Niilismo Ativo e Direito na Pós-Modernidade
Lucas Villa*
Resumo
Este trabalho situa-se no
âmbito da Filosofia Geral, Filosofia Jurídica, Teoria do Direito e Hermenêutica
jurídica, tendo como objetivo analisar a relação entre o niilismo e o
pensamento pós-moderno, bem como as implicações na esfera ética, política e
jurídica de um modelo de niilismo ativo.
1. INTRODUÇÃO
Estes estudos resultam de
reflexões e pesquisas bibliográficas concernentes principalmente aos ramos da
Filosofia, Teoria do Direito, Filosofia do Direito e Hermenêutica Jurídica,
buscando compreender o fenômeno do niilismo na cultura pós-moderna, bem como
analisar suas implicações ao pensamento jurídico.
Escolhemos trabalhar
dialogando, principalmente, com três autores com quem possuímos uma certa
afinidade de pensamento, quais sejam Friedrich Nietzsche, Martin Heidegger e
Gianni Vattimo. Utilizando este plano de fundo, pretendemos não só traçar um
diagnóstico do niilismo na pós-modernidade, mas também trabalhá-lo não como
algo negativo, mas como uma esperança de liberdade e emancipação da violência
metafísica, utilizando-o como instrumento para propor paradigmas e
posicionamentos não só jurídicos, mas também éticos e políticos.
O tema parece extremamente
relevante, como ficará claro no decorrer do trabalho, dada a consumação
crescente do niilismo na contemporaneidade ocidental, o que nos obriga a
relacionar-nos com ele, buscando tirar-lhe algo que nos seja positivo. Parece
necessário tomar a sério o fenômeno niilista, e não mais negligenciar sua
existência, sob pena de corrermos o risco de sermos engolidos por ele.
Partiremos de uma análise
panorâmica do pensamento dito pós-moderno para reconhecermos nele seu viés
niilista. Estudaremos, então, o próprio niilismo, tentando compreender como
este tem se manifestado em vários períodos históricos e o que tem caracterizado
a espécie de niilismo consumado da pós-modernidade, bem como as possibilidades
que esta forma de niilismo encerra. Posteriormente aplicaremos as conclusões
tiradas a respeito do niilismo ao pensamento jurídico, buscando uma espécie de
Filosofia do Direito de cunho hermenêutico e niilista, mas com postura ativa
dentro da realidade social.
Vale lembrar que todo este
trabalho, bem como as propostas que ele inclui, refere-se às sociedades
ocidentais democráticas capitalistas de cultura cristã, não possuindo, como não
poderia ser diferente, qualquer pretensão de universalidade.
2. Panorama dos destroços: A
crise da Modernidade e o Niilismo da Pós-Modernidade
O mais incômodo dos hóspedes
instalou-se
Adentramos uma era em que a
verdade já não nos parece alcançável e os caminhos que acreditávamos levar a
ela mostram-se cada vez menos confiáveis. Religião, arte, filosofia, ciência,
em suma, o conhecimento, tem seu papel alterado, deixando de fornecer uma
explicação da realidade e tornando-se uma interpretação desta. É o fim das
verdades absolutas, o fim das certezas, como prenuncia Ilya Prigogine.
É certo que o próprio termo
“pós-modernidade” carrega consigo uma contradição interna. Etimologicamente é
impossível afirmar a existência do pós-moderno, uma vez que o moderno (do latim
hodiernus) é justamente o atual, o
hoje. Afirmar que existe um “pós-hoje” é dizer que vivemos no amanhã e,
portanto, que o amanhã não é mais o amanhã, é o hoje. Nestes termos, em uma
análise literal, o pós-moderno é, necessariamente, também moderno, enquanto
atual.
Inobstante a inadequação do
termo, que na verdade denuncia a falta de criatividade não só de quem batizou a
pós-modernidade, como também e principalmente de quem deu à modernidade este
nome, é inegável que vivenciamos um momento histórico sui generis, um período que anuncia o rompimento dos principais paradigmas
da era moderna, deixando em cheque seus grandes mitos: Deus[1],
a razão e a ciência. Em suma, a metafísica foi destronada, a verdade tirada de
alcance e o real esvaziado de qualquer sentido pré-estabelecido.
O termo “moderno” tem sido usado historicamente
para definir aquele modelo de sociedade que assumiu papel primordial a partir
dos séculos XV/XVI, ou seja, após o fim da Idade Média, e que se caracteriza
por uma laicização da cultura e uma tentativa de reordenar a realidade
econômica e política humana sob a orientação filosófica do racionalismo, tendo
em vista sempre a busca do “progresso”. A era moderna tem, portanto, início com
o Renascimento, desenvolvendo-se na chamada Idade Moderna propriamente dita e
atingindo seu auge durante o Iluminismo, no séc. XVIII. A sociedade moderna,
entretanto, não é qualquer sociedade que se manifesta neste espaço de tempo,
uma vez que dentro do mesmo rasgo histórico encontram-se sociedades em que
predominam ainda características pré-modernas, mesmo que muitas vezes
convivendo simultaneamente com aspectos considerados modernos. A sociedade
moderna, portanto, é aquela marcada pela crença na razão libertadora, pela
mudança de eixo do teocentrismo ao antropocentrismo, a sociedade que crê na
verdade, na unidade, no homem como criador de fins e na linearidade histórica
rumo ao progresso.
O primeiro grande crítico
deste modelo de sociedade moderna foi, talvez, o filósofo alemão Friedrich
Nietzsche, que vai mudar a forma de entender o conhecimento, entregando à filosofia
a função de atribuir sentidos à realidade, ou seja, criar valores, questionando
as verdades ontológicas e voltando seu martelo contra a metafísica. A respeito
da verdade, afirma Nietzsche:
“O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas,
metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram
enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo
uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são
ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram gastas e
sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em
consideração como metal, não mais como moedas”.[2]
Através do método da
genealogia, Nietzsche vai investigar as lacunas presentes nos discursos tidos
como racionais, demonstrando como determinados conceitos meramente humanos
acabaram por se ectoplasmar
É neste contexto que Nietzsche
proclama a morte de Deus, e com ela o fim das verdades absolutas, da metafísica
e da crença na linearidade histórica rumo ao progresso. É o fim da moral
universal, os valores já não existem em si, mas são criações humanas, demasiado
humanas. O bem e o mal já não existem e assim o homem se depara com a
necessidade de posicionar-se para além deles. Está lançada, sem dúvida, a crise
da modernidade.
“Se Deus não existe, então
tudo é permitido!”, é a famosa exclamação de Ivan Karamazov, personagem de
Dostoievski. Nenhuma outra proposição poderia colocar, de maneira tão clara, a
realidade complexa que representa o fim da metafísica, com sua dupla dimensão
dádiva/fardo. Após o desmoronar da metafísica e da razão, o homem encontra-se
em uma crise moral, onde não existem valores a priori e, portanto, a vida se torna destituída de um sentindo
pré-determinado. Surge para a humanidade a necessidade de confrontar-se com o
nada e assim o Niilismo torna-se objeto de uma reflexão cada vez mais
necessária.
Outras figuras importantes no
pensamento ocidental irão contribuir para esta crise da razão moderna. Entre
elas Sigmund Freud, com a psicanálise, ao afirmar categoricamente que o fator
determinante da psique humana não é a racionalidade, mas o inconsciente,
caótico, irracional e fora de domínio. Michel Foucault inverterá a relação
entre saber e poder colocada durante o Iluminismo. Não mais se acreditará, como
na época das luzes, que o conhecimento leva necessariamente ao progresso e ao
poder, mas, por vias inversas, é aquele que detém o poder que vai construir o
conhecimento e ditar, arbitrariamente, o que é a verdade, a fim de legitimar
seu próprio poder. Nos termos de Marx, em Foucault a verdade também deixa de
ser uma verdade universal para ser a verdade de uma classe ou de um grupo de
poder. O poder produz o saber, não mais o inverso. A fenomenologia de Edmund
Husserl e Martin Heidegger, fazendo vezes de ontologia crítica, mostrará que a
verdade já não se encontra no objeto em si, como pretendiam os ontológicos
clássicos, nem no sujeito que o apreende, como pretendem os subjetivistas
românticos, mas no próprio fenômeno de compreensão. A verdade passa a ser a
própria relação sujeito-objeto, ou seja, a interação entre o objeto e a imagem
que o sujeito constrói a partir do material que este objeto lhe fornece (envia)
e que ele apreende através dos sentidos. Uma relativização, portanto, do
conhecimento, mesmo do conhecimento sensorial.
Ademais, Heidegger, bem como
os existencialistas que seguiram suas pegadas (e aí é fundamental situar
Jean-Paul Sartre, Merlaeu Ponty, Albert Camus...), vai se deparar com o
problema do sentido da existência, frente ao fim da metafísica. Negada a
existência de Deus e de qualquer além-mundo de natureza transcendental, a morte
torna-se um escândalo absurdo que parece, à primeira vista, tirar toda a
coerência do ser.
A influência de pensadores
como Nietzsche e Heidegger vai marcar a crítica à modernidade, tornando-a
presente em uma série de outros pensadores contemporâneos, como os estudiosos
da Hermenêutica (mormente Dilthey e Gadamer), aqueles da chamada Escola de
Frankfurt (com suas Teorias Críticas), os representantes do desconstrucionismo
pós-estruturalista, encabeçados por Jaques Derrida, e o chamado pensiero debole (pensamento fraco
As artes foram igualmente
abaladas pela chamada crise da representação. Quando se torna ao homem
impossível emitir juízos de valor, a questão estética torna-se ainda mais
subjetiva e reina, também entre os artistas, a lei do “tudo é permitido”.
E não foram só a Filosofia e
as Artes que sofreram o impacto disto que, por falta de termo mais adequado,
chamaremos pós-modernidade. Também as ciências vivem um momento sem precedentes
neste contexto. A objetividade parece ter sido posta por terra, de maneira que
vivemos atualmente um processo de relativização até mesmo das Ciências
Naturais. Karl Popper vai defender a falseabilidade como atributo intrínseco do
conhecimento científico. Qualquer teoria científica tida em determinado momento
histórico como verdadeira está sujeita a tornar-se falsa. Thomas Kuhn falará da
revolução dos paradigmas dentro das ciências, Paul Feyerabend fará seu discurso
contra o método, sugerindo que o rigor dos métodos científicos, em muitos
casos, impede o progresso da ciência, e pensadores como Edgar Morin e Ilya
Prigogine defenderão uma teoria dos sistemas que enfrente a hipercomplexidade
do real, que não apele para uma razão simplificadora e que perceba como todas
as teorias, tanto nas ciências naturais como nas sociais, carregam em si princípios
de auto-destruição (entropia), auto-complementação (autopoiesis) e auto-criação (ecologia). Surge a chamada
Epistemologia da Complexidade.
Planta-se, portanto, uma
crise, também, do positivismo e do modelo de Ciência inspirado nas ciências
naturais e sustentado pela objetividade, experimentação, método rigoroso,
comprovação e certeza. Um dos grandes marcos para a crise do modelo tradicional
das ciências naturais foi a Teoria da Incerteza, do Físico alemão Werner Karl
Heisenberg. Tentando compreender e prever o comportamento dos elétrons no
interior de um átomo, Heisenberg descobriu que era impossível determinar com
exatidão a posição de um elétron, já que ele, de forma imprevisível, ora se
comportam como partícula, ora como onda. A partir disto, inferiu que é impossível medir
simultaneamente e com precisão absoluta, a posição e a velocidade de uma
partícula qualquer, ou seja, a determinação conjunta do momento e posição de
uma partícula, necessariamente, contém erros (nunca menores que a constante de Planck). Em nível macroscópico
esses erros podem ser despresíveis, mas para o estudo de partículas atômicas
são de suma importância. Junto
com as descobertas de Planck, este foi um dos marcos iniciais do surgimento da
Mecânica Quântica, que, até então incompatível com os modelos da física
Newtoniana e com a Teoria da Relatividade Geral de Einstein, fez com que a
física deixasse de ser uma ciência das verdades para tornar-se uma ciência das
possibilidades.
Trabalhar com eventos
aparentemente aleatórios, enfrentando a complexidade e a fragmentariedade do
real, deixando de encontrar certezas e passando a cada vez mais catalogar
possibilidades parece ser o grande desafio deste novo modelo de ciência que
surge com a pós-modernidade e que atinge mesmo a mais pura das ciências
naturais: a matemática.
As chamadas Teorias do Caos,
que se desenvolveram na área da matemática a partir de pesquisas realizadas
pelo meteorologista Edward Lorenz (e aqui se faz presente outra característica
típica da pós-modernidade, que é a multidisciplinaridade), tentam trabalhar com
sistemas complexos, dinâmicos e aparentemente aleatórios, buscando encontrar
padrões de linearidade nestes fenômenos e prever as possíveis conseqüências
deles. É célebre a assertiva de Lorenz sobre o chamado “efeito borboleta”, que
afirma que o bater de asas de uma borboleta em um lado do globo pode
desencadear uma reação que acabe gerando um furacão do outro lado do globo. Ainda
na área da matemática, é também sintomático o caso da Teoria dos Jogos, que
igualmente trabalha com a idéia de prever fenômenos aparentemente aleatórios e
chegando a ter aplicações práticas, sendo a mais famosa delas a Teoria dos
Jogos aplicada à Economia, que teve seu grande expoente em John Nash.
Também o estudo dos fractais,
que seriam figuras não geométricas aparentemente caóticas (ou figuras
geométricas não-euclidianas), buscando encontrar neles padrões de repetição, é
outro marco desta nova matemática que se abre ao contexto da incerteza. Questão
mais curiosa é, entretanto, a do “Paradoxo de Banach-Tarski”. Estes estudiosos
comprovaram matematicamente a possibilidade de se dividir uma esfera sólida
tridimensional em um número finito de pedaços (mais precisamente em cinco
partes) e, com esses pedaços, construir duas novas esferas de dimensões
idênticas à original. Foi a mais clara prova de que mesmo a mais pura das
ciências, a matemática, não traz uma descrição real dos fenômenos, já que o
feito que os matemáticos demonstraram através de cálculos atinge um resultado
completamente contra-intuitivo, sendo algo impossível de ser concretizado na
realidade (é como imaginar a possibilidade milagrosa de um indivíduo
transformar uma única laranja em duas laranjas idênticas)[3].
Não seria a Ciência Jurídica
que permaneceria ilesa a este cataclismo cultural. Também as Teorias do Direito
tradicionais mostram-se, agora, abaladas diante da crise do pensamento moderno.
A morte de Deus e da metafísica implicam, também, na morte do Direito Natural
(o que não impede que existam ainda tentativas verdadeiramente heróicas de
reanimá-lo). Com a crise da moral e a relativização de todos os valores,
tornou-se impossível falar em direitos naturais universais, imutáveis no espaço
e no tempo[4].
Isto significa, também, colocar por terra a universalidade dos Direitos
Humanos, fazendo com que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, um dos
maiores obeliscos culturais erguidos em honra à modernidade, já não seja vista
como tão universal.
O modelo juspositivista,
fundamentado basicamente na legitimidade de uma autoridade competente para
ditar o que é o direito, cai por terra a partir do momento que já não existem
critérios para atestar a legitimidade de qualquer poder. A alternativa moderna
do contrato social, para o pensamento pós-moderno, já se mostra muito mais
racionalizadora que propriamente racional – desmorona, portanto, outro dos
grandes monumentos construídos pela modernidade: a idéia de Estado Nacional.
Ademais, tanto o juspositivismo como sua variante do realismo jurídico (e aí se
incluem ambas as vertentes, americana e escandinava) pecam diante da
complexidade do real, tentando reduzir a hipercomplexidade do fenômeno jurídico
a um único de seus elementos (a norma, no caso do juspositivismo, e o fato, no
caso do realismo jurídico). Resta, então, mais um problema: como pensar o
Direito neste contexto esquizofrênico em que nada é válido e, conseqüentemente,
tudo é válido?
A própria vida em sociedade
tem mudado
Este cão feroz invadiu nossa
morada. O mais inquietante dos hóspedes, como o definia Nietzsche. Ele existe,
e não podemos negá-lo por medo de encará-lo. Diante do filhote de fera que é o
Niilismo pós-moderno, restam-nos duas opções: a) enganarmo-nos uns aos outros,
para nos tranqüilizarmos com uma racionalização simplificadora que negue sua
existência, até que ele cresça, invada nossos cômodos e destrua a nós e a quem
amamos; b) ou abraçar este animal arisco em toda a sua complexidade, enquanto
ainda é uma criança, assumir sua existência e dedicar-se a ele na tentativa de
domesticá-lo, para que possamos conviver com ele, afeiçoar-nos a ele e,
inclusive, tirar dele algum proveito, fazendo-o guardião de nossa morada.
