiência pós-moderna da verdade (...) é uma experiência estética e retórica”[40].

Estética porque o ser interpretado já não é, e a interpretação já não busca sua verdade, mas uma das possibilidades que encerra seu acontecer, seu dar-se como evento (Ereignis). O ser é interpretado, então, como obra, é encarado como se encara a obra de arte (como “pôr-em-obra da verdade”) e qualquer interpretação possível é interpretação estética. Também nos falam sobre esta raiz estética de qualquer hermenêutica Schleiermacher e Gadamer[41].

Retórica porque, nesta perspectiva heideggeriana, a linguagem se torna “a morada do ser”, o local em que o ser se constrói em sentido. Este é o Heidegger que, graças ao trabalho de Gadamer escavando a relação entre hermenêutica e retórica, se aproxima do Wittgenstein dos “jogos da linguagem”. É Gadamer quem nos dirá que “o ser que pode ser compreendido é linguagem”, ou seja, que o ser tende a dissolver-se nesta linguagem ou, ao menos, resolver-se nela[42]. Neste contexto em que as coisas são o que interpretamos e dizemos dela, ressurge uma argumentação retórica, aquela que já não possui estreita identidade com o discurso racional, aquela em que, conforme coloca Chaïm Perelman, a racionalidade é trocada pela razoabilidade, o discurso constrói um significado razoável dentre as possibilidades de sentido que encerra o ser. A verdade já não existe na coisa-em-si, mas é construída no discurso e na interpretação. Niilismo e retórica voltam a andar juntos, de braços dados como já andavam em suas origens na antiga Grécia, em Górgias. Esta é a ontologia hermenêutica niilista que se anuncia para a pós-modernidade.

 

3.5.           Uma chance que se abre: a Verwindung heideggeriana e a escolha e enfraquecimento da herança

 

A “ontologia hermenêutica” de Heidegger, com sua visão do pensamento como An-denken (rememoração), leva àquele ultrapassamento da metafísica ao qual já fizemos referência. Este ultrapassamento, entretanto, como já visto, não é Überwindung, superação completa, mas Verwindung, um distorcer, retorcer, um remeter-se e também, de certa forma, uma aceitação e aprofundamento. Ultrapassar a metafísica, enfraquecendo-a, é, também, ultrapassar e enfraquecer a verdade e a razão e, portanto, as heranças da modernidade.

Todos os “pós” a que contemporaneamente costumamos fazer referência precisam ser encarados desta perspectiva de uma Verwindung heideggeriana que não abandona e rompe completamente com as estruturas anteriores, mas as enfraquece e retorce. Assim não só com a pós-modernidade em relação à modernidade, mas também com a pós-história, com o pensamento pós-metafísico, com a sociedade pós-industrial, pós-moralista, etc. O Ser-aí (homem) está sempre inserido em um projeto e familiarizado com uma totalidade de significados históricos, com um horizonte histórico, com uma herança cultural da qual ele não pode, por mais esperneante que seja o esforço, apagar e abandonar abruptamente. Se é verdade que nada surge do nada, esta herança enfraquecida e consciente de sua própria fraqueza e ausência de fundamento parece ser o único ponto de partida possível para qualquer proposta construtiva que abrace um pensamento niilista autêntico.

Fugir à herança cultural não parece possível e, sequer, desejável. Nas palavras de Derrida, é preciso reafirmar esta herança,

 

“não só aceitar essa herança, senão reativá-la de outro modo e mantê-la com vida. Não escolhê-la (porque o que caracteriza a herança é, antes de tudo, que ela não é eleita, é ela que nos elege violentamente), senão escolher conservá-la viva (...) Há que se pensar a vida a partir a herança, não o inverso. Portanto, há que partir dessa contradição formal e aparente entre a passividade da recepção e a decisão de dizer “sim”, logo selecionar, filtrar, interpretar, por conseguinte transformar, não deixar intacto, indene, não deixar a salvo nem sequer aquilo que se diz respeitar antes de tudo”[43].

 

O trabalho a ser feito com esta herança, portanto, não é nem de destruição nem de mero recebimento passivo, mas de reiterpretação e releitura, senão vejamos novamente o que dela nos diz Derrida:

 

“Se a herança nos assinala tarefas contraditórias (receber e, sem embargo, escolher, acolher o que vem antes de nós e, sem embargo, reniterpretá-lo, etc.), é porque dá fé de nossa finitude. Unicamente um ser finito herda, e sua finitude o obriga. O obriga a receber o que é maior e mais velho e mais poderoso e mais duradouro do que ele. Mas a mesma finitude obriga a escolher, a preferir, a sacrificar, a excluir, a deixar cair”[44].

 

É preciso, portanto, herdar e, ao mesmo tempo, desconstruir essa herança. Desconstruir não no sentido de destruir, aniquilar, mas de revelar os espaços em branco de seus discursos, captar em cada um deles seu “momento dogmático”, metafísico, e enfraquecê-lo justamente aí, onde ele é arbitrário, impositivo, violento. É a chance de substituir o fundamento pelo diálogo, a racionalidade moderna por uma razoabilidade pós-moderna que não é senão uma releitura e enfraquecimento daquela. É a chance de aceitar a differánce derridiana, de ultrapassar a dialética e atingir um pensamento da diferença, que não trabalhe somente com o preto e o branco, mas também com as infinitas tonalidades de cinza que existem entre ambos. Enfim, é a chance de afirmarmos um pensamento fraco vattimiano, que não é frágil nem débil, mas que não tem motivo ou fundamento algum para impor violentamente, para se pretender absoluto, verdadeiro e, conseqüentemente, autoritário.

Desta maneira, enfraquecendo nossa herança cultural ocidental, tiramos dela a violência típica dos pensamentos fortes, daqueles que se entendem bem fundamentados, e abrimos espaço a uma cultura da tolerância, da diferença (que não deve ser, todavia, indiferença), do diálogo, do amor como caridade (caritas), daquilo que Vattimo chamou pietas. É possível, portanto, e de maneira coerente, pregar um niilismo ativo que defenda a tolerância, a caridade, o amor, em detrimento, por exemplo, daquele niilismo violento de Sade, que pretendia fundamentar a violência e sua “sociedade dos amigos do crime” justamente na ausência de fundamentos.

Uma das saídas para evitar este pensamento niilista reativo, apocalíptico, destruidor e aniquilador da herança, é sugerida por Gianni Vattimo quando fala de uma reconciliação entre filosofia e cristianismo, mas necessariamente com um enfraquecimento deste último. É verdade que, ao contrário do que pretendia Nietzsche, é impossível, dentro do atual contexto histórico, que o ocidente se liberte de toda a sua herança moral judaico-cristã. Se fomos já todos escolhidos por esta herança, já não se torna possível rejeitá-la e abandoná-la completamente. Podemos, entretanto, mutilá-la de seus fundamentos fortes, de seus momentos dogmáticos, enfraquecê-la, subvertê-la, mas sem destruir certos valores que podemos certamente acolher com benefícios. A isto, tratando especificamente a respeito do cristianismo, corresponderia a possibilidade de um cristianismo sem Deus, ou seja, uma retirada do cristianismo de seu fundamento forte, de seu “momento dogmático”, e, conseqüentemente, sua libertação da metafísica.

Retirado Deus do cristianismo e com ele tudo aquilo que necessariamente dele decorria (metafísica, esperança na transcendência, sentimento de culpa, pecado, céu e inferno, negação dos sentidos, guerra contra o prazer, intolerância e preconceito, conformidade lastimosa, ressentimento da vida, ilusão do ser como presença), nada mais restaria que valores como liberdade, igualdade, justiça, amor, paz, caridade, tolerância, responsabilidade, humildade, respeito, dignidade, etc., ou seja, nada mais que uma moral humanista por excelência. Estes valores todos sobreviveriam enfraquecidos a uma desconstrução, a uma Verwindung do cristianismo, despojados de seus fundamentos fortes que, como nos conta a história, por diversas vezes transformou-os em valores desumanos e autoritários, violentos e escravizadores.

Trabalhar com essa reconciliação com a tradição hebraico-cristã, com esse cristianismo sem Deus, ou “cristianismo não religioso”, como o denomina Vattimo, é, também, enfraquecer o pensamento daquele que, provavelmente, deixou o maior legado ao pensamento pós-moderno: Nietzsche. Enquanto o filósofo alemão pretendia uma superação e inversão (transvaloração) dos valores da moral cristã (considerada decadente), parece, graças ao cenário aberto da contemporaneidade, ser possível uma manutenção destes valores humanistas, retirando deles o que de decadente tinham, através de um rememorar e um remeter-se à tradição, através de um pensamento cristão por lembrança (An-denken), por herança. Um cristianismo enfraquecido, centrado não mais na figura do Pai Todo-Poderoso, mas na própria figura do filho, o Deus encarnado, tornado humano, mortal, ser-para-a-morte (Zum-Tode-sein) lançado no mundo (in der-Welt-sein) para realizar um projeto, como todos nós, e, portanto, um Deus já enfraquecido e mutilado de seu aspecto metafísico, um Deus que, em suma, já não é Deus, já não é verdade ontológica[45], é apenas memória, um Deus que, como já professava Nietzsche, morreu na cruz, mas que deixou rastros e restos que podem ser um caminho para a contemporaneidade ocidental.

Na esteira de um enfraquecimento do projeto nietzscheano, poderíamos ainda falar de uma releitura do conceito de Vontade de Poder (Wille zur Macht) onde esse poder não fosse mais lido como substantivo, mas como verbo. Vontade de Poder no sentido de vontade de poder desenvolver suas potencialidades, de poder ser no mundo, de poder acontecer, de ter garantida a realização de seu evento (Ereignis) como ser-no-mundo (in der-Welt-sein). Uma Vontade de Potência em que esta potência fosse lida no sentido aristotélico de conjunto de possibilidades.

O enfraquecimento da Vontade de Poder levaria também, necessariamente, ao enfraquecimento do Super-homem (Übermensch) nietzscheano, que teria de deixar de ser super, de ser mais que homem, para ser um além-do-homem, um ultrapassamento do homem sem abandono do mesmo, um exaurimento da condição de homem que levaria a uma existência autêntica. Este além-do-homem perceberia a fraqueza de todos os pensamentos, a ausência de fundamentos, seria aquele niilista consumado e ativo, que abraça o niilismo, escolhe e enfraquece a herança e, a partir daí, passa a realizar, finalmente, o intento nietzscheano de instituir novos valores (ou novas leituras de antigos valores). A esperança da pós-modernidade é este niilista consumado que, na consumação do niilismo e na ausência de fundamento já não vê um fardo, mas uma dádiva, que na morte do dogma e da metafísica consegue entrever sua absoluta liberdade e assim perceber-se, nos termos sartreanos, como Ser-para-si, ser que já não está mais preso a um fundamento e que não deve obediência a verdade qualquer. Veria, também, nesta liberdade decorrente da consumação do niilismo, necessariamente sua responsabilidade sobre todos os seus atos (já que faz suas escolhas livremente, ninguém mais além dele próprio pode ser responsabilizado por elas), além de ter de assumir, também, a existência do outro como um outro Ser-para-si, também dotado de liberdade. A aceitação da liberdade de sua responsabilidade e da liberdade do outro tornaria este homem, além de Ser-para-si, também Ser-para-o-outro (este outro que, apesar de ser o inferno sartreano, é também o espelho que permite ao Ser-para-si enxergar-se a a si próprio e construir algum sentido sua existência), ser direcionado à tolerância, ao respeito e à alteridade. Esse enfraquecimento do pensamento nietzscheano parece uma boa alternativa para neutralizar nele seu potencial destrutivo, violento e arriscado.

Percebemos, portanto, que mesmo trabalhando com o enfraquecimento de duas heranças e tradições aparentemente opostas (cristianismo e pensamento nietzscheano), não conseguimos, de maneira alguma, nos libertar de chegar sempre a um mesmo resultado: a reafirmação dos valores do humanismo, que nos remetem, necessariamente, ao período das luzes, momento mais sintomático da tradição moderna. Fica patente a impossibilidade de abandonar e de esquecer o humanismo e, conseqüentemente, o racionalismo e a modernidade, mas também a necessidade de relê-los e enfraquecê-los. Parece possível, assim, concluir que a pós-modernidade não é superação da modernidade no sentido de esquecimento e abandono, de oposição dialética, mas de diferença, de Verwindung, de exaurimento, de mergulho dentro da própria modernidade, explorando e recriando suas possibilidades a ponto de dar origem a um novo paradigma. O mesmo podemos dizer do niilismo, que, uma vez consumado, não parece poder ser abandonado e esquecido, senão recriado, reinterpretado, obrigado a dialogar com a herança e tornar-se niilismo ativo, construtivo, sem, no entanto, deixar de ser niilismo consciente.

 

3.6.           De Merseault a Tarrou: propostas éticas e políticas de um niilismo ativo

 

“- Em resumo - disse Tarrou com simplicidade -, o que me interessa é saber como alguém pode tornar-se um santo.

- Mas você não acredita em Deus...

- Justamente. Poder ser um santo sem Deus é o único problema concreto que tenho hoje”[46].

 

A posição do personagem Tarrou no romance “A Peste”, de Albert Camus, parece ser sintomática no sentido de encarnar o aparente paradoxo entre abraçar o niilismo e aceitar uma herança/tradição da moral cristã depois da morte de Deus (ou seja, na pós-modernidade). Em suma, reflete a dificuldade que se apresenta ao niilista consumado quando o assunto é ética. Vattimo deixou claro, como já vimos, a impossibilidade de superação com completo abandono da modernidade e de seu pano de fundo histórico. Isso implica na necessidade de abraçar uma certa herança histórica que nos circunda e da qual não podemos nem parece que devamos nos ver livres. Escolher a herança, como nos sugere Derrida, e enfraquecê-la, despi-la de suas bases fortes metafísicas (e conseqüentemente violentas), como nos ensina Vattimo, parece ser uma saída possível para a construção de uma ética niilista.

Neste sentido, a herança/tradição se mostra como ponto de partida, a matéria prima para a construção do pensamento ético niilista, que, ao contrário do que possa parecer, não precisa recriar o mundo a partir do nada, mas sim a partir de seus fragmentos desconstruídos e enfraquecidos. Não houvesse essa possibilidade, o niilismo condenaria o homem à mais perigosa e violenta das existências, aquela em que não há padrões para escolher, não há motivos para existir ou para respeitar as demais existências, aquela que pode legitimar qualquer coisa, inclusive a violência. Uma sociedade niilista, nestes termos, correria o risco de tornar-se aquela “Sociedade dos Amigos do Crime” tão louvada pelo Marquês de Sade. Este niilista que só poderia aceitar uma espécie de ética da quantidade, já que não possui valores capazes de emitir juízos de qualidade, seria aquele “homem absurdo” de que nos fala Albert Camus em “O Mito de Sísifo”, aquele que só pode atuar no cotidiano como o ator que experimenta várias vidas (já que não há como escolher um modelo de melhor vida), o Don Juan que dedica a existência a experimentar o maior número possível de mulheres (já que não há critérios para escolher a melhor das mulheres, para julgar as companhias por qualidade). Este homem absurdo que, como Merseault, personagem de “O Estrangeiro”, de Camus, não tem outra resposta a dar a qualquer pergunta, senão “tanto faz”. É aquele homem que, na praia, mata um árabe sem saber o porquê, simplesmente porque tanto faz, porque não há motivos para não matar; aquele que, questionado pela amante se gostaria de tomá-la em núpcias, responde: “tanto faz”. Aquele incapaz de fazer juízos de valor, incapaz de fazer escolhas. Aquele que não só aceita a diferença, mas que, acima de tudo, abraça a indiferença.

Gilles Lipovetsky salienta que as sociedades ocidentais democráticas marcam-se, contemporaneamente, por uma cultura do pós-dever, e que “é grande a tentação de assimilar a cultura do pós-dever com o grau zero de valores, isto é, com a apoteose do niilismo moderno”[47]. Se o movimento de consumação do niilismo parece continuar tomando seu curso, como previu Nietzsche, e se a pós-modernidade caminha, talvez, para uma expansão deste niilismo até que o mesmo abocanhe não mais somente as comunidades acadêmicas, mas também a consciência comum, parece necessário achar uma resposta para a pergunta de Tarrou, encontrar uma maneira de cercear a multiplicação de Merseaults e expandir a quantidade de Tarrous no seio da sociedade. Este Tarrou que, apesar de manifestar um niilismo consumado, preocupa-se em alcançar a santidade, preocupa-se em dedicar a vida à caridade, à pietas vattimiana, à luta e revolta contra a morte, à salvação do outro. Este Tarrou que arrisca a vida para salvar da peste seus concidadãos, para militar, ativamente, positivamente, com escolhas éticas e políticas, no seio de sua sociedade, apesar de não possuir, para embasar suas ações, qualquer fundamento forte metafísico. Este que, por força da tradição e da herança, abraça valores humanísticos e procura a santidade mesmo sem um Deus que a possa reconhecer.

Escolher a herança e enfraquecer suas fundações violentas parece ser a resposta à inquietação deste interessante personagem. Aceitar a ausência de verdade última e única não implica na incapacidade de possuir suas verdades. Significa, isso sim, reconhecer a debilidade delas, reconhecer que não possui a verdade absoluta e que, portanto, a verdade do outro é tão verdadeira quanto a sua. Leva, necessariamente, a uma alteridade, a uma ética da tolerância. Tolerância que surge não como valor absoluto, mas, pelo contrário, que emerge justamente graças à ausência absoluta de valores fortes. Esta tolerância em relação ao outro faz parte da herança cultural do ocidente, tanto da herança do cristianismo, como da herança do humanismo/racionalismo iluminista, e que, enfraquecida sua base metafísica, pode ser o primeiro dos valores a serem abraçados por uma possível ética niilista da contemporaneidade.

É certo que, de alguma maneira, na sociedade contemporânea que Gilles Lipovetsky apropriadamente denomina “sociedade pós-moralista”, esta tolerância já adquiriu seu espaço na própria consciência comum, graças a uma espécie de niilismo inconsciente que a permeia. “O processo pós-moralista (...) elevou a tolerância à condição de valor central”[48], afirma Lipovetsky. Este valor central, em verdade, conforme já afirmado, aparenta demonstrar-se mais como uma ausência de valor, ou como valor sem fundamento, ou mesmo como valor que tem como fundamento a própria impossibilidade da fundação. “Enquanto virtude ética, a tolerância é vista mais como uma ampla ruptura em relação aos sistemas de forte densidade conceitual do que como idéia de obrigação a ser cumprida!”[49], perspicazmente percebe Lipovetsky. O mesmo Lipovetsky afirma, entretanto, que o cenário apocalíptico apresentado contemporaneamente no que tange à ética é somente aparente, “é um equívoco equiparar o crepúsculo do dever ao cinismo e ao vazio dos valores”[50]. Não é, portanto, de todo utópico pretender um modelo de ética da tolerância para a pós-modernidade, já que esta tolerância já tem adquirido seu espaço naturalmente na consciência comum. Os crimes de sangue, a escravidão, a crueldade, o estupro, as sevícias físicas e psicológicas, a intolerância religiosa, são atualmente extremamente rejeitados, causando verdadeira indignação coletiva que sugere não uma sociedade pós-moralista que tenha abandonado definitivamente a pretensão de balizar-se eticamente, mas uma superação da moral forte e universal da modernidade em detrimento de uma moralidade fraca, tolerante, não metafísica e não violenta. O naufrágio ainda não está em toda parte, ao contrário do que já pretendia Petrônio na antiga Roma, quando proclamou no “Satíricon” o “ubique naufragium est”.