Domesticar o Niilismo pós-moderno, antes que ele nos abocanhe: este parece ser o
grande desafio lançado para as inteligências da contemporaneidade.
Basta de negar a
pós-modernidade. É preciso coragem para encará-la em toda sua complexidade e
fragmentação, coragem para mergulhar no coração do nada e retornar de lá
trazendo em mãos alguma coisa que brilhe.
3.
NIILISMO: O QUE É, O QUE NÃO É E O QUE PODE SER
Conceituar é, necessariamente,
simplificar e, conseqüentemente, reduzir e falsear o real. Conceitos são sempre
arbitrários, são sempre contingências, uma vez que as coisas, por si mesmas,
não possuem conceitos nem limites previamente determinados. Saussure, no âmbito
da lingüística, e Derrida, com seu método desconstrutivo, já nos diziam que os
signos não têm relação direta alguma com os significados nem com os
significantes (e que estes não possuem relação entre si ou com os referentes).
Neste sentido nos parece impossível afirmar, categoricamente, o que é e o que
não é o niilismo. Mais frutífero, talvez, seja tentar demonstrar o que pode ser
o niilismo, mostrando como este tem sido encarado durante a história do
pensamento e, com base nesse catálogo de possibilidades, escolher uma destas
acepções para sugerir o que, em nossa visão, deveria ser (ou se tornar) este niilismo.
Quanto mais fechado é um
conceito, mais arbitrário ele se torna e, também, mais reducionista e
simplificador. Se muito amplo, entretanto, o conceito se esvazia de conteúdo,
podendo ser manipulado de várias maneiras diferentes e, assim, se tornando
menos prático e significativo. O termo niilismo parece um exemplo sintomático
de conceito distendido que, tendo se ampliado historicamente a ponto de abarcar
praticamente todo o real (e também o irreal), passou a, efetivamente, não
significar mais coisa alguma.
De início, entre as tantas
acepções da palavra, pode ser esclarecedor partir de seu significado literal.
Niilismo deriva do latim nihil, que
significa nada. Observando o significado dicionaresco do termo já percebemos
quantas acepções este pode possuir, senão vejamos:
“Niilismo, s. m. (filos.) aniquilamento, redução a nada. / Ausência de
toda a crença. / Nome dado por alguns críticos ao idealismo absoluto. /
Doutrina política segundo a qual as condições apresentadas pela organização
social são tão más que justificam a sua destruição, independentemente de
qualquer programa construtivo. / Nome que por vezes se dá ao terrorismo ou à
propaganda revolucionária. / F. lat. Nihil (nada)”.[5]
É comum, também, a definição
de niilismo como “todo questionamento do valor-verdade”[6].
Neste sentido, que parece o mais empregado e aceito, o niilismo seria o
posicionamento epistemológico que nega a possibilidade de se atingir verdades
absolutas. Desta forma, volta-se contra alguns pilares do pensamento ocidental,
como o racionalismo, a metafísica, a religião e até mesmo a ciência.
Costuma-se afirmar que o termo
teria sido cunhado nos anos 1860, pelo escritor russo Turgeniev, em seu romance
“Pais e Filhos”[7].
Bazarov, o protagonista da trama, seria a personificação do niilista.
A idéia de niilismo,
entretanto, mostra-se bem mais antiga que a palavra. É comum atribuir-se o
título de primeiro niilista da história do pensamento ocidental a Górgias,
famoso sofista nascido em Leontinos, na Sicília, por volta de 485/480 a.C.[9]
É célebre a afirmação de Górgias de que a verdade não existe, ainda que
existisse, jamais poderia ser alcançada, ainda que fosse alcançada, jamais
poderia ser expressa em palavras e que, ainda que pudesse ser expressa, jamais
poderia ser compreendida por um interlocutor. Uma postura, portanto, de
niilismo epistemológico extremo (que o possibilitou desenvolver todo seu
conceito de retórica e de verdades construídas através do discurso persuasivo).
Em Górgias, também, pela primeira vez, a noção de niilismo aparece atrelada à
idéia de ateísmo. O relativismo agnóstico de Protágoras, que o leva a construir
seu método da antilogia (não existiria uma só verdade sobre os objetos, mas
duas verdades opostas e igualmente sustentáveis através do discurso) e a
afirmar que “o homem é a medida de todas as coisas”, se extrema em Górgias com
a própria negação da existência dos deuses e, portanto, com a impossibilidade
da existência de qualquer verdade ontológica última. Assim é possível dizer
que, em suas origens, o niilismo é uma espécie de relativismo extremado. O
conflito entre Sócrates (o defensor das verdades últimas) e os sofistas
(descrentes nas verdades universais) parece marcado da mesma essência do
conflito entre racionalismo e niilismo e, em última instância, entre os
discursos da modernidade e da pós-modernidade.
Na Rússia de Turgueniev, entretanto,
no século XIX, o niilismo pareceu, pela primeira vez, tomar a forma de uma
teoria e se propagar em diversos meios, inclusive na política. Assim, partindo
de pensamentos como os de Pisarev, surge o que poderíamos denominar
“anarco-niilismo”, o niilismo político que perpassa o anarquismo russo de
Bakunin, Kropotkin, Nechaiev, e que levanta a descrença em todos os modelos
políticos organizados.
O grande analista do niilismo
na Rússia, no entanto, parece ser Dostoievski. Romances como “Os Irmãos
Karamazov”, “Os Demônios” e “Crime e Castigo”, em rasgos de genialidade,
dissecam a fisiologia do niilismo e mergulham sem receios no coração do nada. A
Dostoievski podemos considerar como um dos maiores popularizadores do niilismo.
O maior destes
popularizadores, entretanto, parece ser o filósofo alemão Friedrich Nietzsche,
que devotou grande parte de sua obra a analisar o fenômeno niilista e a
distinguir suas várias nuances. Não parece coincidência que a ele se atribua,
também, o início das críticas à modernidade que desembocariam no que hoje
conhecemos como o discurso pós-moderno.
Nietzsche, que descreveu o
niilismo como “o hóspede mais inquietante”, em um de seus fragmentos póstumos
assim define o termo:
“Niilismo: falta o fim; falta a resposta ao “para quê?”; que significa
niilismo? Que os valores supremos se desvalorizaram”.[10]
A falta de valores
referenciais, a falta do eixo arquimediano e a ausência total de finalidade do
devir, é, portanto, para Nietzsche, o cerne do fenômeno do niilismo, que ele,
profeticamente, prevê como o fenômeno que marcaria os próximos dois séculos
(para ele, os séculos XX e XXI).
É difícil refutar a profecia
nietzscheana se encararmos a curva que tem descrito o pensamento ocidental
desde o século XX. O niilismo foi, realmente, tema que permeou de maneira
decisiva o pensamento de alguns dos maiores intelectuais destes tempos,
inclusive profundamente influenciados pela obra de Nietzsche, senão vejamos a
obra de filósofos como Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, Michel Foucault e,
mais recentemente, Jacques Derrida, Richard Rorty e Gianni Vattimo.
Assim, seria possível destacar
um núcleo que parece se manter constante nas utilizações do termo niilismo
durante a história e esboçar, talvez, uma possível definição de niilismo como a
postura epistemológica que nega a possibilidade de se atingir verdades últimas
e absolutas, que nega as certezas, que retira da existência qualquer sentido e
finalidade pré-determinados, qualquer essência a ser desvendada.
Este termo, entretanto, tem
sido comumente utilizado por intelectuais como forma de polemizar e atacar o
pensamento de seus adversários, de maneira que a palavra “niilista” tornou-se, em
qualquer meio acadêmico, verdadeiramente um insulto contra aqueles que se
fundamentam no vazio e não conseguem propor qualquer solução às problemáticas
do real. Os “niilistas” são, assim, acusados de adotar posturas passivas,
conformistas, desencantadas e pessimistas ante a realidade, desenvolvendo
pensamentos inférteis, incapazes de trazer qualquer contribuição à interação
humana com a realidade. A mesma crítica, mais uma vez vale ressaltar, costuma
ser feita aos autores considerados “pós-modernos”.
Nem todo niilismo, todavia, é
um niilismo passivo, nihil negativum.
É possível falar de um niilismo positivo, afirmativo ou, como prefere
Nietzsche, um niilismo ativo, transformador da realidade. Para compreender esta
postura pode ser esclarecedor um breve passeio sobre as formas de niilismo que
Nietzsche nos descreve em sua obra.
3.2.
Nietzsche e as formas de Niilismo
3.2.1. Do platonismo ao niilismo: a
evolução do niilismo-platonismo
De acordo com Nietzsche, o
processo de desvalorização dos supremos valores, ou seja, a evolução do
niilismo, caracteriza toda a história do pensamento europeu e, por conseguinte,
do pensamento ocidental. O início deste niilismo, que nada mais seria que uma
lógica da decadência, se encontra, segundo o filósofo, na doutrina dos mundos
advinda do pensamento socrático e, principalmente, platônico. Iniciaria-se a
decadência quando o homem cria, acima do mundo sensível (e em contraposição a
ele), um mundo ideal, transcendente, “verdadeiro” (o Hiperurânio platônico),
atingível somente pela razão e de cujas formas os sentidos só nos permitem
visualizar cópias imperfeitas. Quando o mundo verdadeiro se torna mundo
inatingível, inalcançável, promove-se, necessariamente, uma mutilação
ontológica, um enfraquecimento do ser e de seu valor. O idealismo platônico
seria, portanto, um sopro venenoso que seduz o homem direcionando-o ao
inalcançável e, portanto, ao nada. Assim Nietzsche coloca que “o niilismo é o
que do mundo tal qual é julga que não deveria ser, e do mundo tal qual deveria
ser julga que não existe”[11].
A este primeiro niilismo, que
converte o mundo verdadeiro
Na primeira fase deste
desenvolvimento, o mundo verdadeiro é “alcançável pelo sábio, pelo piedoso,
pelo virtuoso: ele vive ali, ele mesmo é este mundo”[12].
Esta seria a etapa do pensamento de Platão, que nos conta da existência de um
Hiperurânio, um mundo supra-sensível, verdadeiro, mas que não é ainda
inatingível: está ao alcance dos sábios, que podem conhecê-lo através da razão
e da virtude.
A segunda fase seria aquela em
que o mundo verdadeiro deixa de estar ao alcance do sábio e virtuoso e se
transforma em uma promessa para o além-túmulo - “o mundo verdadeiro, por
enquanto inalcançável, mas prometido ao sábio, ao piedoso, ao virtuoso (ao
pecador que faz penitência)”[13].
Nesta etapa se encontraria a apropriação feita pelo cristianismo do pensamento
platônico. O mundo das idéias toma as formas do paraíso, o Hiperurânio é o
jardim do Éden e a existência terrena torna-se apenas aparência, sala de espera
para a vida verdadeira do além-mundo. Pensamento que, segundo Nietzsche, se
mostra extremamente pernicioso, levando o homem a uma desvalorização da vida, a
uma bipartição entre mundo ideal e mundo sensível, mundo verdadeiro e mundo
aparente, com uma desvalorização do mundo sensível em detrimento de um mundo
das idéias que não existe senão como idéia, uma opção pelo nada em detrimento
das coisas, pela morte em detrimento da vida. O platonismo, acessível
anteriormente apenas aos sábios, agora se torna platonismo para o povo
(cristianismo), doutrina de negação da vida e dos sentidos que torna a
purificação acessível a qualquer um que a abrace. Aí se encontra a raiz daquele
ódio à vida ao qual Nietzsche declara guerra em toda sua obra.
A terceira fase do
niilismo-platonismo é aquela do “mundo verdadeiro inalcançável, indemonstrável,
impossível de prometer, mas já enquanto pensado, um consolo, um dever, um
imperativo”[14]. É a
etapa da filosofia kantiana, em que o mundo verdadeiro desliza para fora da
experiência sensível e cognoscível, se torna inacessível dentro dos limites da
razão pura, mas torna-se imperativo categórico nos domínios da razão prática. É
a hipótese que obriga, o agarrar-se ao phaenoumenon,
aceitando a impossibilidade do noumenon.
Quarta fase: “O mundo
verdadeiro: inalcançável? Em todo caso, não alcançado. E enquanto não
alcançado, também desconhecido. Por conseqüência, tampouco consolador,
salvífico, vinculante: a que poderia vincular-nos algo desconhecido?”[15].
Este quarto capítulo da história do niilismo faria referência ao pensamento
positivista. Kant haveria promovido um abalo das certezas metafísicas e, por
conseqüência disto, abala-se também a crença em um mundo ideal, fazendo crer
que, ao contrário do que pretendia o pensamento kantiano, aquilo que não é
certo jamais nos pode vincular a coisa alguma. É a decadência do próprio
niilismo-platonismo. Já que o mundo verdadeiro se mostra incognoscível, as
ciências passam a voltar-se ao mundo sensível, a uma busca de verdades
terrenas. Os problemas metafísicos tornam-se indiferentes. Neste ponto as
ciências naturais alcançam seu status de
ciências completas, tornam-se o modelo de conhecimento válido, confiável, já
que passível de comprovação empírica.
Fase cinco: “O ‘mundo
verdadeiro’: uma idéia que já não é útil para nada, nem sequer é já vinculante,
uma idéia que se torna inútil e supérflua, portanto, uma idéia refutada:
abolamos-la!”[16]. Aqui
Nietzsche começa a demonstrar já seu próprio pensamento. O termo “mundo
verdadeiro”, a partir desta fase, passa a ser utilizado entre aspas. A
indiferença à metafísica da quarta fase aqui se torna vontade de destruição. É
necessário abolir o “mundo verdadeiro”, idéia inútil que distancia o homem do
mundo aparente (sensível), que o faz trocar as coisas pelo nada. O “mundo
verdadeiro” só serve para desencadear o ódio à vida. Surge a necessidade
iconoclasta de destruir o santuário metafísico. O “mundo verdadeiro” deixa de
ser verdadeiro.
Sexta e última fase: “Abolimos
ao mundo verdadeiro: que mundo resta? Quiçá o aparente? (...) Mas não! Com o
mundo verdadeiro temos abolido também o aparente”[17].
Aqui, uma vez abolido o “mundo verdadeiro”, mostra-se necessária, dentro de um
niilismo radical que teria como fim a própria superação do niilismo-platonismo,
também a abolição do mundo aparente. Mas como superar o niilismo se, dentro da
dicotomia platônica, abolirmos tanto o “mundo verdadeiro” quanto o “mundo
aparente”? Se este fosse o objetivo, restaria somente o nada e seria impossível
uma superação do niilismo-platonismo como parece sugerir Nietzsche. Quando o
filósofo fala em abolir o mundo aparente, entretanto, quer dizer abolir o mundo
aparente como tal, tirar dele o caráter de aparência. É o fim da dicotomia
platônica dos dois mundos, a necessidade de tirar do mundo sensível o caráter
de mera aparência que lhe concedeu o platonismo, resolver o mal entendido
platônico e tratar de nova maneira a relação entre sensível e não sensível.
Abolido o mundo das idéias e o mundo das aparências, finalizada a bipartição do
real, restaria apenas o mundo terreno, com o qual o homem precisaria se
reconciliar. Esta é a filosofia final nietzscheana, o pensamento do meio dia de
Zaratustra: a transvaloração de todos os valores. Não se trata apenas,
entretanto, de ter os valores do antigo “mundo verdadeiro” trocados pelos de um
novo mundo verdadeiro (antes relegado à condição subalterna de aparência). Não
apenas fazer passar a ser bom, agora, aquilo que exalta a vida, não mais aquilo
que nega a vida em detrimento do além-vida, do além-túmulo agora já demolido.
Não falamos apenas em pôr acima o que antes abaixo estava e vice e versa,
valorizando o sensível e depreciando o não sensível. Falamos, para além dessa
interpretação simplificadora do pensamento nietzscheano, em sair integralmente
do horizonte do platonismo-niilismo, ou, como nos coloca
A superação da dicotomia entre
mundo verdadeiro e mundo aparente do platonismo, entretanto, para que se torne
possível o niilismo consumado, parece ter de ser, necessariamente, Überwindug, superação com abandono das
estruturas. O trabalho do niilista ativo que pretende acelerar a consumação do
niilismo é, acima de tudo, o trabalho de exorcista, trabalho daquele que
pretende expulsar e afugentar o fantasma de Platão.