Essa tolerância que ganha espaço no contexto da pós-modernidade e que tem raiz no processo em marcha de consumação do niilismo, mostra-se como aquela (única) chance de que nos fala Gianni Vattimo. A chance de construir uma ética pós-metafísica dos cidadãos que pretendem fazer valer sua própria moral através do diálogo social, que não se entende detentor da verdade e, portanto, rejeita a possibilidade de impô-la de forma violenta, que trabalha não mais com a idéia de verdade legítima, mas com a construção retórica da verdade e da moral através da abertura de espaços democráticos de diálogo em busca do consenso[51]. Esta superação da ética metafísica faz-nos migrar de uma ética do Outro (com inicial maiúscula) a uma ética dos outros, em que a pietas vattimiana passa a ser, mesmo, mais importante que a própria verdade. Não é à toa que Vattimo, em suas conferências, costuma falar da necessidade de inverter a máxima do “amicus Plato sed magis amica veritas” (amigo de Platão, porém mais amigo da verdade) costumeiramente atribuída a Aristóteles.  Ser mais amigo da verdade que dos amigos supõe poder, em nome da verdade, atropelar os amigos (se aos que são amigos se pode esmagar em nome da verdade, que se dirá daqueles que não o são). É preciso, portanto, ver o outro como amigo e ser mais amigo dos amigos que da verdade, esta verdade já debilitada e desprovida de fundação forte.

Esse enfraquecimento da moral depois da morte de Deus dá lugar à pietas de Vattimo, ao sentimento de caridade, à tolerância que não é, em todo caso, completa permissividade. Não é à toa que a aceitação dos direitos humanos e a rejeição à violência fazem parte ainda do senso de moralidade contemporâneo. A tolerância da sociedade pós-moderna é (e se não é, pode ser) tolerância pacífica, aceitação e respeito da diferença, mas sem indiferença. Esta tolerância, pietas, amor como caritas, nada mais é que herança dos grandes eixos da cultura ocidental como o cristianismo, o iluminismo, o humanismo. O enfraquecimento destas heranças, entretanto, torna menos perigosas suas erosões, impedindo que a entropia que age sobre elas as torne monstros metafisicamente fundados (vide exemplo da Santa Inquisição). O racionalismo enfraquecido daria origem a uma razão não mais universal, mas instrumental, razão que não se baseia na racionalidade objetiva, mas na razoabilidade dos pontos de vista. O enfraquecimento do humanismo o diferenciaria do antropocentrismo e permitiria um olhar mais atento às questões da bioética, um ultrapassamento da noção de que o universo foi criado para o homem, como cenário em que só ele é protagonista e os demais seres são meros coadjuvantes. Assim seria mais fácil o reconhecimento dos direitos dos animais e de todas as criaturas viventes e uma maior preocupação com o planeta terra, que já não é somente aparência, mas nosso mundo real, que já não é somente sala de espera onde se aguarda pela vida verdadeira do Hiperurânio platônico, mas é sede da única vida que possuímos. O cristianismo enfraquecido, mutilado da figura do Deus pai, deixa cair também tudo que dele deriva. Assim escorrem ao ralo o pecado, o inferno, o sentimento de culpa, a esperança na transcendência e na providência divinas, a conformidade lastimosa, a moral da auto-flagelação, a negação dos sentidos, o ressentimento da vida. Resta deste cristianismo sem Deus valores como liberdade, igualdade, tolerância, amor, caridade, piedade, humildade, respeito. Não significa necessariamente, como coloca Vattimo, a ética de uma filosofia que cai nos braços da teologia e é completamente abarcada por ela, mas de uma filosofia que abraça a teologia, enfraquecendo-a, assim como abraça também o humanismo/racionalismo com este abraço enfraquecedor, porém jamais violento. Este abraço que enfraquece também a dialética, obrigando-a a despertar para a diferença, que faz a filosofia deixar de trabalhar apenas com os opostos, mas aceitar que a realidade é muito mais complexa, composta mais de diferentes que de antônimos, que percebe que não há somente o preto e o branco, que entre o preto e o branco coexistem infinitas tonalidades de cinza.

Em um mundo sem Deus em que a morte é o maior dos absurdos, os homens já não podem aguardar por uma providência divina, já não podem, como os mendigos da obra de Samuel Beckett, passar a vida inteira esperando um Godot salvador que jamais chegará. É nesse sentido que Pisarev, um dos pais do niilismo russo, chegava a afirmar que a própria caridade só faz sentido em um mundo sem Deus[52]. Onde não há salvador, é preciso que os homens aprendam a agir e a salvarem-se uns aos outros. É este o niilismo ativo de Tarrou, a alteridade fraca que se propõe a uma ética da tolerância na pós-modernidade. Uma ética que prima pela liberdade (não havendo verdades últimas, todos são livres para escolher suas próprias verdades) e pela igualdade (por outro lado, não havendo verdades últimas, quaisquer das possibilidades de verdade disponíveis são igualmente verdadeiras e falsas e, portanto, iguais – faz-se necessário aceitar a verdade do outro como tão verdadeira quanto a sua). É preciso, entretanto, ver esta situação de niilismo consumado não como aquele pesado fardo descrito pelos existencialistas, mas como uma dádiva. É preciso aceitá-la sem nostalgia da verdade, sem melancolia e saudade de Deus e da fundação metafísica. É preciso, como ensina Vattimo, encarar o niilismo como oportunidade de emancipação.

Esta cultura do niilismo consumado e consciente, cultura da tolerância, da aceitação da diferença e ao mesmo tempo do agir, da verdade que se constrói no discurso e no consenso, em suma, da pluralidade de verdades e da necessidade de coexistência pacífica entre as diferenças parece só ter lugar, politicamente, em um regime democrático. A democracia é outra das heranças que não parece poder ser superada e abandonada, que precisa ser escolhida, aceita, porém também torcida e retorcida.

O pluralismo, elemento constitutivo básico da democracia, é extremamente necessário para uma realização da ética niilista. Quando não possuímos mais o fundamento, perdemos a possibilidade de fundar fortemente o próprio Estado Nacional, deixando cair as racionalizações tipicamente modernas que o legitimam, como a idéia de contrato social, dos sufrágios, do império da lei. O fim da metafísica leva ao fim da busca de fundamentos para o pensamento político e, portanto, a um abandono da idéia do filósofo como o conselheiro do príncipe, conforme nos coloca Vattimo. A filosofia da política, nesse novo cenário, passa a ser pensamento mais político do que filosófico, pensamento estritamente pragmático, sem fundamentos fortes. Esse fim da metafísica no pensamento político, portanto, de acordo com o pensamento vattimiano, corresponde à autêntica afirmação da democracia, mas esta despojada de seus mitos e racionalizações[53].

O pluralismo democrático encontra respaldo ainda maior em uma cultura essencialmente hermenêutica como parece ser a pós-moderna. A visão da hermenêutica como ontologia da atualidade leva, necessariamente, a um pensamento antifundamentalista, eminentemente histórico, um pensamento de dissolução de todo princípio de autoridade e objetividade. Este pensamento da política como hermenêutica e filosofia da história encontra, em Gianni Vattimo, algumas características centrais, como, por exemplo, a idéia de que a única racionalidade de que dispomos, fora do fundamentalismo metafísico, é uma racionalidade histórico-interpretativa, e que esta racionalidade histórico-interpretativa deve funcionar como um processo de dissolução, em vários níveis, da estrutura forte, atuando como a secularização da tradição religiosa, a secularização da autoridade política, a dissolução do ultimato do sujeito. Por fim, necessário assumir a fragmentação do conhecimento, do sujeito, das ciências, da racionalidade, em detrimento de uma análise metafísica reducionista e simplificadora do real.

É certo que, principalmente nos países democráticos economicamente menos favorecidos, a democracia existente é uma democracia representativa quase que simbólica. A formação de subculturas e de organizações de poder para-estatais, bem como a generalização da violência e o aumento considerável da desobediência civil, o fenômeno dos votos de protesto, demonstram claramente, em muitos desses países, um desejo de rescisão do contrato social, um sentimento de ilegitimidade por parte do poder político. Uma alternativa a este posicionamento violento de resistência ao estado, entretanto, poderia ser admitir a ausência de fundamentos desta democracia simbólica, adotando-se a postura do niilista ativo que busca, através do trabalho de participação direta dentro dos espaços democráticos abertos na sociedade, legitimar suas interpretações através do diálogo e em busca do consenso. Assim cabe ao cidadão comum uma cultura política e uma vontade de enfraquecimento, um desejo de participação efetiva que busca encontrar vias abertas ao diálogo, uma tentativa de reinstalar a ágora grega com a participação direta do cidadão nas decisões da polis (seja marcando presença nas sessões das assembléias, seja através de projetos de lei de iniciativa da população, de ações populares, de participação efetiva nas audiências públicas, etc...). A própria tecnociência, estandarte pós-moderno, pode ser um instrumento facilitador da participação dos cidadãos de maneira direta nas decisões políticas (imaginemos aparelhos tecnológicos portáteis que enviem mensagens diárias aos indivíduos sobre os projetos de lei que tramitam no congresso, e imaginemos ainda que, através destes aparelhos, cada indivíduo possa votar de maneira direta sobre estas e outras questões).