Por contraditório que pareça,
todas estas fases do niilismo parecem provenientes de uma mesma vontade de
verdade, um desejo de dar explicações ao mundo e atribuir sentidos à
existência. É essa vontade de verdade que faz o homem criar os mitos, os
deuses, o “mundo verdadeiro”, o paraíso, para ter alguma verdade a se agarrar.
É esta mesma vontade de verdade, entretanto, que faz também o homem dar-se por
insatisfeito com as pseudoverdades que cria e o leva, através da razão, a
destruir os mitos, os deuses, os “mundos verdadeiros”, os paraísos por ele
mesmo criados, a fazer da razão instrumento da verdade, possibilitando o
surgimento do racionalismo da modernidade.
Esta mesma vontade de verdade,
todavia, obriga-nos a questionar a razão e perceber que ela também não é
suficiente para atingir a verdade objetiva pretendida. É a mesma vontade de
verdade que leva o homem a perceber a intangibilidade da verdade e, em última
instância, sua inexistência. É esta vontade de verdade, também, que o leva a,
percebendo que a verdade não existe, angustiar-se diante da falta de sentido da
existência, entregando-se a um niilismo reativo (passivo), vegetativo e
nostálgico da metafísica ou a um niilismo ativo e consumado. Assim, desta
complexa relação (uma relação de certo modo até dialética) entre vontade de
verdade e ausência de verdade surgem as várias formas de niilismo das quais
Nietzsche nos fala, principalmente, em seus fragmentos póstumos, e a consumação
do niilismo, o niilismo perfeito, seria o ultrapassamento desta vontade de
verdade forte.
3.2.2. Niilismo incompleto e niilismo
consumado
Nietzsche entendia por niilismo incompleto aquela forma de
niilismo que se impõe como um “estado psicológico” voltado a uma desvalorização
e dissolução dos valores tradicionais tidos como supremos, mas que põe, no
lugar dos antigos valores, novos valores que possuem a mesma carga metafísica,
o mesmo caráter supra-sensível, ideal, a pretensão de fundamento, fundação, Grund, verdade última. Nesta forma de
niilismo, a dicotomia platônica entre mundo verdadeiro e mundo aparente ainda
não se mostra superada, existe ainda uma fé na verdade, que apenas volta seu
foco para novos valores. Nesta perspectiva, podemos afirmar que positivismo,
cientificismo, naturalismo, mecanicismo, racionalismo, mostram-se como
niilismos incompletos, que trocam de ídolo, mas mantém o culto. Assim também,
na esfera política, com o nacionalismo, socialismo, anarquismo, chauvinismo,
democratismo, etc...
Somente com o amadurecimento
do niilismo, portanto com um niilismo
completo, que exorcize definitivamente o fantasma de Platão e seus espectros,
é possível desconstruir não somente os velhos valores metafísicos, mas também o
lugar que eles ocupavam, ou seja, a ilusão do “mundo verdadeiro”. Este niilismo
completo, no entanto, será inicialmente um niilismo
passivo, um estado de decadência de poder ocasionado pela nostalgia da
perda da verdade e da fundação/fundamento. O niilista passivo é aquele tomado
pela angústia heideggeriana, pela náusea sartreana diante da falta de sentido
da existência, pelo sentimento de absurdo do qual nos fala Albert Camus, mas
incapaz de contornar este abismo. O homem absurdo camusiano, descrito de
maneira soberba em “O Mito de Sísifo” e tão bem posto em movimento no
personagem de Merseault no romance “O Estrangeiro” (e também no Roquentin
sartreano de “A Náusea”), sente-se vazio, incapaz de fazer escolhas, já que não
mais possui um fundamento último, já que percebe que qualquer escolha se
dissolve em igual falta de sentido. Perde o interesse pela vida, passa a agir
mecanicamente e movido por uma espécie de “ética da quantidade”[20],
já que não há critérios para julgar a qualidade de suas ações. Seria, como nos
coloca
Já o maturar do niilismo
completo poderá tirá-lo deste estágio de apatia e torná-lo em niilismo ativo, ou seja, em “incremento
da vontade de poder” que se volta para a aceleração do processo de destruição
dos antigos valores, sem nostalgia e passividade. Nietzsche denomina niilismo extremo este niilismo ativo
que sustenta que “toda fé, todo verdadeiro é necessariamente falso”.
Quando o niilismo abandona seu
aspecto meramente negativo e abre novamente uma possibilidade de afirmação,
supera sua própria incompletude e torna-se niilismo
consumado, niilismo perfeito,
aquele niilismo que Nietzsche reivindica para si quando se auto-intitula “o
primeiro niilista perfeito da Europa, que, sem dúvida, tem visto já em si o
niilismo em seu mais profundo, que o tem atrás de si, debaixo de si, fora de
si”[21].
Percebe-se, portanto, que a “superação” do niilismo não é, em si,
verdadeiramente superação, mas ultrapassamento sem abandono, é um eterno
“remeter-se a”, uma “torção”, “distorção”, “mergulhar-em”, ou, utilizando
novamente a terminologia heideggeriana, é Verwindung,
e não Überwindung. O niilista
consumado é aquele que consegue agir e construir sem deixar de assumir o
niilismo, o que consegue atuar de maneira positiva mesmo após ter exorcizado completamente
de si o fantasma de Platão. Este niilismo ativo e consumado parece se tornar
mais “dizível” (no sentido que Foucault adota para o termo) do que nunca no
cenário pós-moderno e é justamente a forma de niilismo que se nos apresenta,
conforme
3.3. A morte de Deus e o
niilismo consumado na era pós-moderna
O problema do niilismo
consumado parece remontar, necessariamente, ao problema da existência ou não de
Deus. Não é à toa que
Crer ou não em Deus não é um
problema indiferente ao qual nos possamos dar ao luxo de não tomar posição. Uma
existência autêntica, no sentido heideggeriano do termo, exige uma tomada de
decisão, exige esta que, de todas, é a mais arriscada das apostas.
Aposta porque é impossível
afirmar com exatidão se Deus existe ou não (e nesse sentido é desaconselhável
alimentar um pensamento forte sobre o tema). O ateísmo coerente não é,
absolutamente, a certeza da inexistência de Deus. Assim como o crente não pode
ter certeza sobre a existência do ser supremo, também o ateu não pode pretender
que sua falta de fé seja um saber. Vejamos o que, a este respeito, nos
esclarece Comte-Sponville:
“Si encontráis a alguien que os diga: ‘Yo sé que Dios no
existe’, no se trata de un ateo, sino de un imbécil. Y lo mismo sucede, desde
mi punto de vista, si encontráis a alguien que os diga: ‘Yo sé que Dios
existe’. Es un imbécil que confunde su fé com un saber”[23].
Assim, não sendo uma certeza,
crer ou não em Deus mostra-se como uma aposta. Existem as duas opções, duas
possibilidades, e cabe a cada um fazer sua escolha por aquela que entende ser
mais provável. Não crer em Deus, portanto, também é um problema de fé (crer que
Deus não existe), não uma verdade última. Abster-se de apostar, entretanto, é
aceitar uma existência mecânica, inautêntica, sem reflexão, na qual não se
possui uma perspectiva (ainda que fraca) que lhe permita se posicionar ante o mundo.
Isso porque se Deus existe, existe a verdade última, os valores últimos, e é
extremamente urgente que o homem se porte de acordo com eles. Se Deus não
existe, entretanto, os valores últimos estão desvalorizados, a existência
carece de fundamento e finalidade, “tudo é permitido”, como exclamava Ivan
Karamazov.
A mudança de eixo promovida
pela modernidade, que fez a cultura ocidental migrar do teocentrismo
pré-moderno ao antropocentrismo, iniciou este enfraquecimento de Deus e,
conseqüentemente, da metafísica e da verdade. A morte de Deus não é, portanto,
um fenômeno abrupto e puramente pós-moderno. O próprio projeto moderno foi
responsável pelo deicídio, a pós-modernidade se encarrega apenas de encontrar o
cadáver de Deus e promover seus ritos funerais (parece que só agora o odor da
decomposição se alastra pelas ruas das grandes metrópoles pós-industriais e
passa a incomodar o cidadão comum).
Conforme nos esclarece Zygmunt
Bauman, a vida dos homens e mulheres pré-modernos continha pouca incerteza[24].
A religiosidade que perpassava toda a cultura trazia consigo um pacote de
certezas e verdades que poderiam guiar a vida dos homens. A única janela
possível para algum anúncio de incerteza se encontrava na morte, a vida antes
da morte era uma vida de certezas.
Com a modernidade, entretanto,
deu-se a secularização da cultura, a laicização das instituições, o escorregar
do homem ao centro e, conseqüentemente, o esquecimento de Deus. Os valores
modernos, entretanto, permaneceram os mesmos valores supremos de origem
judaico-cristã e seus fundamentos, em regra, não costumavam ser questionados,
se tornam auto-suficientes. Surge, portanto, como bem colocou Sartre, “un certain type de morale laïque qui
voudrait supprimer Dieu avec le moins de frais possible”[25],
deixando a incerteza ainda pouco presente na vida do homem moderno, que
acreditava no poder libertador da razão, no curso histórico em direção ao
progresso e no próprio valor a priori dos
antigos valores. A verdade racional era sua certeza. Deus já estava morto, mas
o homem ainda não estava livre.
Com o advento da sociedade
pós-industrial, algumas novas características passaram a ser incorporadas pelos
homens, desembocando no modelo de homem pós-moderno individualista, hedonista e
narcisista. O sujeito se fragmenta ante a hipercomplexidade do real, passa a
ser acossado pela hiper-informação, a ação intensa dos mídia, a velocidade dos
meios de transporte e comunicação, a agitação das grandes metrópoles, o desejo
irrefreado de consumo, o culto exacerbado do trabalho, dos simulacros e da
auto-imagem, as pequenas práticas do dia-a-dia, a burocracia, a tecnociência, a
loucura da vida pós-moderna e do capitalismo tardio. Somem os grandes ideais,
as certezas, crenças, causas sociais. “Os valores foram trocados pelo modismo,
os ideais pelo ritmo cotidiano. Saturado de consumo e informação, ele (o
sujeito) encosta no conformismo refletindo a famosa apatia pós-moderna”[26].
A alienação de uma sociedade baseada no valor de troca faz com que restem ao
indivíduo, em regra, duas possibilidades: adotar a postura da “criança alegre”,
que ingenuamente segue sua vida maravilhada pelas luzes e cores, pelo movimento
e as rápidas transformações do ambiente e da tecnologia, sem se questionar a
respeito do sentido desta realidade, empurrado pelas práticas involuntárias do
cotidiano e agindo em uma espécie de niilismo ativo incompleto; ou abraçar a
postura do “andróide melancólico”, desgostoso com a falta de sentido de sua
realidade, angustiado com a falta de certezas e de verdades, descontente com a
sobrecarga de informações que é incapaz de assimilar, nauseado pela velocidade
das transformações que é incapaz de acompanhar, desiludido com os ideais e as
grandes causas, que já não vê sentido para agir, não vê critério que o
possibilite fazer escolhas, e assim mergulha no nihil negativum, no niilismo passivo e incompleto[27].
De qualquer maneira, as
ocupações mundanas e as preocupações do cotidiano são tantas e se apresentam
tão vertiginosamente, que em qualquer das opções o indivíduo é levado a
vivenciar o dia-a-dia sem refletir, mergulhado na prática e sem tempo para se
questionar a respeito de problemas teóricos e fundamentadores. Some, assim, do
cotidiano do sujeito pós-moderno, problemas como o de Deus, da morte ou da
verdade. O homem se torna o Mechanical
Animal denunciado por Marilyn Manson (figura que, poderíamos dizer, encarna
a própria pós-modernidade – vestida em trapos e com feições extremamente
niilistas), não faz mais suas escolhas, é escolhido por elas despercebidamente
(“I don’t like the drugs, but the drugs
like me”, canta Manson). O tempo livre é tempo de agir, não de pensar. É
tempo de experimentar, não de conhecer – assim pensa o hedonista pós-moderno,
que tem como maior pavor a possibilidade de desperdiçar uma experiência, perder
uma oportunidade, deixar escorrer uma sensação. Não há tempo para preocupar-se
com a verdade, “a experiência pós-moderna da verdade (...) é uma experiência
estética e retórica”[28],
como afirma Vattimo.
Sem tempo para a verdade, sem
tempo para Deus (verdade última). Assim as grandes religiões do ocidente perdem
espaço para as pequenas seitas religiosas que, mais que doutrinas metafísicas,
são religiões personalizadas que oferecem ajuda ao homem, este homem que já não
quer pensar ou escolher, que já não tem sequer critérios de escolha e,
portanto, precisa do místico que escolha por si. Este homem que se sente
incapaz e que não precisa de uma religião tradicional para dizer-lhe de suas
limitações, mas de uma religião pós-moderna que lhe fale de tudo aquilo que ele
é capaz de realizar. O crescimento das seitas religiosas na pós-modernidade tem
a mesma raiz do crescimento da literatura de auto-ajuda: a insuficiência do
homem em presidir sua vida e a necessidade de alguém que lhe diga que ele é
capaz de fazê-lo (ainda que não o seja).
É assim que o homem
contemporâneo, ainda que acredite que crê em Deus, age no dia-a-dia como se Ele
não existisse. A religiosidade se transforma em símbolo tranqüilizador, mas já
não é vivida no cotidiano, como nos denuncia Luigi Bogliolo:
“Siamo tutti um po´atei ogni volta che nella nostra
vita pratica operiamo come se Dio non ci fosse, contro la sua legge e la sua
volontà. Ogni volta che il nostro riconoscimento teoretico di Dio, della fede e
della ragione, rimane inoperante agli effetti della nostra vita quotidiana”[29].
Mesmo os cristãos
contemporâneos, portanto, cometem aquela que, de acordo com o Cardeal Carlo
Maria Martini, seria a maior de todas as heresias: brincar de ser cristão (sem
vivenciar a religião na prática cotidiana e sem refletir sobre ela e os
mistérios divinos)[30].
O próprio crente contemporâneo já carece de Deus e, portanto, já é niilista, um
niilista incompleto, que não tem consciência que o é.
Esse enfraquecimento inicial da
crença abre espaço, na sociedade pós-moderna, para que o deicídio se torne cada
vez mais “dizível” e plausível, possibilitando um ultrapassamento do pensar
metafísico e a própria consumação do niilismo através da tomada de consciência
do niilista incompleto. Assim, morte de Deus aponta, necessariamente, para a
morte da verdade e a desvalorização dos supremos valores. “Se Deus não existe,
então tudo é permitido”, reproduzindo novamente o dito do personagem
dostoievskiano. Assumir a morte de Deus é assumir a consumação do niilismo.
Decorre da morte de Deus uma liberdade extrema que se torna tanto dádiva como
fardo. “Estamos condenados a ser livres”, como nos coloca Sartre, livres para
escolher qualquer caminho e sabendo que todos os caminhos são igualmente desprovidos
de sentido. Se não há Deus, não há pecado, não há céu e inferno, não há bem e
mal, certo e errado. Se não há Deus, não há vida após a morte, e assim a
própria morte se torna o supremo escândalo, o maior dos absurdos, “a
nadificação de todos os nossos projetos”,
Ante essa situação de absurdo
e falta de sentido surge a necessidade de uma postura ativa do niilismo, uma
reconstrução do terreno do pensar a partir da herança e do enfraquecimento das
violentas verdades fortes da metafísica. Esta é a tarefa do niilista perfeito,
do niilista consumado, que agora já pode emergir do atual contexto histórico,
aparentemente caótico, da pós-modernidade.
3.4. Heidegger e o
“pensamento fraco” de
3.4.1. Conseqüências do Deicídio: o
enfraquecimento do ser e o ultrapassamento
da metafísica
A morte de Deus anuncia,
também, a morte dos valores, da fundação, do ser, da ousia, da metafísica. “Não possuímos mais a verdade”, escreve
Nietzsche em um de seus fragmentos póstumos. Surge, portanto, a necessidade de
busca de novas formas de se posicionar, de modelos para a superação da atual
crise da filosofia, anunciam-se as “novas lutas” de que nos falava Nietzsche no
fragmento 108 da “Gaia Ciência”[31].