Com todos os defeitos que possui, a democracia, nesta época de fim da metafísica, parece ser o único regime político imaginável e o pluralismo a característica que a aproxima de uma postura consumadamente niilista, que permite a convivência e diálogo das diferenças e a promoção de uma ética da tolerância. O enfraquecimento dos Estados e da própria democracia parece uma esperança, também, de relacionamento mais tolerante e menos violento entre as nações. A idéia tipicamente moderna de evolução cultural em direção ao progresso e a arbitrariedade das verdades metafísicas permitem violências entre as nações que se demonstram cada vez mais inaceitáveis no contexto contemporâneo. A tolerância entre os povos e um pensamento consumadamente mais niilista por parte de seus representantes evitaria os fundamentos fortes que legitimam as ações violentas entre países (vide EUA invadindo países do oriente médio sob o fundamento de difundir a cultura verdadeiramente mais evoluída da democracia, propondo uma imposição da liberdade através da força). Mais uma vez, o niilismo se apresenta como uma chance (ou a única, como chega a afirmar Vattimo).

 

 

4. O Direito e o Nada

 

4.1. Epistemologias jurídicas na esteira do niilismo-platonismo[54]

 

Se Nietzsche estava correto ao afirmar que a história do pensamento ocidental se confunde com a história do niilismo-platonismo, não seria de todo precipitada uma tentativa de situar as teorias do Direito em sua esteira. O mundo verdadeiro criado pelo platonismo, na esfera jurídica, seria representado por um Direito verdadeiro, legítimo, válido, justo. Na primeira fase deste niilismo-platonismo, conforme nos coloca Nietzsche, poderíamos dizer que surge a noção de Direito Natural como direito verdadeiro, aquele conjunto de valores absolutos, de leis que habitam fora do mundo material, que independem da criação humana e estão acima do mundo aparente dos homens. Aquele direito metafísico que se sobrepõe ao legislado, que não varia no espaço ou no tempo, que pode ser atingido pelos sábios através da razão. Aquele Direito Natural que Sófocles nos retrata na Antígona. O Direito Natural do qual o Direito Positivo é apenas uma cópia imperfeita, uma sombra no fundo da caverna.

Com a difusão do cristianismo (ou platonismo para o povo, como sugere Nietzsche), surge uma nova fase do niilismo-platonismo e, conseqüentemente, uma nova etapa para o Direito Natural, aquela que se costuma chamar de etapa do jusnaturalismo divino[55]. É, por exemplo, a concepção jurídica medieval, a lex divina e a lex naturalis de que nos fala Santo Tomás de Aquino, leis que, acima dos homens, devem inspirar a construção da lex humana, sob pena de invalidade desta[56]. Com esta visão de Direito Natural vem, também, a visão da justiça divina, do juízo final, daquela justiça prometida a todos os virtuosos, piedosos, santos, que terão sua recompensa no fim dos tempos. Aqui o direito verdadeiro deixa de estar acessível ao sábio, mas torna-se promessa a todos os que vivem de acordo com os ditames de Deus.

A terceira fase do niilismo-platonismo, aquela tão bem representada pelo kantismo, pelo racionalismo iluminista, viria acompanhada, na esfera jurídica, daquela etapa jusnaturalista que Tamayo chamou jusnaturalismo heróico[57]. É aquela fase do direito verdadeiro que se impõe como imperativo categórico, que luta heroicamente contra o pensamento operante, que erige valores como liberdade e igualdade ao lugar antes ocupado por Deus, absolutizando-os. Esta vertente heróica, conforme nos coloca Tamayo, por vezes assume uma postura racionalista, como em Descartes e Kant, por vezes uma postura irracionalista, como em Savigny, Puchta e Ihering, mas sempre baseada na idéia de um Direito Verdadeiro que transcende o direito posto pelos homens.

Percebe-se que a dicotomia, para os jusnaturalistas, entre Direito Natural e Direito Positivo é a mesma dicotomia platônica entre o mundo verdadeiro e o mundo aparente. O Direito Natural corresponderia ao direito do mundo verdadeiro, enquanto o positivo, posto pelos homens, seria somente aparência, cópia imperfeita.

Na quarta etapa do niilismo-platonismo de que nos fala Nietzsche, o mundo verdadeiro torna-se indiferente, já que inalcançável, e portanto desiste-se dele, assim como do direito verdadeiro, que não seria outro que não o direito natural. É a fase do juspositivismo, em que se assume a incongnoscibilidade de um direito ideal, metafísico, e assim passa-se a aceitar e trabalhar cientificamente apenas com aquele direito criado pelos homens, posto pelos homens através do Estado. O direito verdadeiro deixa de ser aquele posto por Deus no coração dos homens, apriorístico, atemporal, e torna-se o direito posto pelos próprios homens, criado por estes, variável em espaço e tempo, produto cultural. Assim surgem as mais distintas correntes juspositivistas. O juspositivismo kelseniano, o juspositivismo ideológico (que acredita no legislador como criador de justiça), o realismo jurídico, tanto americano como escandinavo (acreditando que os juízes fazem o direito e a justiça, observando a realidade social), todas elas acreditando, de alguma maneira, no direito como criação humana.

Quinta fase: inicia-se juntamente com a pós-modernidade, quando é aceita não só a inacessibilidade do direito verdadeiro, mas também sua inutilidade, enquanto inalcançável. Assim, torna-se necessário abolir qualquer forma de idealismo, qualquer tentativa de explicar a justiça como fenômeno fático, axiológico ou normativo. Passa a ser necessário abolir a idéia do direito verdadeiro, tanto o Direito Natural como o Positivo. Assim surge a etapa das chamadas Teorias Críticas do Direito e da desconstrução, que inserem o poder e a violência como elementos constitutivos do próprio direito, acima mesmo das três dimensões realeanas clássicas de fato/valor/norma. Já não há direito metafísico e a autoridade criadora do direito já não é legítima, já não age de acordo com a razão ou com a justiça, mas apenas produz o direito no intuito de manter e legitimar seu próprio poder. Assim as influências marxistas e freudianas perpassam as teorias do direito, culminando com a Kulturkritik dos pensadores de Frankfurt. Aqui o niilismo se torna consumado, mas ainda não ativo, ainda incapaz de sugerir soluções, é ainda nihil negativum.

Na sexta fase do niilismo, aquela em que estão já não há mundo verdadeiro ou mundo aparente, aquela em que a dicotomia platônica jaz superada, em que o mundo verdadeiro e com ele o direito verdadeiro se transformam em fábulas, em que já não há fundamentos para Direito Natural ou Direito Positivo. Aquela chance de niilismo consumado que se abre como possibilidade no cenário da pós-modernidade, na qual o jurista terá que trabalhar com a herança jurídica enfraquecida, sem fundação, fazendo com que dela surja um novo paradigma de justiça, uma justiça que já não é ontologicamente justa, mas que se constrói através da interpretação, da estética e da retórica, da diferença, do diálogo e da tolerância. É o ponto culminante da história da verdade, como colocava Nietzsche, o ponto em que o mundo verdadeiro se transforma em fábula, em que verdade deixa de ser sinônimo de objetividade e em que se abre a possibilidade de um novo paradigma de verdade, aquele do qual nos fala Gianni Vattimo, o da verdade como interpretação. “Não há fatos, somente interpretações”, diz Nietzsche. É assim que, nesta mesma linha, poderíamos afirmar que também não há leis, somente interpretações. O trabalho do jurista, então, passa a ser de hermeneuta, de intérprete, e seu grande desafio não é mais encontrar a verdade objetiva por trás do texto legal, a vontade da lei ou do legislador, mas resgatar na herança cultural critérios de interpretação para construir um discurso razoável a respeito do problema do justo.

 

4.2. A crise dos fundamentos: Direito, Justiça e Violência

 

Percebe-se que a morte de Deus e o fim da metafísica promovidos pelo discurso pós-moderno trouxeram também, como não poderia ser diferente, suas conseqüências para o pensamento jurídico. A antiga dicotomia platônica entre Direito Natural e Direito Positivo restou quase que inútil, já que ambos se encontram igualmente carentes de fundação depois de abolidos o mundo verdadeiro e o mundo aparente. Morto Deus, jaz sepulto também o fundamento do Direito Natural divino. Já a tentativa de fundamentar o Direito Natural em uma pretensa natureza humana seria, sem sombra de dúvidas, negar a complexidade do humano, trabalhando com simplificações racionalizadoras que o atual contexto do pensamento já não aceita. Analisando a natureza, por exemplo, pelo prisma do pensamento darwiniano ou mesmo pelo pensamento de Hobbes, perceberemos que, se é que existem leis naturais que regem o comportamento dos homens, estas leis trazem consigo uma semente de perigo e violência.

Hobbes nos diz que, em estado de natureza, o homem é o lobo do próprio homem (homo homini lupus) e que, portanto, viver neste estado de natureza é viver em uma guerra de todos contra todos (bellum omnium contra omnes). Seria parte da natureza humana tentar sobrepujar o mais fraco. Não é diferente a inferência que se apresenta se tomarmos o pensamento evolucionista de Darwin. A lei do mais forte faz parte das leis da natureza, o espécime mais forte, melhor adaptado, sobrevive e se sobrepõe ao mais fraco. Neste sentido, podemos dizer que o desejo de ser mais forte, a vontade de poder, para utilizar a terminologia nietzscheana, poderia ser considerada parte da natureza humana (se é que existe uma tal natureza). O homem, por natureza, pretenderia ser mais forte, não igual, e neste sentido seria impossível entender, por exemplo, que Igualdade e Equidade constituíssem, como é coro quase uníssono entre os jusnaturalistas, direitos naturais. A igualdade seria mesmo um direito antinatural e, assim, surgiria a necessidade de ser ela garantida não pelas leis da natureza, mas por leis criadas pelos homens, por um Direito Positivo que surge como instrumento de proteção e cerceamento da carnificina advinda das leis da natureza, do Direito Natural. É neste sentido que Gianni Vattimo sugere a necessidade de corrigir com leis oportunas a desigualdade “natural”[58].

Resta simplificadora, entretanto, a postura de reduzir uma possível natureza humana somente ao aspecto da violência. Freud dizia que o ser humano move-se principalmente por duas pulsões, uma pulsão de vida (Eros) e uma pulsão de morte (Thanatos)[59]. A pulsão de vida seria responsável por sentimentos como amor, desejo, amizade, enquanto a pulsão de morte poria no homem um natural tropismo à violência. Tentar trabalhar com um homem naturalmente bom, como pretenderam Sócrates, Santo Agostinho ou mesmo Rousseau, ou com um homem essencialmente mal, como o que se vislumbra em Hobbes, é simplificar e reduzir a complexidade do humano e suas dimensões. Assim, existindo um Direito Natural e sendo este decorrente da natureza humana, este direito não poderia ser classificado como bom ou como mal e, portanto, não seria nem justo nem injusto.

Ademais, já nos diziam pensadores como Spinoza e mesmo os místicos orientais como Prajnânpad, Krishnamurti, Lao-Tsé, Nagarjuna e Chuang Tzung que tudo o que existe, existe na natureza. Mesmo os produtos culturais se dão e existem na natureza, não havendo qualquer coisa que se situe fora dela. Assim, seria necessário admitir que o Direito Positivo é tão natural quanto o próprio Direito Natural, já que é criado na natureza, pelos homens que dela fazem parte. Se, portanto, todo direito é natural, então direito algum é natural, perdendo o sentido a dicotomia clássica das teorias do direito.

Perdidos os fundamentos absolutizantes, já não parece possível falar de um Direito Natural apriorístico, que não varia no espaço ou no tempo. Para o Direito Natural, assim como para os homens que o criam, a existência precede a essência, para utilizar a famosa assertiva sartreana. A noção dos Direitos Naturais, e com eles a noção de Direitos Humanos, tem variado de civilização para civilização, de tempo em tempo, o que lhe retira o caráter absoluto. O Direito Natural é, também, portanto, um objeto cultural, criação humana, e torna-se perigosa, etnocêntrica e violenta qualquer tentativa de absolutização de uma cultura, por melhor que sejam as intenções de quem age neste intento. É fácil descobrir na história exemplos de sistemas de idéias fortes que, inobstante suas louváveis intenções, foram vastamente deteriorados pelo princípio da entropia e acabaram dando origem a verdadeiras bestas monstruosas e violentas. Lembremos como o cristianismo originou a Santa Inquisição e as cruzadas, ou como o marxismo originou a ditadura stanilista com seus gulags e, mais recentemente, como os ideais da liberdade e da democracia tentam legitimar as invasões americanas aos países “bárbaros” do oriente médio. As grandes atrocidades cometidas pela humanidade foram baseadas na crença em fundamentos fortes e na absolutização de culturas que, por serem culturas, não podem ser absolutas. Assim também o é com o Direito Natural. A natureza, que engloba todas as coisas, é amoral. Se a existência precede a essência, podemos falar não mais em Direitos Naturais, ou em Direitos Humanos como Direitos Naturais, mas em Direitos Existenciais[60], que levam em consideração, acima de tudo, a subjetividade dos indivíduos e sua liberdade de fazer escolhas.

A violência não se faz menos evidente, entretanto, nos fundamentos do Direito Positivo. O Direito Positivo nada mais é que força autorizada. No entanto, como diferenciar entre este tipo de força e a violência? Conforme nos esclarece Rossano Pecoraro, “o direito como instituidor, fundador, é violento, arbitrário, sem justificação alguma: a justiça não lhe pertence”[61].

Toda norma jurídica (e não só a norma jurídica) remonta a uma norma precedente válida. Daí durge o problema de esta operação não poder continuar ad infinitum, fazendo-se necessário instituir um ato pré-jurídico originário, capaz de justificar e fundamentar a validade do direito. A solução positivista encontrada em Hans Kelsen, a conhecida Norma Hipotética Fundamental, não passou de malabarismo filosófico racionalizador e configura, justamente, o momento metafísico e dogmático do juspositivismo tradicional, em que o direito revela toda a arbitrariedade e violência de seu gesto fundador. Assim denuncia Derrida em seu “Force de Loi”:

 

“A operação que consiste em fundar, em inaugurar, em justificar o direito, em fazer a lei, consistiria em um coup de force, em uma violência performativa e interpretativa que nela mesma não é nem justa nem injusta e que nenhuma justiça, nenhum direito prévio ou anteriormente fundador, nenhuma fundação preexistente poderia, por definição, nem garantir nem contradizer ou invalidar”[62].

 

A idéia da autoridade competente, que, por si só, autoriza e dá validade à norma, é uma idéia arbitrária, violenta e racionalizadora. A alternativa moderna do Contrato Social, no atual cenário de desmascaramento da pós-modernidade, já se demonstrou irreal. Existe, como pretendem os marxistas, para legitimar “racionalmente” o poder de um grupo. Não é difícil perceber o caráter violento e leonino do contrato social quando imaginamos a realidade social de alguns países da América Latina como o Brasil, em que impera a alienação política e a descrença em relação ao Estado. A violência que se generaliza nestes países e a falta de efetividade das normas não denunciam outra coisa senão a rescisão unilateral do contrato social, por parte da população.

Este contrato social, através do qual os indivíduos cedem voluntariamente parcelas de suas liberdades individuais ao Estado, esperando deste uma contrapartida (já que o pretenso pacto social, o qual ninguém recorda-se efetivamente de ter assinado, tratar-se-ia de um contrato bilateral), parece não vigorar satisfatoriamente. Por que deveriam os indivíduos respeitar as leis do Estado, se o Estado não vem cumprindo com sua parte neste pacto (garantir saúde, educação, segurança, oportunidades de emprego, lazer, enfim, oportunizar uma vida digna aos cidadãos)? Este contrato social ilusório e violento configura um leonino contrato de adesão, cujas cláusulas os cidadãos não têm o direito de discutir ou negociar, e que são obrigados a acatar. Fenômenos como a desobediência civil, os votos nulos e votos de protesto, bem como a criação de poderes paralelos de organizações para-estatais (vide PCC e outras exemplos do crime organizado no Brasil) denunciam a insatisfação do cidadão em relação à autoridade dos poderes oficiais e, em última instância, a ilegitimidade do Estado para ditar normas jurídicas à sociedade (o que poderia obrigar o miserável favelado brasileiro, que jamais coisa alguma recebeu do Estado, a obedecer as normas deste, senão a violência?).

Assim também com as decisões do Poder Judiciário, que já não podem ser consideradas justas unicamente porque advindas de uma autoridade competente – o que põe por terra, também, o fundamento das teorias do Realismo Jurídico. Os juízes de fato não são como aquele Juiz Hércules ideal de que nos falavam os realistas. Os juízes reais estão longe da imagem do “super-juiz” de Kantorowicz. Os juízes são homens e, como tais, são dotados de paixões, anseios, falhas, desejos de poder. São falíveis, corruptíveis, suscetíveis de fraqueza, covardia, acomodação e erro, como qualquer ser humano. Suas decisões, portanto, são também violentas e não se podem afirmar legítimas ou justas.

Se a Justiça é a ausência de Violência, e se o Direito não possui outra maneira de legitimar-se e fundar-se senão nesta Violência, podemos dizer que o Direito, necessariamente, é violento e que, portanto, a Justiça não lhe pertence. A Justiça não é o Direito, pois o Direito é necessariamente Violência.

É assim que a decisão jurídica, ou a tentativa de fazer justiça através do direito, se desloca para o lugar da aporia e do “indecidível”. A este respeito e comentando o pensamento de Derrida, esclarece Pecoraro:

 

“Ser justo, tomar uma decisão justa nunca é possível. Duas possibilidades surgem quando se está prestes a agir: conformar-se a uma norma ou seguir a própria consciência, os próprios ideais, a própria idéia de justiça etc. Na primeira hipótese, a decisão é um cálculo, portanto não poderá ser definida como justa; na segunda, nada permite julgar se ela é justa ou não”[63].