Advém, conforme Rossano Pecoraro, uma nova missão à Filosofia:
“Convocada a elaborar ao menos tentativas de resposta ou de reação, a
filosofia interrogou-se a respeito da alternativa: deve-se renunciar
necessariamente à verdade (em todos os seus sentidos e acepções) ou é possível
apelar para novas razões, menos pretensiosas e mais estratificadas, com as
quais enfrentar e contornar a crise, sem que a teoria perca o seu poder?”[32]
Neste panorama surge, na
Itália, um paradigma sintomático, o chamado “pensamento fraco”[33]
(pensiero debole), encabeçado pelo
filósofo
Este pensamento fraco teria
como maiores influências as heranças do pensamento niilista nietzscheano, da
ontologia ultrametafísica heideggeriana e da hermenêutica de Gadamer. Seriam
cinco as principais características do pensamento fraco, conforme Pecoraro,
quais sejam: 1) a necessidade de tomar a sério a descoberta promovida por
Nietzsche e Marx da relação de causalidade entre a evidência metafísica (poder
coativo do fundamento) e as relações de domínio, opressão e poder em micro e
macro-escala, ou seja, o nexo causal existente entre verdade e violência; 2) a
rejeição, entretanto, de uma mera necessidade de lançar-se à elaboração de uma
filosofia que tenha como funções últimas o desmascaramento e a desmistificação,
por si sós; 3) por via inversa, utilizar esta tomada de consciência como chance
para o desenvolvimento de um novo modo, mais amigável, menos angustiado e sem
nostalgia da metafísica, de ver o mundo das aparências, dando especial atenção
aos procedimentos discursivos, retóricos, e às formas simbólicas, entendidos,
agora, como locais de “uma possível experiência do ser”; 4) uma experiência do
ser como acontecimento, mas não no sentido de glorificar os simulacros dos
quais nos falam Deleuze e Baudrillard, o que daria a eles a mesma força de
verdade metafísica, mas no sentido de um pensamento capaz de “articular na
meia-luz”, consciente de que a experiência total do ser é impossível, de que o
ser, ao mesmo tempo que se envia, se subtrai; 5) a identificação entre ser e
linguagem, como caminho para entender o ser como rastro, lembrança, não mais
como ente, mas como acidente, como nos ensina Heidegger, em suma, um
enfraquecimento do ser[34].
Nota-se, portanto, que o
niilismo vattimiano tem estreita ligação com o enfraquecimento do ser e,
necessariamente, com sua não identificação com o ente. Em uma ontologia
niilista (se é que podemos falar nisso) e, conseqüentemente, hermenêutica, como
veremos, o ser já não é, acontece. Heidegger, que parece ser a base para o
pensamento ontológico de Vattimo, já nos dizia que o ser não é o ente, dotado
de uma verdade velada, não é ontos on
passivo a ser desvendado pelo sujeito. O ser, nesta perspectiva, só pode ser
encarado como envio (Geschik),
transmissão (Über-lieferung). Não há
mais um ser verdadeiro, uma condição objetiva de alcançar o ente. O ser é
ativo, se envia, se transmite, não é ente, dotado de essência e finalidade
pré-determinadas, mas acidente, evento (Ereignis),
ocorre por acaso, sem fins precípuos, e necessita, portanto, da interpretação e
da linguagem para ganhar sentido.
Ocorre que esse ser, ao mesmo
tempo que se envia, se subtrai, não se transmite por inteiro, oculta
determinadas características, de forma que o sujeito se torna incapaz de
percebê-lo objetivamente,
O ser, dessa maneira, se
enfraquece, passa a carecer de uma verdade final, objetiva. A finalidade da
percepção e da interpretação do ser não é mais alcançar sua verdade, sua
essência, mas trabalhar com as possibilidades que sua existência histórica
comporta, abrindo caminho para um viés criativo no trabalho hermenêutico. Esta
mudança de perspectiva, entretanto, deve ocorrer sem trauma, sem nostalgia do ontos on, e sem negação ou desistência
do ser (sob pena de queda no niilismo passivo). É impossível falar
objetivamente sobre o ser, o que não significa, como poderia pretender o Wittgenstein
do Tractatus Logico-Philosophicus,
que sobre o que não podemos falar devemos calar. É necessário ainda, e mais do
que nunca, falar do ser, é necessário acercar-se dele, já que é no próprio
discurso sobre sua existência que o ser irá se construir. Ninguém mais possui o
domínio do ente, assim o ser torna-se democratizado, todos podem aproximar-se
dele e o espaço retórico e comunicativo se abre às mais diversas opiniões a seu
respeito. É o retorno da antiga doxa dos
sofistas em detrimento da ilusão da aletheia,
o afastamento do fundamento forte, o ultrapassamento sem abandono (Verwindung) da metafísica, jogando para
escanteio ou enfraquecendo as possibilidades da violência que dela decorre.
Abre-se espaço, portanto, para uma cultura da tolerância, do pluralismo, da
diferença, da caridade entendida como pietas,
conceito que se tornará chave no pensamento de Vattimo.
O ultrapassamento da
metafísica, portanto, só poderia se mostrar possível através da consumação do
niilismo, mas não o niilismo tornado em metafísica do nada, que pretenda
inverter as relações e afirmar que o ser não é, enquanto o não-ser é, mas um
niilismo entendido como processo de enfraquecimento, de caducidade, de
tendência indefinida de redução ao nada. Não significa, portanto, dizer que o ser
é o nada, mas melhor que o ser tende ao nada. Assim, a caridade de que nos fala
Vattimo “evoca a mortalidade, a finitude, a caducidade; desvela e corrói as
pretensões da força, do poder, do domínio, do fundamento único, da presença;
mostra o abismo dos vestígios, a falta, a angústia. Mas também aponta,
francamente, para um caminho”[35].
Este ultrapassamento da metafísica promovido pelo niilismo seria a chance que
se apresenta para o enfraquecimento das estruturas de tradição metafísica do
ser, da verdade, retirando do pensamento qualquer pretensão de superioridade,
primazia, potência fundadora. O pensamento ontologicamente fraco não possui,
portanto, qualquer razão para exigir para si a posição de soberania que lhe
atribuíra a metafísica e, portanto, não traz em si fundamentos que legitimem
sua imposição violenta.
3.4.2.
Hermenêutica
niilista como ontologia da pós-modernidade
Conforme percebemos da
ontologia heideggeriana, parece haver uma identificação entre ser e
linguagem. Esta perspectiva hermenêutica
de Heidegger, entretanto, tem, conforme
O homem, como Ser-aí (Dasein), ser lançado no mundo, não está
efetivamente em contato com os objetos que constituem o mundo, já que é
impossível uma compreensão destes como entes, como presença. O Dasein está, isto sim, sempre
familiarizado com uma totalidade de significados, um contexto histórico que lhe
permite usar como referência ante o mundo que se lhe apresenta (e também se lhe
oculta/subtrai). A este pano de fundo interpretativo do Ser-aí Heidegger
chamava de pré-compreensão (algo semelhante ao que Gadamer, posteriormente,
viria a chamar “horizonte histórico”). Neste sentido, o mundo, de acordo com
Heidegger, só se dá ao Ser-aí no interior de um projeto, já que a existência
humana é entendida pelo filósofo como um permanente projetar-se para o futuro (daí
a idéia do homem como um ser-para-a-morte – Zum-Tode-sein).
O projeto do ser-no-mundo (in
der-Welt-sein) é o contexto em que se inserem as coisas e, somente neste
contexto, elas adquirem algum sentido. Nas palavras de Vattimo:
“O Ser-aí existe na forma de projeto, no qual as coisas só são na medida
em que pertencem a esse projeto, na medida em que têm um sentido nesse
contexto. Essa familiaridade preliminar com o mundo, que se identifica com a
própria existência do Ser-aí, é o que Heidegger chama de compreensão ou
pré-compreensão. Qualquer ato de conhecimento nada mais é que uma articulação,
uma interpretação dessa familiaridade preliminar com o mundo”[37].
Assim, ficam claros os
contornos niilistas desta hermenêutica heideggeriana que, praticamente, como
Nietzsche, conclui que “não há fatos, somente interpretações”. O ser não é
fundamento, mas orienta-se em direção a um desfundamento, o Ser-aí se projeta
em direção ao fim de seus projetos e nesse sentido é, a um só tempo,
ser-no-mundo e ser-para-a-morte. Uma ontologia hermenêutica que propõe o não
fundamento do ser e se embasa na relação do ser com sua ausência de fundamentos
possui, portanto, claramente, nuances niilistas. Vejamos novamente o que nos
diz Vattimo:
“Em que medida pode-se chamar de niilista essa visão da constituição
hermenêutica do Ser-aí? Antes de mais nada, num dos sentidos atribuídos a esse
termo por Nietzsche, num apontamento colocado pelos editores no início da
edição de 1906 da Der
Wille zur Macht niilismo é aquela
situação em que, como na revolução copernicana, ‘o homem rola do centro para
X’. Para Nietzsche, isso significa que niilismo é a situação em que o homem
reconhece explicitamente a ausência de fundamento como constitutiva da sua
condição (aquilo que, em outras palavras, Nietzsche chama de morte de Deus).
Ora, a não identificabilidade de ser e fundamento é um dos pontos mais
explícitos da ontologia heideggeriana: o ser não é fundamento, qualquer relação
de fundação se dá já sempre no interior de uma época do ser, mas as épocas como
tais são abertas, e não fundadas, pelo ser. Numa passagem de Ser e tempo,
aliás, Heidegger fala explicitamente da necessidade de ‘abandonar o ser como
fundamento’, se se quiser aproximar de um pensamento não mais metafisicamente
orientado apenas para a objetividade”[38].
Ademais, para compreender os
traços niilistas da hermenêutica heideggeriana, é necessário trazer à tona sua
visão do pensamento como An-denken, como
rememoração, revisitação. Assim, o ultrapassamento da metafísica (que nada mais
é que o esquecimento e abandono do ser) em Heidegger só pode ser visto como um
ultrapassamento em que não há abandono, mas recordação. Uma rememoração da
história da metafísica, um remeter-se a ela, um torcê-la e distorcê-la. “É
repercorrendo a histórica da metafísica como esquecimento do ser que o Ser-aí
se decide pela sua morte e, desse modo, se funda como totalidade hermenêutica,
cujo fundamento consiste na ausência de fundamento”[39].
Este pensamento como An-denken, este
rememorar, é justamente o oposto do esquecimento metafísico, o abandono do ser,
e é aquele “salto no abismo da mortalidade” que, de acordo com Heidegger,
caracteriza a existência autêntica. O ser nunca pode ser captado ou pensado
como presença. Este pensamento que não o abandona, que não o esquece, é
justamente o único possível, o que recorda o ser como já desaparecido, ido
embora, ausente, o que aceita que o ser só pode ser percebido em seus rastros e
restos. Assim, a respeito desse modelo de pensamento fundado na An-denken, é possível dizer o mesmo que
dizia Heidegger a respeito do niilismo: nesse pensamento, “do ser como tal,
nada mais há”.
Nestes termos, o ser já não é
possível, mas é possível ainda recordá-lo, interpretar essa recordação e falar
sobre ela. Ainda é possível falar do ser, motivo pelo qual não devemos
abandoná-lo ou desistir dele. O fato, entretanto, de que o ser só poderá ser
descrito da perspectiva histórica de um projeto do Ser-aí, do ser-no-mundo,
impossibilita o alcance, em qualquer discurso, de uma verdade objetiva a respeito
deste ser. É assim que a verdade e o sentido do ser vai sendo adquirido no
próprio discurso, que o adeqüa ao projeto do ser-no-mundo. Esta é a
hermenêutica que Vattimo propõe para a pós modernidade, uma hermenêutica em que
“a experiência pós-moderna da verdade (...) é uma experiência estética e
retórica”[40].
Estética porque o ser
interpretado já não é, e a interpretação já não busca sua verdade, mas uma das
possibilidades que encerra seu acontecer, seu dar-se como evento (Ereignis). O ser é interpretado, então,
como obra, é encarado como se encara a obra de arte (como “pôr-em-obra da
verdade”) e qualquer interpretação possível é interpretação estética. Também
nos falam sobre esta raiz estética de qualquer hermenêutica Schleiermacher e
Gadamer[41].
Retórica porque, nesta
perspectiva heideggeriana, a linguagem se torna “a morada do ser”, o local em
que o ser se constrói em sentido. Este é o Heidegger que, graças ao trabalho de
Gadamer escavando a relação entre hermenêutica e retórica, se aproxima do
Wittgenstein dos “jogos da linguagem”. É Gadamer quem nos dirá que “o ser que
pode ser compreendido é linguagem”, ou seja, que o ser tende a dissolver-se
nesta linguagem ou, ao menos, resolver-se nela[42].
Neste contexto em que as coisas são o que interpretamos e dizemos dela,
ressurge uma argumentação retórica, aquela que já não possui estreita
identidade com o discurso racional, aquela em que, conforme coloca Chaïm
Perelman, a racionalidade é trocada pela razoabilidade, o discurso constrói um
significado razoável dentre as possibilidades de sentido que encerra o ser. A
verdade já não existe na coisa-em-si, mas é construída no discurso e na
interpretação. Niilismo e retórica voltam a andar juntos, de braços dados como
já andavam em suas origens na antiga Grécia, em Górgias. Esta é a ontologia
hermenêutica niilista que se anuncia para a pós-modernidade.
3.5.
Uma chance que se abre: a Verwindung heideggeriana e a escolha e enfraquecimento da herança
A “ontologia hermenêutica” de
Heidegger, com sua visão do pensamento como An-denken
(rememoração), leva àquele ultrapassamento da metafísica ao qual já fizemos
referência. Este ultrapassamento, entretanto, como já visto, não é Überwindung, superação completa, mas Verwindung, um distorcer, retorcer, um
remeter-se e também, de certa forma, uma aceitação e aprofundamento.
Ultrapassar a metafísica, enfraquecendo-a, é, também, ultrapassar e enfraquecer
a verdade e a razão e, portanto, as heranças da modernidade.
Todos os “pós” a que
contemporaneamente costumamos fazer referência precisam ser encarados desta
perspectiva de uma Verwindung
heideggeriana que não abandona e rompe completamente com as estruturas
anteriores, mas as enfraquece e retorce. Assim não só com a pós-modernidade em
relação à modernidade, mas também com a pós-história, com o pensamento
pós-metafísico, com a sociedade pós-industrial, pós-moralista, etc. O Ser-aí
(homem) está sempre inserido em um projeto e familiarizado com uma totalidade
de significados históricos, com um horizonte histórico, com uma herança
cultural da qual ele não pode, por mais esperneante que seja o esforço, apagar
e abandonar abruptamente. Se é verdade que nada surge do nada, esta herança
enfraquecida e consciente de sua própria fraqueza e ausência de fundamento
parece ser o único ponto de partida possível para qualquer proposta construtiva
que abrace um pensamento niilista autêntico.
Fugir à herança cultural não
parece possível e, sequer, desejável. Nas palavras de Derrida, é preciso
reafirmar esta herança,
“não só aceitar essa herança, senão reativá-la de outro modo e mantê-la
com vida. Não escolhê-la (porque o que caracteriza a herança é, antes de tudo,
que ela não é eleita, é ela que nos elege violentamente), senão escolher
conservá-la viva (...) Há que se pensar a vida a partir a herança, não o inverso.
Portanto, há que partir dessa contradição formal e aparente entre a passividade
da recepção e a decisão de dizer “sim”, logo selecionar, filtrar, interpretar,
por conseguinte transformar, não deixar intacto, indene, não deixar a salvo nem
sequer aquilo que se diz respeitar antes de tudo”[43].
O trabalho a ser feito com
esta herança, portanto, não é nem de destruição nem de mero recebimento
passivo, mas de reiterpretação e releitura, senão vejamos novamente o que dela
nos diz Derrida:
“Se a herança nos assinala tarefas contraditórias (receber e, sem
embargo, escolher, acolher o que vem antes de nós e, sem embargo,
reniterpretá-lo, etc.), é porque dá fé de nossa finitude. Unicamente um ser
finito herda, e sua finitude o obriga. O obriga a receber o que é maior e mais
velho e mais poderoso e mais duradouro do que ele. Mas a mesma finitude obriga
a escolher, a preferir, a sacrificar, a excluir, a deixar cair”[44].
É preciso, portanto, herdar e,
ao mesmo tempo, desconstruir essa herança. Desconstruir não no sentido de
destruir, aniquilar, mas de revelar os espaços em branco de seus discursos,
captar em cada um deles seu “momento dogmático”, metafísico, e enfraquecê-lo
justamente aí, onde ele é arbitrário, impositivo, violento. É a chance de substituir
o fundamento pelo diálogo, a racionalidade moderna por uma razoabilidade
pós-moderna que não é senão uma releitura e enfraquecimento daquela. É a chance
de aceitar a differánce derridiana,
de ultrapassar a dialética e atingir um pensamento da diferença, que não
trabalhe somente com o preto e o branco, mas também com as infinitas
tonalidades de cinza que existem entre ambos. Enfim, é a chance de afirmarmos
um pensamento fraco vattimiano, que não é frágil nem débil, mas que não tem
motivo ou fundamento algum para impor violentamente, para se pretender
absoluto, verdadeiro e, conseqüentemente, autoritário.
Desta maneira, enfraquecendo
nossa herança cultural ocidental, tiramos dela a violência típica dos
pensamentos fortes, daqueles que se entendem bem fundamentados, e abrimos
espaço a uma cultura da tolerância, da diferença (que não deve ser, todavia,
indiferença), do diálogo, do amor como caridade (caritas), daquilo que Vattimo chamou pietas. É possível, portanto, e de maneira coerente, pregar um
niilismo ativo que defenda a tolerância, a caridade, o amor, em detrimento, por
exemplo, daquele niilismo violento de Sade, que pretendia fundamentar a
violência e sua “sociedade dos amigos do crime” justamente na ausência de
fundamentos.
Uma das saídas para evitar
este pensamento niilista reativo, apocalíptico, destruidor e aniquilador da
herança, é sugerida por
Retirado Deus do cristianismo
e com ele tudo aquilo que necessariamente dele decorria (metafísica, esperança
na transcendência, sentimento de culpa, pecado, céu e inferno, negação dos
sentidos, guerra contra o prazer, intolerância e preconceito, conformidade
lastimosa, ressentimento da vida, ilusão do ser como presença), nada mais
restaria que valores como liberdade, igualdade, justiça, amor, paz, caridade,
tolerância, responsabilidade, humildade, respeito, dignidade, etc., ou seja,
nada mais que uma moral humanista por excelência. Estes valores todos
sobreviveriam enfraquecidos a uma desconstrução, a uma Verwindung do cristianismo, despojados de seus fundamentos fortes
que, como nos conta a história, por diversas vezes transformou-os em valores
desumanos e autoritários, violentos e escravizadores.
Trabalhar com essa
reconciliação com a tradição hebraico-cristã, com esse cristianismo sem Deus,
ou “cristianismo não religioso”, como o denomina Vattimo, é, também,
enfraquecer o pensamento daquele que, provavelmente, deixou o maior legado ao
pensamento pós-moderno: Nietzsche. Enquanto o filósofo alemão pretendia uma
superação e inversão (transvaloração) dos valores da moral cristã (considerada
decadente), parece, graças ao cenário aberto da contemporaneidade, ser possível
uma manutenção destes valores humanistas, retirando deles o que de decadente
tinham, através de um rememorar e um remeter-se à tradição, através de um
pensamento cristão por lembrança (An-denken),
por herança. Um cristianismo enfraquecido, centrado não mais na figura do Pai
Todo-Poderoso, mas na própria figura do filho, o Deus encarnado, tornado
humano, mortal, ser-para-a-morte (Zum-Tode-sein)
lançado no mundo (in der-Welt-sein)
para realizar um projeto, como todos nós, e, portanto, um Deus já enfraquecido
e mutilado de seu aspecto metafísico, um Deus que, em suma, já não é Deus, já
não é verdade ontológica[45],
é apenas memória, um Deus que, como já professava Nietzsche, morreu na cruz,
mas que deixou rastros e restos que podem ser um caminho para a
contemporaneidade ocidental.
Na esteira de um
enfraquecimento do projeto nietzscheano, poderíamos ainda falar de uma
releitura do conceito de Vontade de Poder (Wille
zur Macht) onde esse poder não fosse mais lido como substantivo, mas como
verbo. Vontade de Poder no sentido de vontade de poder desenvolver suas
potencialidades, de poder ser no mundo, de poder acontecer, de ter garantida a
realização de seu evento (Ereignis)
como ser-no-mundo (in der-Welt-sein).
Uma Vontade de Potência em que esta potência fosse lida no sentido aristotélico
de conjunto de possibilidades.
O enfraquecimento da Vontade
de Poder levaria também, necessariamente, ao enfraquecimento do Super-homem (Übermensch) nietzscheano, que teria de
deixar de ser super, de ser mais que homem, para ser um além-do-homem, um
ultrapassamento do homem sem abandono do mesmo, um exaurimento da condição de
homem que levaria a uma existência autêntica. Este além-do-homem perceberia a
fraqueza de todos os pensamentos, a ausência de fundamentos, seria aquele
niilista consumado e ativo, que abraça o niilismo, escolhe e enfraquece a
herança e, a partir daí, passa a realizar, finalmente, o intento nietzscheano
de instituir novos valores (ou novas leituras de antigos valores). A esperança
da pós-modernidade é este niilista consumado que, na consumação do niilismo e
na ausência de fundamento já não vê um fardo, mas uma dádiva, que na morte do
dogma e da metafísica consegue entrever sua absoluta liberdade e assim
perceber-se, nos termos sartreanos, como Ser-para-si, ser que já não está mais
preso a um fundamento e que não deve obediência a verdade qualquer. Veria,
também, nesta liberdade decorrente da consumação do niilismo, necessariamente
sua responsabilidade sobre todos os seus atos (já que faz suas escolhas
livremente, ninguém mais além dele próprio pode ser responsabilizado por elas),
além de ter de assumir, também, a existência do outro como um outro
Ser-para-si, também dotado de liberdade. A aceitação da liberdade de sua
responsabilidade e da liberdade do outro tornaria este homem, além de Ser-para-si,
também Ser-para-o-outro (este outro que, apesar de ser o inferno sartreano, é
também o espelho que permite ao Ser-para-si enxergar-se a a si próprio e
construir algum sentido sua existência), ser direcionado à tolerância, ao
respeito e à alteridade. Esse enfraquecimento do pensamento nietzscheano parece
uma boa alternativa para neutralizar nele seu potencial destrutivo, violento e
arriscado.
Percebemos, portanto, que
mesmo trabalhando com o enfraquecimento de duas heranças e tradições
aparentemente opostas (cristianismo e pensamento nietzscheano), não
conseguimos, de maneira alguma, nos libertar de chegar sempre a um mesmo
resultado: a reafirmação dos valores do humanismo, que nos remetem,
necessariamente, ao período das luzes, momento mais sintomático da tradição
moderna. Fica patente a impossibilidade de abandonar e de esquecer o humanismo
e, conseqüentemente, o racionalismo e a modernidade, mas também a necessidade
de relê-los e enfraquecê-los. Parece possível, assim, concluir que a
pós-modernidade não é superação da modernidade no sentido de esquecimento e
abandono, de oposição dialética, mas de diferença, de Verwindung, de exaurimento, de mergulho dentro da própria
modernidade, explorando e recriando suas possibilidades a ponto de dar origem a
um novo paradigma. O mesmo podemos dizer do niilismo, que, uma vez consumado,
não parece poder ser abandonado e esquecido, senão recriado, reinterpretado,
obrigado a dialogar com a herança e tornar-se niilismo ativo, construtivo, sem,
no entanto, deixar de ser niilismo consciente.
3.6.
De Merseault a Tarrou: propostas éticas e
políticas de um niilismo ativo
“- Em resumo - disse Tarrou com simplicidade -, o que me interessa é
saber como alguém pode tornar-se um santo.
- Mas você não acredita em Deus...
- Justamente. Poder ser um santo sem Deus é o único problema concreto
que tenho hoje”[46].
A posição do personagem Tarrou
no romance “A Peste”, de Albert Camus, parece ser sintomática no sentido de
encarnar o aparente paradoxo entre abraçar o niilismo e aceitar uma herança/tradição
da moral cristã depois da morte de Deus (ou seja, na pós-modernidade). Em suma,
reflete a dificuldade que se apresenta ao niilista consumado quando o assunto é
ética. Vattimo deixou claro, como já vimos, a impossibilidade de superação com
completo abandono da modernidade e de seu pano de fundo histórico. Isso implica
na necessidade de abraçar uma certa herança histórica que nos circunda e da
qual não podemos nem parece que devamos nos ver livres. Escolher a herança,
como nos sugere Derrida, e enfraquecê-la, despi-la de suas bases fortes
metafísicas (e conseqüentemente violentas), como nos ensina Vattimo, parece ser
uma saída possível para a construção de uma ética niilista.
Neste sentido, a
herança/tradição se mostra como ponto de partida, a matéria prima para a
construção do pensamento ético niilista, que, ao contrário do que possa
parecer, não precisa recriar o mundo a partir do nada, mas sim a partir de seus
fragmentos desconstruídos e enfraquecidos. Não houvesse essa possibilidade, o
niilismo condenaria o homem à mais perigosa e violenta das existências, aquela
em que não há padrões para escolher, não há motivos para existir ou para
respeitar as demais existências, aquela que pode legitimar qualquer coisa,
inclusive a violência. Uma sociedade niilista, nestes termos, correria o risco
de tornar-se aquela “Sociedade dos Amigos do Crime” tão louvada pelo Marquês de
Sade. Este niilista que só poderia aceitar uma espécie de ética da quantidade,
já que não possui valores capazes de emitir juízos de qualidade, seria aquele
“homem absurdo” de que nos fala Albert Camus em “O Mito de Sísifo”, aquele que
só pode atuar no cotidiano como o ator que experimenta várias vidas (já que não
há como escolher um modelo de melhor vida), o Don Juan que dedica a existência
a experimentar o maior número possível de mulheres (já que não há critérios
para escolher a melhor das mulheres, para julgar as companhias por qualidade).
Este homem absurdo que, como Merseault, personagem de “O Estrangeiro”, de
Camus, não tem outra resposta a dar a qualquer pergunta, senão “tanto faz”. É
aquele homem que, na praia, mata um árabe sem saber o porquê, simplesmente
porque tanto faz, porque não há motivos para não matar; aquele que, questionado
pela amante se gostaria de tomá-la em núpcias, responde: “tanto faz”. Aquele
incapaz de fazer juízos de valor, incapaz de fazer escolhas. Aquele que não só
aceita a diferença, mas que, acima de tudo, abraça a indiferença.
Gilles Lipovetsky salienta que
as sociedades ocidentais democráticas marcam-se, contemporaneamente, por uma
cultura do pós-dever, e que “é grande a tentação de assimilar a cultura do
pós-dever com o grau zero de valores, isto é, com a apoteose do niilismo
moderno”[47]. Se o
movimento de consumação do niilismo parece continuar tomando seu curso, como
previu Nietzsche, e se a pós-modernidade caminha, talvez, para uma expansão
deste niilismo até que o mesmo abocanhe não mais somente as comunidades
acadêmicas, mas também a consciência comum, parece necessário achar uma
resposta para a pergunta de Tarrou, encontrar uma maneira de cercear a
multiplicação de Merseaults e expandir a quantidade de Tarrous no seio da
sociedade. Este Tarrou que, apesar de manifestar um niilismo consumado,
preocupa-se em alcançar a santidade, preocupa-se em dedicar a vida à caridade,
à pietas vattimiana, à luta e revolta
contra a morte, à salvação do outro. Este Tarrou que arrisca a vida para salvar
da peste seus concidadãos, para militar, ativamente, positivamente, com
escolhas éticas e políticas, no seio de sua sociedade, apesar de não possuir,
para embasar suas ações, qualquer fundamento forte metafísico. Este que, por
força da tradição e da herança, abraça valores humanísticos e procura a
santidade mesmo sem um Deus que a possa reconhecer.
Escolher a herança e enfraquecer
suas fundações violentas parece ser a resposta à inquietação deste interessante
personagem. Aceitar a ausência de verdade última e única não implica na
incapacidade de possuir suas verdades. Significa, isso sim, reconhecer a
debilidade delas, reconhecer que não possui a verdade absoluta e que, portanto,
a verdade do outro é tão verdadeira quanto a sua. Leva, necessariamente, a uma
alteridade, a uma ética da tolerância. Tolerância que surge não como valor
absoluto, mas, pelo contrário, que emerge justamente graças à ausência absoluta
de valores fortes. Esta tolerância em relação ao outro faz parte da herança
cultural do ocidente, tanto da herança do cristianismo, como da herança do
humanismo/racionalismo iluminista, e que, enfraquecida sua base metafísica,
pode ser o primeiro dos valores a serem abraçados por uma possível ética
niilista da contemporaneidade.
É certo que, de alguma
maneira, na sociedade contemporânea que Gilles Lipovetsky apropriadamente
denomina “sociedade pós-moralista”, esta tolerância já adquiriu seu espaço na
própria consciência comum, graças a uma espécie de niilismo inconsciente que a
permeia. “O processo pós-moralista (...) elevou a tolerância à condição de
valor central”[48], afirma
Lipovetsky. Este valor central, em verdade, conforme já afirmado, aparenta
demonstrar-se mais como uma ausência de valor, ou como valor sem fundamento, ou
mesmo como valor que tem como fundamento a própria impossibilidade da fundação.
“Enquanto virtude ética, a tolerância é vista mais como uma ampla ruptura em
relação aos sistemas de forte densidade conceitual do que como idéia de
obrigação a ser cumprida!”[49],
perspicazmente percebe Lipovetsky. O mesmo Lipovetsky afirma, entretanto, que o
cenário apocalíptico apresentado contemporaneamente no que tange à ética é
somente aparente, “é um equívoco equiparar o crepúsculo do dever ao cinismo e
ao vazio dos valores”[50].
Não é, portanto, de todo utópico pretender um modelo de ética da tolerância
para a pós-modernidade, já que esta tolerância já tem adquirido seu espaço
naturalmente na consciência comum. Os crimes de sangue, a escravidão, a
crueldade, o estupro, as sevícias físicas e psicológicas, a intolerância
religiosa, são atualmente extremamente rejeitados, causando verdadeira
indignação coletiva que sugere não uma sociedade pós-moralista que tenha
abandonado definitivamente a pretensão de balizar-se eticamente, mas uma
superação da moral forte e universal da modernidade em detrimento de uma
moralidade fraca, tolerante, não metafísica e não violenta. O naufrágio ainda
não está em toda parte, ao contrário do que já pretendia Petrônio na antiga
Roma, quando proclamou no “Satíricon” o “ubique
naufragium est”.
Essa tolerância que ganha
espaço no contexto da pós-modernidade e que tem raiz no processo em marcha de
consumação do niilismo, mostra-se como aquela (única) chance de que nos fala
Gianni Vattimo. A chance de construir uma ética pós-metafísica dos cidadãos que
pretendem fazer valer sua própria moral através do diálogo social, que não se
entende detentor da verdade e, portanto, rejeita a possibilidade de impô-la de
forma violenta, que trabalha não mais com a idéia de verdade legítima, mas com
a construção retórica da verdade e da moral através da abertura de espaços
democráticos de diálogo em busca do consenso[51].
Esta superação da ética metafísica faz-nos migrar de uma ética do Outro (com
inicial maiúscula) a uma ética dos outros, em que a pietas vattimiana passa a ser, mesmo, mais importante que a própria
verdade. Não é à toa que Vattimo, em suas conferências, costuma falar da
necessidade de inverter a máxima do “amicus
Plato sed magis amica veritas” (amigo de Platão, porém mais amigo da
verdade) costumeiramente atribuída a
Aristóteles. Ser mais amigo da verdade
que dos amigos supõe poder, em nome da verdade, atropelar os amigos (se aos que
são amigos se pode esmagar em nome da verdade, que se dirá daqueles que não o
são). É preciso, portanto, ver o outro como amigo e ser mais amigo dos amigos
que da verdade, esta verdade já debilitada e desprovida de fundação forte.
Esse enfraquecimento da moral
depois da morte de Deus dá lugar à pietas
de Vattimo, ao sentimento de caridade, à tolerância que não é, em todo
caso, completa permissividade. Não é à toa que a aceitação dos direitos humanos
e a rejeição à violência fazem parte ainda do senso de moralidade
contemporâneo. A tolerância da sociedade pós-moderna é (e se não é, pode ser)
tolerância pacífica, aceitação e respeito da diferença, mas sem indiferença.
Esta tolerância, pietas, amor como caritas, nada mais é que herança dos
grandes eixos da cultura ocidental como o cristianismo, o iluminismo, o
humanismo. O enfraquecimento destas heranças, entretanto, torna menos perigosas
suas erosões, impedindo que a entropia que age sobre elas as torne monstros
metafisicamente fundados (vide exemplo da Santa Inquisição). O racionalismo
enfraquecido daria origem a uma razão não mais universal, mas instrumental,
razão que não se baseia na racionalidade objetiva, mas na razoabilidade dos
pontos de vista. O enfraquecimento do humanismo o diferenciaria do
antropocentrismo e permitiria um olhar mais atento às questões da bioética, um
ultrapassamento da noção de que o universo foi criado para o homem, como
cenário em que só ele é protagonista e os demais seres são meros coadjuvantes.