 

É a esta conclusão que nos leva o pensamento jurídico de Derrida, a este paradoxo que nos põe ante uma situação constrangedora: a impossibilidade de lidar com a justiça fora das aporias e contradições que ela própria encerra e, por outro lado, a impossibilidade de renunciar a ela. Assim, para Derrida, a crítica do direito e da violência, seu desmascaramento, a luta pela emancipação que não poderia se dar senão dentro de uma tradição histórica que oferece instrumentos conceituais, em suma, a desconstrução do direito, seria a própria justiça. Vejamos suas palavras:

 

“É esta estrutura desconstruível (décontructible) do direito ou, se preferem, da justiça como direito que assegura a possibilidade da desconstrução. A justiça, nela mesma, se uma tal coisa existe, fora ou para além do direito, não é desconstruível. Não mais do que a desconstrução ela mesma, se uma tal coisa existe. A desconstrução é a justiça”[64].

 

Aqui o pensamento jurídico derridiano atinge seu ápice, porém de uma maneira extremamente inadequada às exigências da práxis jurídica. Afirmar que a justiça é a desconstrução do direito não parece ofertar muitos caminhos ou soluções aos questionamentos filosóficos de como fazer justiça a partir do direito, que é o único meio ou possibilidade de que parecemos dispor. A justiça derridiana é uma justiça onírica, uma loucura, como ele próprio admite, pela qual seu pensamento desconstrucionista avidamente anseia, ainda que conhecendo a impossibilidade de alcançá-la.

Estamos, aqui, na quinta fase do niilismo-platonismo jurídico. A fase que desconstrói e desmascara tanto o direito verdadeiro (Direito Natural) quanto o direito aparente (Direito Positivo), que abole qualquer tipo de fundamento forte do direito, mas que ainda resta incapaz de propor novos paradigmas ou soluções práticas à realidade social e sua necessidade de fazer justiça através do direito.

 

4.3. Nova chance que se abre: Direito e hermenêutica niilista

 

Um outro paradigma de pensamento jurídico que vem à tona neste cenário de ausência de fundamentos do direito é proposto no já referido “pensamento fraco” do filósofo italiano Gianni Vattimo. O pensamento niilista e hermenêutico vattimiano parece oferecer uma oportunidade mais viável e menos passiva de visualizar o direito e de tentar, a partir dele, aproximar-se da justiça. É assim que Vattimo afirma, referindo-se àquele pensamento jurídico que aqui enquadramos na quinta fase do niilismo-platonismo nietzscheano (niilismo consumado e passivo), que “na desconstrução, mas também em numerosas reflexões críticas, penso em Foucault, por exemplo, a violência original da justiça é denunciada e evocada como se isto fosse o único fato importante”, uma atitude que “no plano prático deixa a humanidade sem soluções; no plano teórico, corre o risco de idealizar uma justiça abstrata”[65].

O que Vattimo propõe não é o abandono do problema da origem, da violência dos fundamentos do direito, mas um ultrapassamento (Verwindung) deste problema através da conscientização e mergulho nele próprio, de uma distorção dele próprio. Seria impossível, tanto para o filósofo como para o jurista, trabalhar com a justiça sem se preocupar e ater ao problema dos fundamentos do direito. Sem dúvida, “toda legitimidade precisa de um precedente, ou melhor, se reduz à busca deste precedente – de um precedente válido (autorevole), decerto, mas cuja validade (autorevolezza) consiste no seu derivar de um precedente ulterior e válido e assim por diante”[66]. É necessário, entretanto, um trabalho de desmascaramento desta origem da norma e um trabalho com a própria norma, bem como com os precedentes, decisões, sentenças, etc, que não deixe as coisas como estão. Este trabalho só pode se dar, de acordo com Vattimo, através da interpretação. Só se torna possível imaginar fazer justiça através do direito por meio de atos interpretativos, atos que se concretizam na decisão judicial, mas que sofrem a interferência de outros sujeitos hermenêuticos durante o diálogo processual com advogados, promotores, testemunhas, especialistas, peritos e mesmo a própria sociedade.

É assim, conforme coloca Pecoraro, que

 

“a primeira fase desse movimento (isto é: a interpretação que revela a falta de fundamento do direito, da justiça como direito, mas também a violência intrínseca de qualquer início) é decisiva porque permite denunciar, e deixar definitivamente de lado, os termos metafísicos tradicionais pelos quais a relação direito/justiça tem sido pensada”[67].

 

Se todo e qualquer fundamento para o direito é necessariamente violento e se a justiça é ausência de violência, fazer justiça através do direito é afastá-lo de suas origens violentas, dogmáticas e metafísicas. A única maneira razoável de promover este afastamento do direito de sua origem arbitrária é através da interpretação que se submete à aprovação e ao consenso. Faz-se necessário, portanto, “assumir radicalmente todas as implicações e todas as conseqüências niilistas da hermenêutica, afastando-se decididamente dos resíduos metafísicos que ainda obstruem esse percurso”[68]. A verdade já não é um dado objetivo, mas ato de interpretação, já não há lei, somente interpretações da lei, e é preciso que o sujeito hermenêutico contemporâneo reconheça esta sua matiz existencialista, que se compreenda como finito e histórico, e que já não se entenda estável, parte de uma estrutura eterna verdadeira, mas que, pelo contrário, tem como papel maior ser um intérprete da realidade, intérprete este incapaz de se desvencilhar das pré-compreensões que constituem o que Gadamer nomeava seu horizonte histórico.

Esta tomada de consciência, entretanto, não pode ser, como denuncia Vattimo, de tonalidade apocalíptica, imaginando que seja vão qualquer esforço de tentar legitimar o direito aproximando-o do justo. Esta postura condenaria o jurista ao silêncio, à crítica estéril, ao niilismo passivo (reativo), à impossibilidade de atuar na vida prática. Adotando esta postura, salienta Vattimo, “tomamos consciência da ausência de fundamento, mas não nos libertamos do luto da perda que vivemos e a nostalgia do ser pleno continua a nos dominar”[69].

O problema, entretanto, se torna mais sério a partir do momento em que nos vemos diante da necessidade de interpretar o direito para afastá-lo de sua origem arbitrária, mas, ao mesmo tempo, carecemos de critérios válidos para reconhecer uma interpretação justa, para escolher entre as várias interpretações e posições retóricas possíveis (affabulazioni) - “O luto pela metafísica e a sombra de Deus persistem justamente na ausência de critérios, mediante os quais distinguir entre as affabulazioni: se Deus está morto, tudo é permitido”[70].

Desistir da questão é, também, adotar a postura apocalíptica. Vattimo sugere outra alternativa, outra maneira de se posicionar diante do problema:

 

“Menos despropositada e inadequada (...) parece ser uma resposta que parte do esforço de assumir o niilismo – a ausência de fundamento que se revela quando se toma consciência das implicações ontológicas da hermenêutica – em termos verdadeiramente (ou mais autenticamente) livres da herança da metafísica. Ter-se-á já compreendido que o niilismo permanece prisioneiro da metafísica, na medida em que, mesmo implicitamente, ele é pensado como a descoberta de que lá onde acreditávamos que houvesse o ser, há, na realidade, o nada. Assim, onde acreditávamos que existissem os princípios da lei, existe apenas o arbítrio do legislador ou do intérprete, a decisão sem fundamento, e por isso essencialmente violenta, que deve ser transformada em uma decisão aceitável pela ficção das affabulazioni, ou por uma aceitação motivada misticamente (na versão “kierkegaardiana” do niilismo”)”[71].

 

Assim, necessário se faz passar do diagnóstico ao remédio, da crítica à proposta, entendendo o niilismo não mais como “uma inversão, uma substituição, uma simples mudança de perspectiva ditada pela descoberta de que no lugar do ser há o nada, mas sim como uma ‘história sem fim’ em que ‘o ser consuma-se, dissolve-se, enfraquece-se”[72]. O niilismo, portanto, nada mais é que interpretação, não é descrição objetiva dos fatos ou da lei, mas uma versão razoável do que pode-se entender pelos fatos e pela lei. Vejamos novamente o que nos diz Vattimo:

 

“(...) a interpretação não é nem desvelamento apocalíptico-messiânico da violência (injustiça) implícita em toda posição de direito, nem o mascaramento consolador desta violência mediante affabulazioni ad hoc; mas processo cumulativo de dissolução da violência intimamente ligada à originária falta de fundamento da lei (...). Círculo hermenêutico como círculo virtuoso, como única virtude possível: interpretar aplicando as leis a situações concretas, de modo que seja possível regulá-las sem violência – sem imposição de força não ‘negociada’ – não significa desvelar a violência da origem nem cobri-la com ajustamentos ad hoc, mas reduzi-la progressivamente”[73].

 

Assim, a difusão e acúmulo das interpretações legais, jurisprudenciais, dos precedentes, a discussão, o exercício do contraditório e da ampla defesa, consomem, progressivamente, a violência original da lei, afastando-a de sua origem injusta. Interpretar a lei é distanciá-la de sua origem, enfraquecendo sua fundação violenta. É certo, e Vattimo é consciente disto, que mesmo quando a lei é posta em códigos, passa pela mão de advogados, magistrados, promotores, profissionais, doutrinadores e especialistas do direito, chega à mídia, é discutida pela sociedade, etc, ela mantém sua origem violenta. O que não se pode negar, entretanto, é que todas essas passagens fazem diferença, enfraquecem essa injustiça original do direito, aproximam o direito da justiça, fazendo-o mais dialogado, mais consensual, obrigando-o a submeter-se a aprovação daquela que Peter Häberle chamou “Sociedade Aberta dos Intérpretes”[74]. Vejamos novamente Vattimo:

 

“A interpretação como aplicação que enfraquece a violência da origem ‘faz justiça ao direito’: faz-lhe justiça contra quem o acusa de produzir somente summas iniurias; torna-o justo da violência que era; e também o justiça enquanto o consome nas suas pretensões de ser peremptório e definitivo, desmentindo a sua máscara sagrada”[75].