Assim seria mais fácil o reconhecimento dos direitos dos animais e de todas as
criaturas viventes e uma maior preocupação com o planeta terra, que já não é
somente aparência, mas nosso mundo real, que já não é somente sala de espera onde
se aguarda pela vida verdadeira do Hiperurânio platônico, mas é sede da única
vida que possuímos. O cristianismo enfraquecido, mutilado da figura do Deus
pai, deixa cair também tudo que dele deriva. Assim escorrem ao ralo o pecado, o
inferno, o sentimento de culpa, a esperança na transcendência e na providência
divinas, a conformidade lastimosa, a moral da auto-flagelação, a negação dos
sentidos, o ressentimento da vida. Resta deste cristianismo sem Deus valores
como liberdade, igualdade, tolerância, amor, caridade, piedade, humildade,
respeito. Não significa necessariamente, como coloca Vattimo, a ética de uma
filosofia que cai nos braços da teologia e é completamente abarcada por ela,
mas de uma filosofia que abraça a teologia, enfraquecendo-a, assim como abraça
também o humanismo/racionalismo com este abraço enfraquecedor, porém jamais
violento. Este abraço que enfraquece também a dialética, obrigando-a a
despertar para a diferença, que faz a filosofia deixar de trabalhar apenas com
os opostos, mas aceitar que a realidade é muito mais complexa, composta mais de
diferentes que de antônimos, que percebe que não há somente o preto e o branco,
que entre o preto e o branco coexistem infinitas tonalidades de cinza.
Em um mundo sem Deus em que a
morte é o maior dos absurdos, os homens já não podem aguardar por uma
providência divina, já não podem, como os mendigos da obra de Samuel Beckett,
passar a vida inteira esperando um Godot salvador que jamais chegará. É nesse
sentido que Pisarev, um dos pais do niilismo russo, chegava a afirmar que a
própria caridade só faz sentido em um mundo sem Deus[52].
Onde não há salvador, é preciso que os homens aprendam a agir e a salvarem-se
uns aos outros. É este o niilismo ativo de Tarrou, a alteridade fraca que se
propõe a uma ética da tolerância na pós-modernidade. Uma ética que prima pela
liberdade (não havendo verdades últimas, todos são livres para escolher suas
próprias verdades) e pela igualdade (por outro lado, não havendo verdades
últimas, quaisquer das possibilidades de verdade disponíveis são igualmente
verdadeiras e falsas e, portanto, iguais – faz-se necessário aceitar a verdade
do outro como tão verdadeira quanto a sua). É preciso, entretanto, ver esta
situação de niilismo consumado não como aquele pesado fardo descrito pelos
existencialistas, mas como uma dádiva. É preciso aceitá-la sem nostalgia da
verdade, sem melancolia e saudade de Deus e da fundação metafísica. É preciso,
como ensina Vattimo, encarar o niilismo como oportunidade de emancipação.
Esta cultura do niilismo
consumado e consciente, cultura da tolerância, da aceitação da diferença e ao
mesmo tempo do agir, da verdade que se constrói no discurso e no consenso, em
suma, da pluralidade de verdades e da necessidade de coexistência pacífica
entre as diferenças parece só ter lugar, politicamente, em um regime
democrático. A democracia é outra das heranças que não parece poder ser
superada e abandonada, que precisa ser escolhida, aceita, porém também torcida
e retorcida.
O pluralismo, elemento
constitutivo básico da democracia, é extremamente necessário para uma
realização da ética niilista. Quando não possuímos mais o fundamento, perdemos
a possibilidade de fundar fortemente o próprio Estado Nacional, deixando cair
as racionalizações tipicamente modernas que o legitimam, como a idéia de
contrato social, dos sufrágios, do império da lei. O fim da metafísica leva ao
fim da busca de fundamentos para o pensamento político e, portanto, a um
abandono da idéia do filósofo como o conselheiro do príncipe, conforme nos coloca
Vattimo. A filosofia da política, nesse novo cenário, passa a ser pensamento
mais político do que filosófico, pensamento estritamente pragmático, sem
fundamentos fortes. Esse fim da metafísica no pensamento político, portanto, de
acordo com o pensamento vattimiano, corresponde à autêntica afirmação da
democracia, mas esta despojada de seus mitos e racionalizações[53].
O pluralismo democrático
encontra respaldo ainda maior em uma cultura essencialmente hermenêutica como
parece ser a pós-moderna. A visão da hermenêutica como ontologia da atualidade
leva, necessariamente, a um pensamento antifundamentalista, eminentemente
histórico, um pensamento de dissolução de todo princípio de autoridade e
objetividade. Este pensamento da política como hermenêutica e filosofia da
história encontra, em
É certo que, principalmente
nos países democráticos economicamente menos favorecidos, a democracia
existente é uma democracia representativa quase que simbólica. A formação de
subculturas e de organizações de poder para-estatais, bem como a generalização
da violência e o aumento considerável da desobediência civil, o fenômeno dos
votos de protesto, demonstram claramente, em muitos desses países, um desejo de
rescisão do contrato social, um sentimento de ilegitimidade por parte do poder
político. Uma alternativa a este posicionamento violento de resistência ao
estado, entretanto, poderia ser admitir a ausência de fundamentos desta
democracia simbólica, adotando-se a postura do niilista ativo que busca,
através do trabalho de participação direta dentro dos espaços democráticos
abertos na sociedade, legitimar suas interpretações através do diálogo e em
busca do consenso. Assim cabe ao cidadão comum uma cultura política e uma
vontade de enfraquecimento, um desejo de participação efetiva que busca
encontrar vias abertas ao diálogo, uma tentativa de reinstalar a ágora grega com a participação direta do
cidadão nas decisões da polis (seja
marcando presença nas sessões das assembléias, seja através de projetos de lei
de iniciativa da população, de ações populares, de participação efetiva nas
audiências públicas, etc...). A própria tecnociência, estandarte pós-moderno,
pode ser um instrumento facilitador da participação dos cidadãos de maneira
direta nas decisões políticas (imaginemos aparelhos tecnológicos portáteis que
enviem mensagens diárias aos indivíduos sobre os projetos de lei que tramitam
no congresso, e imaginemos ainda que, através destes aparelhos, cada indivíduo
possa votar de maneira direta sobre estas e outras questões).
Com todos os defeitos que
possui, a democracia, nesta época de fim da metafísica, parece ser o único
regime político imaginável e o pluralismo a característica que a aproxima de
uma postura consumadamente niilista, que permite a convivência e diálogo das
diferenças e a promoção de uma ética da tolerância. O enfraquecimento dos
Estados e da própria democracia parece uma esperança, também, de relacionamento
mais tolerante e menos violento entre as nações. A idéia tipicamente moderna de
evolução cultural em direção ao progresso e a arbitrariedade das verdades
metafísicas permitem violências entre as nações que se demonstram cada vez mais
inaceitáveis no contexto contemporâneo. A tolerância entre os povos e um
pensamento consumadamente mais niilista por parte de seus representantes
evitaria os fundamentos fortes que legitimam as ações violentas entre países
(vide EUA invadindo países do oriente médio sob o fundamento de difundir a
cultura verdadeiramente mais evoluída da democracia, propondo uma imposição da
liberdade através da força). Mais uma vez, o niilismo se apresenta como uma
chance (ou a única, como chega a afirmar Vattimo).
4.
O Direito e o Nada
4.1. Epistemologias jurídicas na esteira
do niilismo-platonismo[54]
Se Nietzsche estava correto ao
afirmar que a história do pensamento ocidental se confunde com a história do
niilismo-platonismo, não seria de todo precipitada uma tentativa de situar as
teorias do Direito
Com a difusão do cristianismo
(ou platonismo para o povo, como sugere Nietzsche), surge uma nova fase do
niilismo-platonismo e, conseqüentemente, uma nova etapa para o Direito Natural,
aquela que se costuma chamar de etapa do jusnaturalismo divino[55].
É, por exemplo, a concepção jurídica medieval, a lex divina e a lex naturalis
de que nos fala Santo Tomás de Aquino, leis que, acima dos homens, devem
inspirar a construção da lex humana,
sob pena de invalidade desta[56].
Com esta visão de Direito Natural vem, também, a visão da justiça divina, do
juízo final, daquela justiça prometida a todos os virtuosos, piedosos, santos,
que terão sua recompensa no fim dos tempos. Aqui o direito verdadeiro deixa de
estar acessível ao sábio, mas torna-se promessa a todos os que vivem de acordo
com os ditames de Deus.
A terceira fase do
niilismo-platonismo, aquela tão bem representada pelo kantismo, pelo
racionalismo iluminista, viria acompanhada, na esfera jurídica, daquela etapa
jusnaturalista que Tamayo chamou jusnaturalismo heróico[57].
É aquela fase do direito verdadeiro que se impõe como imperativo categórico,
que luta heroicamente contra o pensamento operante, que erige valores como
liberdade e igualdade ao lugar antes ocupado por Deus, absolutizando-os. Esta
vertente heróica, conforme nos coloca Tamayo, por vezes assume uma postura
racionalista, como
Percebe-se que a dicotomia,
para os jusnaturalistas, entre Direito Natural e Direito Positivo é a mesma
dicotomia platônica entre o mundo verdadeiro e o mundo aparente. O Direito
Natural corresponderia ao direito do mundo verdadeiro, enquanto o positivo,
posto pelos homens, seria somente aparência, cópia imperfeita.
Na quarta etapa do
niilismo-platonismo de que nos fala Nietzsche, o mundo verdadeiro torna-se
indiferente, já que inalcançável, e portanto desiste-se dele, assim como do
direito verdadeiro, que não seria outro que não o direito natural. É a fase do
juspositivismo, em que se assume a incongnoscibilidade de um direito ideal,
metafísico, e assim passa-se a aceitar e trabalhar cientificamente apenas com
aquele direito criado pelos homens, posto pelos homens através do Estado. O
direito verdadeiro deixa de ser aquele posto por Deus no coração dos homens,
apriorístico, atemporal, e torna-se o direito posto pelos próprios homens,
criado por estes, variável em espaço e tempo, produto cultural. Assim surgem as
mais distintas correntes juspositivistas. O juspositivismo kelseniano, o
juspositivismo ideológico (que acredita no legislador como criador de justiça),
o realismo jurídico, tanto americano como escandinavo (acreditando que os
juízes fazem o direito e a justiça, observando a realidade social), todas elas
acreditando, de alguma maneira, no direito como criação humana.
Quinta fase: inicia-se
juntamente com a pós-modernidade, quando é aceita não só a inacessibilidade do
direito verdadeiro, mas também sua inutilidade, enquanto inalcançável. Assim,
torna-se necessário abolir qualquer forma de idealismo, qualquer tentativa de
explicar a justiça como fenômeno fático, axiológico ou normativo. Passa a ser
necessário abolir a idéia do direito verdadeiro, tanto o Direito Natural como o
Positivo. Assim surge a etapa das chamadas Teorias Críticas do Direito e da
desconstrução, que inserem o poder e a violência como elementos constitutivos
do próprio direito, acima mesmo das três dimensões realeanas clássicas de
fato/valor/norma. Já não há direito metafísico e a autoridade criadora do
direito já não é legítima, já não age de acordo com a razão ou com a justiça,
mas apenas produz o direito no intuito de manter e legitimar seu próprio poder.
Assim as influências marxistas e freudianas perpassam as teorias do direito,
culminando com a Kulturkritik dos
pensadores de Frankfurt. Aqui o niilismo se torna consumado, mas ainda não
ativo, ainda incapaz de sugerir soluções, é ainda nihil negativum.
Na sexta fase do niilismo,
aquela em que estão já não há mundo verdadeiro ou mundo aparente, aquela em que
a dicotomia platônica jaz superada, em que o mundo verdadeiro e com ele o
direito verdadeiro se transformam em fábulas, em que já não há fundamentos para
Direito Natural ou Direito Positivo. Aquela chance de niilismo consumado que se
abre como possibilidade no cenário da pós-modernidade, na qual o jurista terá
que trabalhar com a herança jurídica enfraquecida, sem fundação, fazendo com
que dela surja um novo paradigma de justiça, uma justiça que já não é
ontologicamente justa, mas que se constrói através da interpretação, da
estética e da retórica, da diferença, do diálogo e da tolerância. É o ponto
culminante da história da verdade, como colocava Nietzsche, o ponto em que o
mundo verdadeiro se transforma em fábula, em que verdade deixa de ser sinônimo
de objetividade e em que se abre a possibilidade de um novo paradigma de
verdade, aquele do qual nos fala
4.2. A crise dos fundamentos: Direito,
Justiça e Violência
Percebe-se que a morte de Deus
e o fim da metafísica promovidos pelo discurso pós-moderno trouxeram também,
como não poderia ser diferente, suas conseqüências para o pensamento jurídico.
A antiga dicotomia platônica entre Direito Natural e Direito Positivo restou
quase que inútil, já que ambos se encontram igualmente carentes de fundação
depois de abolidos o mundo verdadeiro e o mundo aparente. Morto Deus, jaz
sepulto também o fundamento do Direito Natural divino. Já a tentativa de
fundamentar o Direito Natural em uma pretensa natureza humana seria, sem sombra
de dúvidas, negar a complexidade do humano, trabalhando com simplificações
racionalizadoras que o atual contexto do pensamento já não aceita. Analisando a
natureza, por exemplo, pelo prisma do pensamento darwiniano ou mesmo pelo
pensamento de Hobbes, perceberemos que, se é que existem leis naturais que
regem o comportamento dos homens, estas leis trazem consigo uma semente de
perigo e violência.
Hobbes nos diz que, em estado
de natureza, o homem é o lobo do próprio homem (homo homini lupus) e que, portanto, viver neste estado de natureza
é viver em uma guerra de todos contra todos (bellum omnium contra omnes). Seria parte da natureza humana tentar
sobrepujar o mais fraco. Não é diferente a inferência que se apresenta se
tomarmos o pensamento evolucionista de Darwin. A lei do mais forte faz parte
das leis da natureza, o espécime mais forte, melhor adaptado, sobrevive e se
sobrepõe ao mais fraco. Neste sentido, podemos dizer que o desejo de ser mais
forte, a vontade de poder, para utilizar a terminologia nietzscheana, poderia
ser considerada parte da natureza humana (se é que existe uma tal natureza). O
homem, por natureza, pretenderia ser mais forte, não igual, e neste sentido
seria impossível entender, por exemplo, que Igualdade e Equidade constituíssem,
como é coro quase uníssono entre os jusnaturalistas, direitos naturais. A
igualdade seria mesmo um direito antinatural e, assim, surgiria a necessidade
de ser ela garantida não pelas leis da natureza, mas por leis criadas pelos
homens, por um Direito Positivo que surge como instrumento de proteção e
cerceamento da carnificina advinda das leis da natureza, do Direito Natural. É
neste sentido que
Resta simplificadora,
entretanto, a postura de reduzir uma possível natureza humana somente ao
aspecto da violência. Freud dizia que o ser humano move-se principalmente por
duas pulsões, uma pulsão de vida (Eros) e uma pulsão de morte (Thanatos)[59].
A pulsão de vida seria responsável por sentimentos como amor, desejo, amizade,
enquanto a pulsão de morte poria no homem um natural tropismo à violência. Tentar
trabalhar com um homem naturalmente bom, como pretenderam Sócrates, Santo
Agostinho ou mesmo Rousseau, ou com um homem essencialmente mal, como o que se
vislumbra em Hobbes, é simplificar e reduzir a complexidade do humano e suas
dimensões. Assim, existindo um Direito Natural e sendo este decorrente da
natureza humana, este direito não poderia ser classificado como bom ou como mal
e, portanto, não seria nem justo nem injusto.
Ademais, já nos diziam pensadores
como Spinoza e mesmo os místicos orientais como Prajnânpad, Krishnamurti,
Lao-Tsé, Nagarjuna e Chuang Tzung que tudo o que existe, existe na natureza.
Mesmo os produtos culturais se dão e existem na natureza, não havendo qualquer
coisa que se situe fora dela. Assim, seria necessário admitir que o Direito
Positivo é tão natural quanto o próprio Direito Natural, já que é criado na
natureza, pelos homens que dela fazem parte. Se, portanto, todo direito é
natural, então direito algum é natural, perdendo o sentido a dicotomia clássica
das teorias do direito.