 

É inegável que o momento de denúncia é de extrema importância, mas é preciso se preocupar com um niilismo consumado que intervenha diretamente na realidade social e jurídica, que seja não só um pensamento da diferença (a differénce derridiana), mas que faça diferença. Assim age um pensamento jurídico fraco, um jusniilismo ativo, que compreende que o profundo conhecimento da origem a torna menos violenta, menos peremptória. Não é, entretanto, aceitar que todas as interpretações sejam igualmente válidas e abandonar o direito e a justiça aos caprichos do acaso. Vattimo afirma que “a estabilidade do direito consiste na rede de interpretações tal como se tem encarnado na história”, uma rede que “é um tecido cujas conexões impedem que seja desfeito arbitrariamente, pois de qualquer maneira define um âmbito de possibilidades interpretativas do qual outras [possibilidades] são excluídas”[76].

As interpretações, portanto, não são aleatórias, mas possuem como critério o afastamento da violência e a herança (tradição/tradução) cultural. Não se pretenderá, por exemplo, obviamente, abandonar os Direitos Humanos porque estes carecem de fundamento metafísico, mas enfraquecê-los neste fundamento violento e trabalhá-los como herança cultural que merece ser acolhida e defendida. Não é pelo fato de que o pensamento metafísico seja intrinsecamente violento que toda a tradição legada por ele deverá ser abandonada e rejeitada, o que é preciso é promover aquele ultrapassamento sem abandono (Verwindung) também da herança jurídica. Nas palavras de Vattimo:

 

“Aliás, sobre este ponto os metafísicos fazem bem quando dizem que os mesmos direitos dos indivíduos foram freqüentemente reivindicados exatamente em nome de razões metafísicas – por exemplo nas doutrinas do direito natural. Ao contrário, é enquanto pensamento da presença peremptória do ser – como fundamento último diante do qual é possível apenas calar-se e, talvez, sentir admiração – que a metafísica configura-se como pensamento violento: o fundamento, se se dá na evidência, incontroversa e que não deixa mais espaço para perguntas posteriores, é como uma autoridade que cala e impõe sem dar explicações”[77].

 

Interpretar o direito com base na herança cultural a que já fizemos referência, mas enfraquecendo-a para que se abra espaço à discussão, aos loci democráticos de conversação, permite um direito mais dialogado, mais consensual, mais reconhecido e aprovado, mais legítimo, menos violento e, portanto, mais justo. Quando o fundamento arbitrário da autoridade do Estado é enfraquecido, abre-se espaço a uma relação mais tolerante por parte deste com seus cidadãos e com os demais estados, levando a uma aceitação da diferença e uma convivência cordial entre os povos. Quando o humanismo é enfraquecido e deixa de ser antropocentrismo, tornam-se “dizíveis” os direitos do meio ambiente, dos animais não humanos, a preocupação com o planeta Terra e com todos os tipos de vida não porque necessárias à existência do homem, mas porque constituem existências tão autônomas quanto as humanas e, portanto, merecem tanto quanto os homens gozar de direitos existenciais. A guerra contra a violência e a arbitrariedade dos fundamentos permitirá que os cidadãos, percebendo a ilegitimidade objetiva do poder Estatal, passem a exigir deste uma legitimação diária e negociada, cobrando deste a observância de seus direitos e a satisfação de sua parcela no pacto social e tornando ainda mais inaceitáveis as práticas de corrupção e jogos de poder por parte dos pretensos representantes do povo.

Os próprios princípios gerais de direito, mormente os princípios constitucionais, com sua natureza geral e aberta, permitem mais espaço às interpretações e uma maior flexibilização das estruturas fortes do ordenamento jurídico. Um método hermenêutico tópico-principiológico, que partisse do catálogo tópico de princípios disponíveis para a construção do discurso razoável que os aplicasse ao caso concreto, seria uma maneira de viabilizar a abertura de espaços democráticos de diálogo na esfera jurídica. Norteadas pelo Princípio da Razoabilidade, as interpretações dialogariam com os demais princípios buscando realizar na esfera social valores que herdamos de uma tradição e que nos parecerão sempre ligados à idéia de justiça, como a liberdade e a igualdade. Assim, um Direito Dionisíaco, estético e retórico, baseado na interpretação e no diálogo, no discurso não mais focado na racionalidade objetiva, mas na razoabilidade tolerante, pode aproximar Justiça e Direito, fazendo possível um jusniilismo ativo e de combate que retira suas forças e fraquezas necessárias das próprias entranhas do nada pós-moderno. Fazer Justiça através do Direito não significa que o Direito seja ou possa ser justo, mas que ele é nossa única chance e alternativa para aproximarmo-nos desta Justiça fugidia.

 

5. CONCLUSÕES

 

São várias as conclusões a que chegamos através destes estudos, das quais destacaremos, aqui, as principais.

Uma delas é que o discurso pós-moderno é um discurso niilista e que as sociedades pós-industriais contemporâneas caminham para uma cultura de um niilismo cada vez mais consumado. Concluímos também que o movimento de consumação do niilismo parece ser irrefreável e, portanto, é preciso aprender a lidar com ele e retirar dele algo positivo.

Uma outra conclusão é que a história do pensamento ocidental tem acompanhado a história do niilismo-platonismo. A morte de Deus ocasionou a morte da metafísica e dos fundamentos, o que nos lança atualmente em uma era niilista em que a única forma de entender o ser é como um acontecer, um acidente, e a única verdade possível a respeito deste ser é uma verdade interpretativa, hermenêutica.

Concluímos que toda verdade metafísica é violenta, mas que o ultrapassamento da metafísica promovido pelo pensamento contemporâneo não pode ser um ultrapassamento com abandono, mas sim uma Verwindung, um ultrapassamento com mergulho e rememoração do ser e da metafísica. É impossível a superação total da herança/tradição cultural em que vivemos. A herança cultural ocidental precisa ser enfraquecida, afastando-a de seus fundamentos metafísicos violentos e criando uma cultura da tolerância.

Percebemos, também, que é possível um modelo de niilismo ativo, que não seja somente conformismo, mas que assuma uma postura positiva ante a realidade social. Esta postura assumidamente niilista pode oferecer propostas éticas baseadas na aceitação da diferença e na tolerância, bem como propostas políticas que se manifestariam em um modelo de democracia cada vez mais direta e participativa, tolerante, dialógica e promotora das liberdades individuais e do mútuo respeito.

Também parece ser possível concluir que as teorias do direito, no pensamento ocidental, têm acompanhado as fases de “evolução” do niilismo-platonismo, o que nos leva à necessidade de buscar um jusniilismo ativo que proponha soluções à crise dos fundamentos do direito no atual cenário pós-moderno. Percebemos que não há direito que não tenha como fundamento a violência. Direito Natural e Direito Positivo possuem fundamentação igualmente arbitrária. Concluímos, portanto, que o direito não é a justiça, já que justiça é ausência de violência e o direito jamais poderá se libertar de sua fundação violenta.

Concluímos, por fim, que a única maneira de tentar fazer justiça através do direito, de aproximar o direito da justiça, é afastá-lo de sua origem violenta através da interpretação submetida à aprovação e ao consenso. A herança cultural selecionada e enfraquecida oferece substrato a esta interpretação, que se torna viável na prática através da abertura existente nos princípios gerais de direito, principalmente nos princípios constitucionais dos ordenamentos contemporâneos, que permitem maior liberdade retórica em sua interpretação e aplicação.

 

 

6. BIBLIOGRAFIA

 

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* Advogado militante em Teresina, Bacharel em Direito pela UFPI, Especialista em Ciências Criminais pelo CEUT, Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela "Universidad del Museo Social Argentino", Graduando em Filosofia pela UFPI, Professor de Filosofia Geral, Filosofia do Direito, Hermenêutica, Criminologia e Direito Penal na FAP, autor dos livros “Direito Dionisíaco: hermenêutica jurídica, senso estético e vontade”, “Visceratika” e “Considerações de um Próton” (poesia), publicados pela EDUFPI.

[1] Ainda que seja da essência da modernidade a mudança de eixo do teocentrismo para o antropocentrismo, pensadores como Nietzsche mostraram como esta tentativa de laicização do conhecimento moderno quedou frustrada.

[2] NIETZSCHE, F. Introdução teorética sobre verdade e mentira no sentido extramoral. Apud. MARTON, Scarlett. Nietzche, a transvaloração dos valores. São Paulo, Moderna, 1993. p. 80-81.

[3] Para todos os fatos existem sempre aqueles mais apressados, ávidos por tirar conclusões precipitadas que, quase invariavelmente, mostram-se sem cabimento. É assim que há quem diga que o paradoxo de Banach-Tarski é uma prova matemática de que os milagres existem e que seria um testemunho científico da veracidade do milagre da multiplicação dos pães e dos peixes que os evangelhos atribuem a Jesus Cristo.

[4] E tentar retirar do Direito Natural seu caráter de universalidade, como pretendem alguns jusnaturalistas contemporâneos, é esvaziar o próprio conceito de Direito Natural, problema que analisaremos no devido momento.

[5] AULETE, Caldas. Dicionário Contemporâneo da Língua Brasileira. Vol. IV. Rio de Janeiro: Delta, 1978.

[6] JACOBINI, Maria Letícia de Paiva. In. Discutindo Filosofia, ano 1, n° 6. São Paulo: Oceano, 2006.