Perdidos os fundamentos
absolutizantes, já não parece possível falar de um Direito Natural
apriorístico, que não varia no espaço ou no tempo. Para o Direito Natural,
assim como para os homens que o criam, a existência precede a essência, para
utilizar a famosa assertiva sartreana. A noção dos Direitos Naturais, e com
eles a noção de Direitos Humanos, tem variado de civilização para civilização,
de tempo em tempo, o que lhe retira o caráter absoluto. O Direito Natural é,
também, portanto, um objeto cultural, criação humana, e torna-se perigosa,
etnocêntrica e violenta qualquer tentativa de absolutização de uma cultura, por
melhor que sejam as intenções de quem age neste intento. É fácil descobrir na história
exemplos de sistemas de idéias fortes que, inobstante suas louváveis intenções,
foram vastamente deteriorados pelo princípio da entropia e acabaram dando
origem a verdadeiras bestas monstruosas e violentas. Lembremos como o
cristianismo originou a Santa Inquisição e as cruzadas, ou como o marxismo
originou a ditadura stanilista com seus gulags
e, mais recentemente, como os ideais da liberdade e da democracia tentam
legitimar as invasões americanas aos países “bárbaros” do oriente médio. As
grandes atrocidades cometidas pela humanidade foram baseadas na crença em
fundamentos fortes e na absolutização de culturas que, por serem culturas, não
podem ser absolutas. Assim também o é com o Direito Natural. A natureza, que
engloba todas as coisas, é amoral. Se a existência precede a essência, podemos
falar não mais em Direitos Naturais, ou em Direitos Humanos como Direitos
Naturais, mas em Direitos Existenciais[60],
que levam em consideração, acima de tudo, a subjetividade dos indivíduos e sua
liberdade de fazer escolhas.
A violência não se faz menos
evidente, entretanto, nos fundamentos do Direito Positivo. O Direito Positivo
nada mais é que força autorizada. No entanto, como diferenciar entre este tipo
de força e a violência? Conforme nos esclarece Rossano Pecoraro, “o direito
como instituidor, fundador, é violento, arbitrário, sem justificação alguma: a
justiça não lhe pertence”[61].
Toda norma jurídica (e não só
a norma jurídica) remonta a uma norma precedente válida. Daí durge o problema
de esta operação não poder continuar ad
infinitum, fazendo-se necessário instituir um ato pré-jurídico originário,
capaz de justificar e fundamentar a validade do direito. A solução positivista
encontrada em Hans Kelsen, a conhecida Norma Hipotética Fundamental, não passou
de malabarismo filosófico racionalizador e configura, justamente, o momento
metafísico e dogmático do juspositivismo tradicional, em que o direito revela
toda a arbitrariedade e violência de seu gesto fundador. Assim denuncia Derrida
“A operação que consiste em fundar, em inaugurar, em justificar o
direito, em fazer a lei, consistiria em um coup de force,
em uma violência performativa e interpretativa que nela mesma não é nem justa
nem injusta e que nenhuma justiça, nenhum direito prévio ou anteriormente
fundador, nenhuma fundação preexistente poderia, por definição, nem garantir
nem contradizer ou invalidar”[62].
A idéia da autoridade
competente, que, por si só, autoriza e dá validade à norma, é uma idéia
arbitrária, violenta e racionalizadora. A alternativa moderna do Contrato
Social, no atual cenário de desmascaramento da pós-modernidade, já se
demonstrou irreal. Existe, como pretendem os marxistas, para legitimar
“racionalmente” o poder de um grupo. Não é difícil perceber o caráter violento
e leonino do contrato social quando imaginamos a realidade social de alguns
países da América Latina como o Brasil, em que impera a alienação política e a
descrença
Este contrato social, através
do qual os indivíduos cedem voluntariamente parcelas de suas liberdades
individuais ao Estado, esperando deste uma contrapartida (já que o pretenso
pacto social, o qual ninguém recorda-se efetivamente de ter assinado,
tratar-se-ia de um contrato bilateral), parece não vigorar satisfatoriamente.
Por que deveriam os indivíduos respeitar as leis do Estado, se o Estado não vem
cumprindo com sua parte neste pacto (garantir saúde, educação, segurança,
oportunidades de emprego, lazer, enfim, oportunizar uma vida digna aos
cidadãos)? Este contrato social ilusório e violento configura um leonino
contrato de adesão, cujas cláusulas os cidadãos não têm o direito de discutir
ou negociar, e que são obrigados a acatar. Fenômenos como a desobediência
civil, os votos nulos e votos de protesto, bem como a criação de poderes
paralelos de organizações para-estatais (vide PCC e outras exemplos do crime
organizado no Brasil) denunciam a insatisfação do cidadão em relação à
autoridade dos poderes oficiais e, em última instância, a ilegitimidade do
Estado para ditar normas jurídicas à sociedade (o que poderia obrigar o
miserável favelado brasileiro, que jamais coisa alguma recebeu do Estado, a
obedecer as normas deste, senão a violência?).
Assim também com as decisões
do Poder Judiciário, que já não podem ser consideradas justas unicamente porque
advindas de uma autoridade competente – o que põe por terra, também, o
fundamento das teorias do Realismo Jurídico. Os juízes de fato não são como
aquele Juiz Hércules ideal de que nos falavam os realistas. Os juízes reais
estão longe da imagem do “super-juiz” de Kantorowicz. Os juízes são homens e,
como tais, são dotados de paixões, anseios, falhas, desejos de poder. São
falíveis, corruptíveis, suscetíveis de fraqueza, covardia, acomodação e erro,
como qualquer ser humano. Suas decisões, portanto, são também violentas e não
se podem afirmar legítimas ou justas.
Se a Justiça é a ausência de
Violência, e se o Direito não possui outra maneira de legitimar-se e fundar-se
senão nesta Violência, podemos dizer que o Direito, necessariamente, é violento
e que, portanto, a Justiça não lhe pertence. A Justiça não é o Direito, pois o
Direito é necessariamente Violência.
É assim que a decisão
jurídica, ou a tentativa de fazer justiça através do direito, se desloca para o
lugar da aporia e do “indecidível”. A este respeito e comentando o pensamento
de Derrida, esclarece Pecoraro:
“Ser justo, tomar uma decisão justa nunca é possível. Duas
possibilidades surgem quando se está prestes a agir: conformar-se a uma norma
ou seguir a própria consciência, os próprios ideais, a própria idéia de justiça
etc. Na primeira hipótese, a decisão é um cálculo, portanto não poderá ser
definida como justa; na segunda, nada permite julgar se ela é justa ou não”[63].
É a esta conclusão que nos
leva o pensamento jurídico de Derrida, a este paradoxo que nos põe ante uma
situação constrangedora: a impossibilidade de lidar com a justiça fora das
aporias e contradições que ela própria encerra e, por outro lado, a
impossibilidade de renunciar a ela. Assim, para Derrida, a crítica do direito e
da violência, seu desmascaramento, a luta pela emancipação que não poderia se
dar senão dentro de uma tradição histórica que oferece instrumentos
conceituais, em suma, a desconstrução do direito, seria a própria justiça.
Vejamos suas palavras:
“É esta estrutura desconstruível (décontructible)
do direito ou, se preferem, da justiça como direito que assegura a
possibilidade da desconstrução. A justiça, nela mesma, se uma tal coisa existe,
fora ou para além do direito, não é desconstruível. Não mais do que a
desconstrução ela mesma, se uma tal coisa existe. A desconstrução é a justiça”[64].
Aqui o pensamento jurídico
derridiano atinge seu ápice, porém de uma maneira extremamente inadequada às
exigências da práxis jurídica. Afirmar que a justiça é a desconstrução do
direito não parece ofertar muitos caminhos ou soluções aos questionamentos
filosóficos de como fazer justiça a partir do direito, que é o único meio ou
possibilidade de que parecemos dispor. A justiça derridiana é uma justiça
onírica, uma loucura, como ele próprio admite, pela qual seu pensamento
desconstrucionista avidamente anseia, ainda que conhecendo a impossibilidade de
alcançá-la.
Estamos, aqui, na quinta fase
do niilismo-platonismo jurídico. A fase que desconstrói e desmascara tanto o
direito verdadeiro (Direito Natural) quanto o direito aparente (Direito
Positivo), que abole qualquer tipo de fundamento forte do direito, mas que
ainda resta incapaz de propor novos paradigmas ou soluções práticas à realidade
social e sua necessidade de fazer justiça através do direito.
4.3. Nova chance que se abre: Direito e
hermenêutica niilista
Um outro paradigma de
pensamento jurídico que vem à tona neste cenário de ausência de fundamentos do
direito é proposto no já referido “pensamento fraco” do filósofo italiano
Gianni Vattimo. O pensamento niilista e hermenêutico vattimiano parece oferecer
uma oportunidade mais viável e menos passiva de visualizar o direito e de
tentar, a partir dele, aproximar-se da justiça. É assim que Vattimo afirma,
referindo-se àquele pensamento jurídico que aqui enquadramos na quinta fase do niilismo-platonismo
nietzscheano (niilismo consumado e passivo), que “na desconstrução, mas também
em numerosas reflexões críticas, penso em Foucault, por exemplo, a violência
original da justiça é denunciada e evocada como se isto fosse o único fato importante”,
uma atitude que “no plano prático deixa a humanidade sem soluções; no plano
teórico, corre o risco de idealizar uma justiça abstrata”[65].
O que Vattimo propõe não é o
abandono do problema da origem, da violência dos fundamentos do direito, mas um
ultrapassamento (Verwindung) deste
problema através da conscientização e mergulho nele próprio, de uma distorção
dele próprio. Seria impossível, tanto para o filósofo como para o jurista,
trabalhar com a justiça sem se preocupar e ater ao problema dos fundamentos do
direito. Sem dúvida, “toda legitimidade precisa de um precedente, ou melhor, se
reduz à busca deste precedente – de um precedente válido (autorevole), decerto, mas cuja validade (autorevolezza) consiste no seu derivar de um precedente ulterior e
válido e assim por diante”[66].
É necessário, entretanto, um trabalho de desmascaramento desta origem da norma
e um trabalho com a própria norma, bem como com os precedentes, decisões,
sentenças, etc, que não deixe as coisas como estão. Este trabalho só pode se
dar, de acordo com Vattimo, através da interpretação. Só se torna possível
imaginar fazer justiça através do direito por meio de atos interpretativos,
atos que se concretizam na decisão judicial, mas que sofrem a interferência de
outros sujeitos hermenêuticos durante o diálogo processual com advogados,
promotores, testemunhas, especialistas, peritos e mesmo a própria sociedade.
É assim, conforme coloca
Pecoraro, que
“a primeira fase desse movimento (isto é: a interpretação que revela a
falta de fundamento do direito, da justiça como direito, mas também a violência
intrínseca de qualquer início) é decisiva porque permite denunciar, e deixar
definitivamente de lado, os termos metafísicos tradicionais pelos quais a
relação direito/justiça tem sido pensada”[67].
Se todo e qualquer fundamento
para o direito é necessariamente violento e se a justiça é ausência de
violência, fazer justiça através do direito é afastá-lo de suas origens
violentas, dogmáticas e metafísicas. A única maneira razoável de promover este afastamento
do direito de sua origem arbitrária é através da interpretação que se submete à
aprovação e ao consenso. Faz-se necessário, portanto, “assumir radicalmente
todas as implicações e todas as conseqüências niilistas da hermenêutica,
afastando-se decididamente dos resíduos metafísicos que ainda obstruem esse
percurso”[68]. A
verdade já não é um dado objetivo, mas ato de interpretação, já não há lei,
somente interpretações da lei, e é preciso que o sujeito hermenêutico
contemporâneo reconheça esta sua matiz existencialista, que se compreenda como
finito e histórico, e que já não se entenda estável, parte de uma estrutura
eterna verdadeira, mas que, pelo contrário, tem como papel maior ser um
intérprete da realidade, intérprete este incapaz de se desvencilhar das
pré-compreensões que constituem o que Gadamer nomeava seu horizonte histórico.
Esta tomada de consciência,
entretanto, não pode ser, como denuncia Vattimo, de tonalidade apocalíptica,
imaginando que seja vão qualquer esforço de tentar legitimar o direito
aproximando-o do justo. Esta postura condenaria o jurista ao silêncio, à
crítica estéril, ao niilismo passivo (reativo), à impossibilidade de atuar na
vida prática. Adotando esta postura, salienta Vattimo, “tomamos consciência da
ausência de fundamento, mas não nos libertamos do luto da perda que vivemos e a
nostalgia do ser pleno continua a nos dominar”[69].
O problema, entretanto, se
torna mais sério a partir do momento em que nos vemos diante da necessidade de
interpretar o direito para afastá-lo de sua origem arbitrária, mas, ao mesmo
tempo, carecemos de critérios válidos para reconhecer uma interpretação justa,
para escolher entre as várias interpretações e posições retóricas possíveis (affabulazioni) - “O luto pela metafísica
e a sombra de Deus persistem justamente na ausência de critérios, mediante os
quais distinguir entre as affabulazioni:
se Deus está morto, tudo é permitido”[70].
Desistir da questão é, também,
adotar a postura apocalíptica. Vattimo sugere outra alternativa, outra maneira
de se posicionar diante do problema:
“Menos despropositada e inadequada (...) parece ser uma resposta que
parte do esforço de assumir o niilismo – a ausência de fundamento que se revela
quando se toma consciência das implicações ontológicas da hermenêutica – em termos
verdadeiramente (ou mais autenticamente) livres da herança da metafísica.
Ter-se-á já compreendido que o niilismo permanece prisioneiro da metafísica, na
medida em que, mesmo implicitamente, ele é pensado como a descoberta de que lá onde acreditávamos que houvesse o ser, há, na realidade, o
nada. Assim, onde acreditávamos que existissem os princípios da lei, existe
apenas o arbítrio do legislador ou do intérprete, a decisão sem fundamento, e
por isso essencialmente violenta, que deve ser transformada em uma decisão
aceitável pela ficção das affabulazioni,
ou por uma aceitação motivada misticamente (na versão “kierkegaardiana” do
niilismo”)”[71].
Assim, necessário se faz
passar do diagnóstico ao remédio, da crítica à proposta, entendendo o niilismo
não mais como “uma inversão, uma substituição, uma simples mudança de
perspectiva ditada pela descoberta de que no lugar do ser há o nada, mas sim
como uma ‘história sem fim’ em que ‘o ser consuma-se, dissolve-se,
enfraquece-se”[72]. O
niilismo, portanto, nada mais é que interpretação, não é descrição objetiva dos
fatos ou da lei, mas uma versão razoável do que pode-se entender pelos fatos e
pela lei. Vejamos novamente o que nos diz Vattimo:
“(...) a interpretação não é nem desvelamento apocalíptico-messiânico da
violência (injustiça) implícita em toda posição de direito, nem o mascaramento
consolador desta violência mediante affabulazioni ad hoc; mas processo cumulativo de dissolução da violência intimamente ligada
à originária falta de fundamento da lei (...). Círculo hermenêutico como
círculo virtuoso, como única virtude possível: interpretar aplicando as leis a
situações concretas, de modo que seja possível regulá-las sem violência – sem
imposição de força não ‘negociada’ – não significa desvelar a violência da origem
nem cobri-la com ajustamentos ad hoc,
mas reduzi-la progressivamente”[73].
Assim, a difusão e acúmulo das
interpretações legais, jurisprudenciais, dos precedentes, a discussão, o exercício
do contraditório e da ampla defesa, consomem, progressivamente, a violência
original da lei, afastando-a de sua origem injusta. Interpretar a lei é
distanciá-la de sua origem, enfraquecendo sua fundação violenta. É certo, e
Vattimo é consciente disto, que mesmo quando a lei é posta em códigos, passa
pela mão de advogados, magistrados, promotores, profissionais, doutrinadores e
especialistas do direito, chega à mídia, é discutida pela sociedade, etc, ela
mantém sua origem violenta. O que não se pode negar, entretanto, é que todas
essas passagens fazem diferença, enfraquecem essa injustiça original do
direito, aproximam o direito da justiça, fazendo-o mais dialogado, mais con
“A interpretação como aplicação que enfraquece a violência da origem
‘faz justiça ao direito’: faz-lhe justiça contra quem o acusa de produzir
somente summas iniurias; torna-o justo da violência que era; e
também o justiça enquanto o consome nas suas pretensões de ser peremptório e
definitivo, desmentindo a sua máscara sagrada”[75].
É inegável que o momento de
denúncia é de extrema importância, mas é preciso se preocupar com um niilismo
consumado que intervenha diretamente na realidade social e jurídica, que seja
não só um pensamento da diferença (a differénce
derridiana), mas que faça diferença. Assim age um pensamento jurídico
fraco, um jusniilismo ativo, que compreende que o profundo conhecimento da
origem a torna menos violenta, menos peremptória. Não é, entretanto, aceitar
que todas as interpretações sejam igualmente válidas e abandonar o direito e a
justiça aos caprichos do acaso. Vattimo afirma que “a estabilidade do direito
consiste na rede de interpretações tal como se tem encarnado na história”, uma
rede que “é um tecido cujas conexões impedem que seja desfeito arbitrariamente,
pois de qualquer maneira define um âmbito de possibilidades interpretativas do
qual outras [possibilidades] são excluídas”[76].