[7] Neste sentido CAMUS, Albert. O Homem Revoltado. Rio de Janeiro: Record, 2003. p. 184.

[8] VOLPI, Franco. El Nihilismo. Buenos Aires: Biblios, 2005. p. 23.

[9] REALE, Giovanni. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média / Giovanni Reale, Dario Antiseri. São Paulo: Paulos, 1990. p. 78.

[10] NIETZSCHE, Friedrich. Apud. VOLPI, Franco. El Nihilismo. Buenos Aires: Biblios, 2005. p. 16. Tradução nossa.

[11] NIETZSCHE, Friedrich. O Crepúsculo dos Ídolos.Apud. VOLPI, Franco. El Nihilismo. Buenos Aires: Biblios, 2005. p. 60. Tradução nossa.

[12] Idem. Ibidem.

[13] Idem. Ibidem. p. 61.

[14] Idem. Ibidem.

[15] Idem. Ibidem.

[16] Idem. Ibidem. p. 62.

[17] Idem. Ibidem.

[18] VOLPI, Franco. El Nihilismo. Buenos Aires: Biblios, 2005. p. 63.

[19] VATTIMO, Gianni. O Fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 3.

[20] O termo é de Albert Camus. Cf. CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Rio de Janeiro: Record, 2006.

[21] NIETZSCHE, Friedrich. Apud. VOLPI, Franco. El Nihilismo. Buenos Aires: Biblios, 2005. p. 60. Tradução nossa.

[22] VATTIMO, Gianni. O Fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 4.

[23] COMTE-SPONVILLE, André. El Alma del Ateísmo: introducción a uma espiritualidad sin dios. Barcelona: Paidós, 2006. p. 84.

[24] BAUMAN, Zygmunt. O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.

[25] SARTRE, Jean-Paul. L’existencialisme est un humanisme. France: Éditions Gallimard, 1996. p. 37. Em nossa livre tradução: “um certo tipo de moral laica que gostaria de eliminar Deus com um mínimo de danos possíveis”.

[26] SANTOS, Jair Ferreira. O que é Pós-Moderno. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 103.

[27] Cf. SANTOS, Jair Ferreira. O que é Pós-Moderno. São Paulo: Brasiliense, 1986.

[28] VATTIMO, Gianni. O Fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. XIX.

[29] BOGLIOLO, Luigi. Ateismo e pastorale. Milão:  Editrice Àncora, 1967. p. 09.

[30] In. ECO, Umberto. MARTINE, Carlos Maria. Em que crêem os que não crêem?. Rio de Janeiro: Record, 2005.

[31] “Depois que Buda morreu, sua sombra ainda foi mostrada numa caverna durante séculos – uma sombra imensa e terrível. Deus está morto; mas, tal como são os homens, durante séculos ainda haverá cavernas em que sua sombra será mostrada – Quanto a nós – nós teremos que vencer também a sua sombra”. In. NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A Gaia Ciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 135.

[32] PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução ao “pensamento fraco” de Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São Paulo: Loyola, 2005. p. 35.

[33] E aqui se opta pela tradução de Rossano Pecocaro, em detrimento de outras que parecem menos vantajosas e adequadas, como “pensamento débil” ou “pensamento frágil”.

[34] Cf. PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução ao “pensamento fraco” de Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São Paulo: Loyola, 2005. p. 37.

[35] PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução ao “pensamento fraco” de Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São Paulo: Loyola, 2005. p. 49.

[36] VATTIMO, Gianni. O Fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 111/112.

[37] Idem. Ibidem. p. 112.

[38] Idem. Ibidem. p. 115.

[39] Idem. Ibidem. p. 116.

[40] Idem. Ibidem. p. XIX.

[41] Cf. VILLA, Lucas. Direito Dionisíaco: hermenêutica jurídica, senso estético e vontade. Teresina: EDUFPI, 2005.

[42] VATTIMO, Gianni. O Fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 131.

[43] DERRIDA, Jacques. ROUDINESCO, Elisabeth. Y mañana, que... Buenos Aires: Fondo de Cultura Econômica, 2005. p. 12. nossa livre tradução.

[44] Idem. Ibidem. p. 13.

[45] A própria e famosa passagem bíblica em que Jesus afirma ser a verdade, nesta perspectiva do enfraquecimento, pode e deve ser reinterpretada para que deixe de ser vista como um “momento dogmático”. É preciso ler o “Eu sou a verdade” de Cristo como “Eu sou a minha verdade, tu és a tua verdade, cada homem é a sua verdade, e nenhuma destas verdades é mais verdadeira que outra, portanto todas têm a necessidade de conviver juntas, de respeitarem-se mutuamente, de se aceitarem como igualmente verdadeiras, e nenhuma jamais terá qualquer fundamento legítimo para se pretender impor violentamente às demais”.

[46] CAMUS, Albert. A Peste. Rio de Janeiro: Record, 2006. p. 222.

[47] LIPOVETSKY, Gilles. A sociedade pós-moralista: o crepúsculo do dever e a ética indolor dos novos tempos democráticos. Barueri, SP: Manole, 2005. p. 122.

[48] LIPOVETSKY, Gilles. A sociedade pós-moralista: o crepúsculo do dever e a ética indolor dos novos tempos democráticos. Barueri, SP: Manole, 2005. p. 125/126.

[49] Idem. Ibidem. p. 126.

[50] Idem. Ibidem. p. 123.

[51] Cf. VATTIMO, Gianni. Nichilismo e emanzipacione. Ética, política, diritto. Milano: Garzanti, 2003.

[52] Vejamos o que a este respeito nos diz Albert Camus: “(...) a verdade de Pisarev encontra-se nesse dilema. Se o homem é a imagem de Deus, então não importa que ele seja privado do amor humano, chegará o dia em que será saciado. Mas, se é criatura cega, que erra nas trevas numa condição cruel e limitada, ele tem necessidade de seus semelhantes e de seu amor efêmero. Onde pode refugiar-se a caridade, afinal, a não ser no mundo sem deus? No outro, a graça provê a todos, mesmo aos ricos. Aqueles que negam tudo compreendem pelo menos que a negação é uma desgraça. Podem então tornar-se acessíveis à desgraça de outrem, negando enfim a si próprios In. CAMUS, Albert. O Homem Revoltado. Rio de Janeiro: Record, 2003. p. 185/186.

[53] Cf. VATTIMO, Gianni. Nichilismo e emanzipacione. Ética, política, diritto. Milano: Garzanti, 2003.

[54] Segue-se, neste item, a mesma trilha de desenvolvimento do niilismo-platonismo traçada por Nietzsche em “O Crepúsculo dos Ídolos” e já exposta no item 2.2.1 deste trabalho.

[55] Cf. TAMAYO, Gustavo E. Silva. Corsi e ricorsi del iusnaturalismo. Revista Persona, Número 45, de setembro de 2005. Disponível em <http://www.revistapersona.com.ar/Persona45/45Silva.htm> Acessado em 20 de Abril de 2007.

[56] AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

[57] TAMAYO, Gustavo E. Silva. Corsi e ricorsi del iusnaturalismo. Revista Persona, Número 45, de setembro de 2005. Disponível em <http://www.revistapersona.com.ar/Persona45/45Silva.htm> Acessado em 20 de Abril de 2007.

[58] Cf. VATTIMO, Gianni. Nichilismo ed emancipazione. Etica, politica, diritto. Milano, Garzanti, 2003.

[59] Cf. FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1997.

[60] O termo é utilizado por vários autores, inclusive BERKMAN-RABINOVICH. Ricardo D. Um viaje por la historia del derecho. Buenos Aires: Quorum, 2004. p. 306.

[61] PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução ao “pensamento fraco” de Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São Paulo: Loyola, 2005. p. 125.

[62] DERRIDA, Jacques. Force de loi. Apud PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução ao “pensamento fraco” de Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São Paulo: Loyola, 2005. p. 125.

[63] PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução ao “pensamento fraco” de Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São Paulo: Loyola, 2005. p. 126

[64] DERRIDA, Jacques. Force de loi. Apud PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução ao “pensamento fraco” de Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São Paulo: Loyola, 2005. p. 127.

[65] VATTIMO, Gianni. Come fare giustizia del diritto? Per uma filosofia del diritto di impianto nichilistico. Apud PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução ao “pensamento fraco” de Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São Paulo: Loyola, 2005. p. 127.

[66] Idem. Ibidem. p. 128.

[67] PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução ao “pensamento fraco” de Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São Paulo: Loyola, 2005. p. 129.

[68] Idem. Ibidem. p. 130.

[69] VATTIMO, Gianni. Come fare giustizia del diritto? Per uma filosofia del diritto di impianto nichilistico. Apud PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução ao “pensamento fraco” de Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São Paulo: Loyola, 2005. p. 131.

[70] Idem. Ibidem.

[71] Idem. Ibidem. p. 132.

[72] PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução ao “pensamento fraco” de Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São Paulo: Loyola, 2005. p. 132.

[73] VATTIMO, Gianni. Fare giustizia del diritto. Apud PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução ao “pensamento fraco” de Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São Paulo: Loyola, 2005. p. 133.

[74] Cf. HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – a Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 1997.

[75] VATTIMO, Gianni. Fare giustizia del diritto. Apud PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução ao “pensamento fraco” de Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São Paulo: Loyola, 2005. p. 133.

[76] Idem. Ibidem. p. 134.

[77] VATTIMO, Gianni. Para além da interpretação. O significado da hermenêutica para a filosofia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999, p. 9.