As interpretações, portanto,
não são aleatórias, mas possuem como critério o afastamento da violência e a
herança (tradição/tradução) cultural. Não se pretenderá, por exemplo,
obviamente, abandonar os Direitos Humanos porque estes carecem de fundamento
metafísico, mas enfraquecê-los neste fundamento violento e trabalhá-los como
herança cultural que merece ser acolhida e defendida. Não é pelo fato de que o
pensamento metafísico seja intrinsecamente violento que toda a tradição legada
por ele deverá ser abandonada e rejeitada, o que é preciso é promover aquele
ultrapassamento sem abandono (Verwindung)
também da herança jurídica. Nas palavras de Vattimo:
“Aliás, sobre este ponto os metafísicos fazem bem quando dizem que os
mesmos direitos dos indivíduos foram freqüentemente reivindicados exatamente em
nome de razões metafísicas – por exemplo nas doutrinas do direito natural. Ao
contrário, é enquanto pensamento da presença peremptória do ser – como
fundamento último diante do qual é possível apenas calar-se e, talvez, sentir
admiração – que a metafísica configura-se como pensamento violento: o
fundamento, se se dá na evidência, incontroversa e que não deixa mais espaço
para perguntas posteriores, é como uma autoridade que cala e impõe sem dar explicações”[77].
Interpretar o direito com base
na herança cultural a que já fizemos referência, mas enfraquecendo-a para que
se abra espaço à discussão, aos loci democráticos
de conversação, permite um direito mais dialogado, mais con
Os próprios princípios gerais
de direito, mormente os princípios constitucionais, com sua natureza geral e aberta,
permitem mais espaço às interpretações e uma maior flexibilização das
estruturas fortes do ordenamento jurídico. Um método hermenêutico
tópico-principiológico, que partisse do catálogo tópico de princípios
disponíveis para a construção do discurso razoável que os aplicasse ao caso
concreto, seria uma maneira de viabilizar a abertura de espaços democráticos de
diálogo na esfera jurídica. Norteadas pelo Princípio da Razoabilidade, as
interpretações dialogariam com os demais princípios buscando realizar na esfera
social valores que herdamos de uma tradição e que nos parecerão sempre ligados
à idéia de justiça, como a liberdade e a igualdade. Assim, um Direito
Dionisíaco, estético e retórico, baseado na interpretação e no diálogo, no
discurso não mais focado na racionalidade objetiva, mas na razoabilidade
tolerante, pode aproximar Justiça e Direito, fazendo possível um jusniilismo
ativo e de combate que retira suas forças e fraquezas necessárias das próprias
entranhas do nada pós-moderno. Fazer Justiça através do Direito não significa
que o Direito seja ou possa ser justo, mas que ele é nossa única chance e
alternativa para aproximarmo-nos desta Justiça fugidia.
5. CONCLUSÕES
São várias as conclusões a que chegamos
através destes estudos, das quais destacaremos, aqui, as principais.
Uma delas é que o discurso pós-moderno é
um discurso niilista e que as sociedades pós-industriais contemporâneas
caminham para uma cultura de um niilismo cada vez mais consumado. Concluímos
também que o movimento de consumação do niilismo parece ser irrefreável e,
portanto, é preciso aprender a lidar com ele e retirar dele algo positivo.
Uma outra conclusão é que a história do
pensamento ocidental tem acompanhado a história do niilismo-platonismo. A morte
de Deus ocasionou a morte da metafísica e dos fundamentos, o que nos lança
atualmente em uma era niilista em que a única forma de entender o ser é como um
acontecer, um acidente, e a única verdade possível a respeito deste ser é uma
verdade interpretativa, hermenêutica.
Concluímos que toda verdade metafísica é
violenta, mas que o ultrapassamento da metafísica promovido pelo pensamento
contemporâneo não pode ser um ultrapassamento com abandono, mas sim uma Verwindung, um ultrapassamento com
mergulho e rememoração do ser e da metafísica. É impossível a superação total
da herança/tradição cultural
Percebemos, também, que é possível um
modelo de niilismo ativo, que não seja somente conformismo, mas que assuma uma
postura positiva ante a realidade social. Esta postura assumidamente niilista
pode oferecer propostas éticas baseadas na aceitação da diferença e na
tolerância, bem como propostas políticas que se manifestariam em um modelo de
democracia cada vez mais direta e participativa, tolerante, dialógica e
promotora das liberdades individuais e do mútuo respeito.
Também parece ser possível concluir que as
teorias do direito, no pensamento ocidental, têm acompanhado as fases de
“evolução” do niilismo-platonismo, o que nos leva à necessidade de buscar um
jusniilismo ativo que proponha soluções à crise dos fundamentos do direito no
atual cenário pós-moderno. Percebemos que não há direito que não tenha como
fundamento a violência. Direito Natural e Direito Positivo possuem
fundamentação igualmente arbitrária. Concluímos, portanto, que o direito não é
a justiça, já que justiça é ausência de violência e o direito jamais poderá se
libertar de sua fundação violenta.
Concluímos, por fim, que a única maneira
de tentar fazer justiça através do direito, de aproximar o direito da justiça,
é afastá-lo de sua origem violenta através da interpretação submetida à
aprovação e ao consenso. A herança cultural selecionada e enfraquecida oferece
substrato a esta interpretação, que se torna viável na prática através da
abertura existente nos princípios gerais de direito, principalmente nos
princípios constitucionais dos ordenamentos contemporâneos, que permitem maior
liberdade retórica em sua interpretação e aplicação.
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* Advogado militante
[1] Ainda que seja da essência da modernidade
a mudança de eixo do teocentrismo para o antropocentrismo, pensadores como
Nietzsche mostraram como esta tentativa de laicização do conhecimento moderno
quedou frustrada.
[2] NIETZSCHE, F. Introdução teorética sobre verdade e mentira no sentido extramoral.
Apud. MARTON, Scarlett. Nietzche, a
transvaloração dos valores. São Paulo, Moderna, 1993. p. 80-81.
[3] Para todos os fatos existem sempre
aqueles mais apressados, ávidos por tirar conclusões precipitadas que, quase
invariavelmente, mostram-se sem cabimento. É assim que há quem diga que o
paradoxo de Banach-Tarski é uma prova matemática de que os milagres existem e
que seria um testemunho científico da veracidade do milagre da multiplicação
dos pães e dos peixes que os evangelhos atribuem a Jesus Cristo.
[4] E tentar retirar do Direito Natural seu
caráter de universalidade, como pretendem alguns jusnaturalistas
contemporâneos, é esvaziar o próprio conceito de Direito Natural, problema que
analisaremos no devido momento.
[5] AULETE, Caldas. Dicionário Contemporâneo da Língua Brasileira. Vol. IV. Rio de Janeiro: Delta, 1978.
[6] JACOBINI, Maria Letícia de Paiva. In. Discutindo Filosofia, ano 1, n° 6. São
Paulo: Oceano, 2006.
[7] Neste sentido CAMUS, Albert. O Homem Revoltado. Rio de Janeiro:
Record, 2003. p. 184.
[8] VOLPI, Franco. El Nihilismo. Buenos Aires: Biblios, 2005. p. 23.
[9] REALE, Giovanni. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média / Giovanni Reale,
Dario Antiseri. São Paulo: Paulos, 1990. p. 78.
[10] NIETZSCHE, Friedrich. Apud. VOLPI, Franco. El Nihilismo. Buenos Aires: Biblios,
2005. p. 16. Tradução nossa.
[11] NIETZSCHE, Friedrich. O Crepúsculo dos Ídolos.Apud. VOLPI,
Franco. El Nihilismo. Buenos Aires:
Biblios, 2005. p. 60. Tradução nossa.
[12] Idem. Ibidem.
[13] Idem. Ibidem. p. 61.
[14] Idem. Ibidem.
[15] Idem. Ibidem.
[16] Idem. Ibidem. p. 62.
[17] Idem. Ibidem.
[18] VOLPI, Franco. El Nihilismo. Buenos Aires: Biblios, 2005. p. 63.
[19] VATTIMO, Gianni. O Fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura
pós-moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 3.
[20] O termo é de Albert Camus. Cf. CAMUS,
Albert. O Mito de Sísifo. Rio de
Janeiro: Record, 2006.
[21] NIETZSCHE, Friedrich. Apud. VOLPI, Franco. El Nihilismo. Buenos Aires: Biblios,
2005. p. 60. Tradução nossa.
[22] VATTIMO, Gianni. O Fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura
pós-moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 4.
[23] COMTE-SPONVILLE, André. El Alma del Ateísmo: introducción a uma
espiritualidad sin dios. Barcelona: Paidós, 2006. p. 84.
[24] BAUMAN, Zygmunt. O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
1998.
[25] SARTRE, Jean-Paul. L’existencialisme est un humanisme. France: Éditions Gallimard, 1996. p. 37. Em
nossa livre tradução: “um certo tipo de moral laica que gostaria de eliminar
Deus com um mínimo de danos possíveis”.
[26] SANTOS, Jair Ferreira. O que é Pós-Moderno. São Paulo:
Brasiliense, 1986. p. 103.
[27] Cf. SANTOS, Jair Ferreira. O que é Pós-Moderno. São Paulo:
Brasiliense, 1986.
[28] VATTIMO, Gianni. O Fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura
pós-moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. XIX.
[29] BOGLIOLO, Luigi. Ateismo e pastorale. Milão:
Editrice Àncora, 1967. p. 09.
[30] In. ECO, Umberto. MARTINE, Carlos Maria. Em que crêem os que não crêem?. Rio de
Janeiro: Record, 2005.
[31] “Depois
que Buda morreu, sua sombra ainda foi mostrada numa caverna durante séculos –
uma sombra imensa e terrível. Deus está morto; mas, tal como são os homens,
durante séculos ainda haverá cavernas em que sua sombra será mostrada – Quanto
a nós – nós teremos que vencer também a sua sombra”. In. NIETZSCHE,
Friedrich Wilhelm. A Gaia Ciência. São
Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 135.
[32] PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução ao “pensamento fraco” de
Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São Paulo: Loyola, 2005. p. 35.
[33] E aqui se opta pela tradução de Rossano
Pecocaro, em detrimento de outras que parecem menos vantajosas e adequadas,
como “pensamento débil” ou “pensamento frágil”.
[34] Cf. PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução
ao “pensamento fraco” de Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São
Paulo: Loyola, 2005. p. 37.
[35] PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução ao “pensamento fraco” de
Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São Paulo: Loyola, 2005. p. 49.
[36] VATTIMO, Gianni. O Fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura
pós-moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 111/112.
[37] Idem. Ibidem. p. 112.
[38] Idem. Ibidem. p. 115.
[39] Idem. Ibidem. p. 116.
[40] Idem. Ibidem. p. XIX.
[41] Cf. VILLA, Lucas. Direito Dionisíaco: hermenêutica jurídica, senso estético e
vontade. Teresina: EDUFPI, 2005.
[42] VATTIMO, Gianni. O Fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura
pós-moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 131.
[43] DERRIDA, Jacques. ROUDINESCO, Elisabeth. Y mañana, que... Buenos Aires: Fondo de
Cultura Econômica, 2005. p. 12. nossa livre tradução.
[44] Idem. Ibidem. p. 13.
[45] A própria e famosa passagem bíblica em
que Jesus afirma ser a verdade, nesta perspectiva do enfraquecimento, pode e
deve ser reinterpretada para que deixe de ser vista como um “momento
dogmático”. É preciso ler o “Eu sou a verdade” de Cristo como “Eu sou a minha
verdade, tu és a tua verdade, cada homem é a sua verdade, e nenhuma destas
verdades é mais verdadeira que outra, portanto todas têm a necessidade de
conviver juntas, de respeitarem-se mutuamente, de se aceitarem como igualmente
verdadeiras, e nenhuma jamais terá qualquer fundamento legítimo para se
pretender impor violentamente às demais”.
[46] CAMUS, Albert. A Peste. Rio de Janeiro: Record, 2006. p. 222.
[47] LIPOVETSKY, Gilles. A sociedade pós-moralista: o crepúsculo do dever e a ética indolor
dos novos tempos democráticos. Barueri, SP: Manole, 2005. p. 122.
[48] LIPOVETSKY, Gilles. A sociedade pós-moralista: o crepúsculo do dever e a ética indolor
dos novos tempos democráticos. Barueri, SP: Manole, 2005. p. 125/126.
[49] Idem. Ibidem. p. 126.
[50] Idem. Ibidem. p. 123.
[51] Cf. VATTIMO, Gianni. Nichilismo e emanzipacione. Ética,
política, diritto. Milano: Garzanti, 2003.
[52] Vejamos o que a este respeito nos diz
Albert Camus: “(...) a verdade de Pisarev
encontra-se nesse dilema. Se o homem é a imagem de Deus, então não importa que
ele seja privado do amor humano, chegará o dia em que será saciado. Mas, se é
criatura cega, que erra nas trevas numa condição cruel e limitada, ele tem
necessidade de seus semelhantes e de seu amor efêmero. Onde pode refugiar-se a
caridade, afinal, a não ser no mundo sem deus? No outro, a graça provê a todos,
mesmo aos ricos. Aqueles que negam tudo compreendem pelo menos que a negação é
uma desgraça. Podem então tornar-se acessíveis à desgraça de outrem, negando
enfim a si próprios” In. CAMUS, Albert. O Homem Revoltado. Rio de Janeiro: Record, 2003. p. 185/186.
[53] Cf. VATTIMO, Gianni. Nichilismo e emanzipacione. Ética,
política, diritto. Milano: Garzanti, 2003.
[54] Segue-se, neste item, a mesma trilha de
desenvolvimento do niilismo-platonismo traçada por Nietzsche em “O Crepúsculo
dos Ídolos” e já exposta no item 2.2.1 deste trabalho.
[55] Cf. TAMAYO,
[56] AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
[57] TAMAYO,
[58] Cf. VATTIMO, Gianni. Nichilismo ed emancipazione. Etica,
politica, diritto. Milano, Garzanti, 2003.
[59] Cf. FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
[60] O termo é utilizado por vários autores,
inclusive BERKMAN-RABINOVICH. Ricardo D. Um
viaje por la historia del derecho. Buenos Aires: Quorum, 2004. p. 306.
[61] PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução
ao “pensamento fraco” de Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São
Paulo: Loyola, 2005. p. 125.
[62]
DERRIDA, Jacques. Force de loi. Apud PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução
ao “pensamento fraco” de Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São
Paulo: Loyola, 2005. p. 125.
[63] PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução ao “pensamento fraco” de Gianni
Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São Paulo: Loyola, 2005. p. 126
[64] DERRIDA, Jacques. Force de loi. Apud PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução ao “pensamento fraco” de
Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São Paulo: Loyola, 2005. p. 127.
[65] VATTIMO, Gianni. Come fare giustizia del diritto? Per uma
filosofia del diritto di impianto nichilistico. Apud PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução ao “pensamento fraco” de
Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São Paulo: Loyola, 2005. p. 127.
[66] Idem. Ibidem. p. 128.
[67] PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução ao “pensamento fraco” de
Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São Paulo: Loyola, 2005. p. 129.
[68] Idem. Ibidem. p. 130.
[69] VATTIMO, Gianni. Come fare giustizia del diritto? Per uma
filosofia del diritto di impianto nichilistico. Apud PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução ao “pensamento fraco” de
Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São Paulo: Loyola, 2005. p. 131.
[70] Idem. Ibidem.
[71] Idem. Ibidem. p. 132.
[72] PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução ao “pensamento fraco” de
Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São Paulo: Loyola, 2005. p. 132.
[73] VATTIMO, Gianni. Fare giustizia del diritto. Apud PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução
ao “pensamento fraco” de Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São
Paulo: Loyola, 2005. p. 133.
[74] Cf. HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – a Sociedade Aberta dos Intérpretes da
Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 1997.
[75] VATTIMO, Gianni. Fare giustizia del diritto. Apud PECORARO, Rossano. Niilismo e (Pós)Modernidade. Introdução
ao “pensamento fraco” de Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São
Paulo: Loyola, 2005. p. 133.
[76] Idem. Ibidem. p. 134.
[77] VATTIMO, Gianni. Para além da interpretação. O significado da hermenêutica para a
filosofia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999, p. 9.